Já que a charada de hoje fez tanta gente se dar conta de como uma praia fica civilizada sem cadeira de plástico, aí vai uma antiga Xongas pubicada na Época.
Desplastifiquem as praias
Para você, como é a praia perfeita? Provavelmente, é aquela praia de pôster de agência de viagem: uma enseadinha de águas cristalinas, num tom intermediário entre o verde-água e o azul-turquesa, com areia branquíssima, habitada apenas por coqueiros e freqüentada só por peixinhos. Ah, sim: e com um coqueiro inclinado. Ter um coqueiro inclinado na direção do mar é condição sine qua non para uma praia virar pôster de agência de viagem.
Eu não faço questão de tanto. Já fico satisfeito quando a praia tem mar azul - não me venham com praias bege-marinho ou marrom-da-cor-do-mar. Tendo mar azul, minha praia perfeita pode ser selvagem ou urbana, pode ter ondas fortes ou ser do tipo piscininha, pode ter coqueiros, dunas, falésias e até edifícios. Só não pode ter uma coisa: cadeiras de plástico.
Está cada vez mais difícil achar a minha praia perfeita. As cadeiras de plástico multiplicam-se feito algas, de Jericoacoara ao Chuí. Elas chegam em bandos e logo estabelecem suas colônias. Você já deve ter reparado: as cadeiras de plástico se postam diretamente na areia, em pequenos grupos de quatro, relacionando-se simbioticamente com uma mesa, também de plástico. O período de reprodução das cadeiras de plástico é o inverno; quando a gente volta, no verão seguinte, elas já plastificaram mais uma faixa de areia. É incrível: em algumas praias, elas já são mais numerosas que os coqueiros.
Algumas praias proporcionam condições ambientais perfeitas para o desenvolvimento da espécie. Cadeiras de plástico costumam se reproduzir com maior facilidade em praias com música em altíssimo volume; quanto mais estridente for a aparelhagem de som, melhor para elas. Parece também haver alguma relação entre o crescimento da população de cadeiras de plástico e a proliferação de outras espécies praianas, como buggies, jet-skis e banana boats.
Ninguém parece atinar com o desastre ecológico causado pelas cadeiras de plástico na praia. O fato é que, aonde quer que cheguem, elas simplesmente expulsam as espécies nativas. Lembra daquelas cadeirinhas rústicas de madeira que davam charme às praias nordestinas? Entraram em extinção. Mais um ou dois anos, e não vai sobrar umazinha de recordação. Agora que as tartarugas marinhas estão salvas, bem que o Ibama poderia se dedicar a salvar a nossa cadeirinha de praia de madeira rústica.
Ai que saudade da cadeirinha de madeira. De vez em quando elas soltavam uma ripinha onde não deviam, mas tudo bem. O nosso bronzeador ajudava a envernizar a cadeira. Hoje, não. O bronzeador da última pessoa a sentar na cadeira de plástico ajuda a envernizar você. Eca.Cadeiras de plástico são como cachorros: vão bem em casa, na calçada, até na piscina - mas, na areia, não. De plástico, na areia, já bastam todas essas garrafas PET abandonadas. Perto das cadeiras de plástico, até as cadeirinhas de alumínio com encosto de náilon ficam rústicas e naturais.
Já sei. Como sempre, você vai dizer que eu não entendo xongas do que estou falando. Que as cadeiras de plástico são ecológicas porque não usam madeira. Então qualquer dia desses eu volto ao assunto e faço uma crônica inteira em memória da esteira de praia. Antigamente, todo o mundo levava a sua. É impressão minha, ou naquele tempo havia mais praias com coqueiros inclinados?
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