Deadline (minha crônica no Divirta-se do Estadão)
A editora manda um email para dizer que o horário em que eu costumo enviar minhas crônicas é perfeito. Diz que o ideal é que eu mantenha exatamente o mesmo horário, desde que mande dois dias antes.
Tentei explicar que, assim como acontece com as flores, os frutos e as estações, os textos… não. Tentei nada. Se nem com você, que tem essa condescendência toda comigo, isso ia colar, imagina com ela, que está escaldada.
Poesia de powerpoint à parte, o fato é que todo texto tem, sim, a hora certa para sair. E a hora certa do meu texto é sempre a mesma: a última.
Na década de 70 o meu time, o Inter de Porto Alegre, tinha um jogador chamado Escurinho que ficava no banco até os 25 minutos do segundo tempo – quando então entrava em campo para desempatar o jogo com um gol de cabeça numa cobrança de escanteio. Devo ter aprendido a escrever com ele.
Nesses anos todos em que me revezo na última página, só me lembro de ter mandado o texto adiantado uma vez. O pessoal da Redação estranhou tanto, que a crônica saiu assinada pelo meu companheiro de revezamento André Laurentino. Juro!
Mas eu prometi tentar. Quer dizer: prometi pra mim mesmo, porque pros outros eu sei que não devo.
Procurei me convencer de que o tempo é uma convenção. Lembrei aquela noite fria de primavera do meu mochilão de 1985, quando fui apresentado ao conceito – então inédito no Brasil – de horário de verão. Como assim, adiantar o relógio em uma hora?
Anos mais tarde, me hospedei num hotel nas ilhas Maldivas que atrasava o relógio em duas horas, para que o sol equatorial nascesse às oito e se pusesse às oito, permitindo aos hóspedes dormir e aproveitar o sol.
Se o horário pode ser arbitrado, por que não os dias da semana? Acordei no sábado mentalizando que já era segunda-feira. Dessa maneira, quando chegasse a segunda, minha crônica pensaria que já era quarta, e sairia na hora pedida pela editora.
Quase deu certo. Desde segunda de manhã o texto já estava 90% formado na minha cabeça. Só faltava um final.
Até que hoje, quarta, aos 25 do segundo tempo, Escurinho, digo, a editora me manda outro email: “Você faz piada comigo no Twitter – eu vi! Me dá notícias?”. Pronto. Enviar!
Ilustração do grande Daniel Kondo, gentilmente surrupiada da edição impressa
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15 comentários
Muito bom!!!!
Também tenho essa tendência de última hora… Ainda bem que mudei esse hábito nas viagens, depois de perder um vôo. =p
Amei! Esse (ótimo) texto caiu como uma luva, depois das minhas últimas semanas que foram feitas só de deadlines! Até meu blog ficou esquecido! Cumprir horários só é bom quando é para pegar avião e …viajar mointo!
Comandante Riq (camisa 10) nos divertindo como sempre.
Ótima crônica!!!!
Gostaria que o meu diretor fosse tão elegante e divertido para cobras prazos como a editora do Estadão.