Ano retrasado eu já escancarei o jogo e confessei em rede nacional, na Época, que gostava do Big Brother.
Continuo gostando. Se você não tiver saco para ler o artigo inteiro, aqui vai um resumo: acho o Big Brother o melhor programa de ficção da TV aberta. Você sabe como começa -- com um bando de paspalhos entrando numa casa e gritando uhu! -- mas nunca sabe qual será a história (nem mesmo se haverá uma história; no Big Brother 6 simplesmente não rolou nenhuma). Pela escalação dos atores você não sabe quem é protagonista, quem é mocinho ou vilão. Os personagens iniciam a novelinha completamente vazios e sem personalidade definida. As poucos, os atores e os editores vão inventando um plot, para quem tiver paciência de esperar as coisas se delinearem.
Nesses anos todos vi cenas e situações memoráveis. A crise de choro do Bam Bam, no BBB1, porque a produção sumiu com uma boneca feita de vassoura, foi uma cena tão patética que talvez nem a Glória Perez ousasse imaginar. O triângulo amoroso do Dhomini no BBB3 -- tirando lasquinha da Sabrina, futura Sato, no programa, sob o olhar complacente da namorada goiana que comparecia ao vivo em todos os paredões -- foi para Nelson Rodrigues nenhum botar defeito. Jean, do BBB5, foi o primeiro gay masculino assumido, desencanado e não-afrescalhado jamais mostrado numa novela da Globo. (Depois dele, já veio um casal em "Páginas da Vida", e devem vir mais dois em "Paraíso Tropical".)
Como você pode ver, os bons Big Brothers são sempre os ímpares. E esse BBB7 não está fugindo à regra.
Os personagens principais se tornaram o exato oposto do que eram ao ser escalados. O mineiro Alberto (Caubói) deve ter sido selecionado para interpretar o caipira boa-praça -- acabou se tornando o arquivilão ressentido e obcecado. O playboy Diego (Alemão) foi recrutado na porta da Pachá, em São Paulo, para interpretar o gostosão sem escrúpulos -- e no segundo programa já tinha virado o mocinho da novela, babando para a única das meninas confinadas que ele nunca teria encontrado na Pachá: a ultra-interiorana Íris.
O tal do triângulo amoroso, enquanto existiu (desmoronou esta semana), foi um dos romances mais originais dos últimos tempos na TV. Antes de mais nada, porque, em pleno 2007, e num programa que não prima exatamente pelo recato, foi um triângulo inocente. Não rolou nem beijo na boca. A caipirona Íris não deixou o playboyzão Alemão ultrapassar o sinal. E, em respeito a Íris, o playboyzão Alemão não ultrapassou o sinal com a liberada Fani. De predador, o macho-alfa Alemão se viu reduzido a protetor. No fim das contas, o triângulo emasculou o garanhão: Alemão foi o eunuco do próprio harém. Gente, desculpaê, mas não existe nenhum personagem tão complexo em cartaz em novela de nenhum outro horário.
E comprovando que o Big Brother oferece possibilidades de dramaturgia que você não encontra em nenhuma outra obra de ficção em TV aberta, na noite desse domingo os personagens praticaram o primeiro novelicídio da televisão brasileira.
Ao condenarem o par romântico do momento da TV brasileira ao paredão, os outros personagens decretaram, à revelia do público, e possivelmente contra a vontade dos produtores, que ou o galã ou a mocinha vão morrer, faltando ainda sete ou oito semanas para terminar a novela.
A emboscada foi armada pelo vilão, o Caubói, ajudado por quatro personagens insignificantes, que vêem na morte de um dos protagonistas sua única chance de aparecer.
Numa novela normal, o coadjuvante só ganha mais espaço quando cai no gosto popular. Toda novela tem um caso assim: uma empregada que rouba a cena, um amigo do protagonista que se revela mais carismático do que a encomenda. No Big Brother, não. Se o coadjuvante não cresce por conta própria, ele pode se unir aos outros inexpressivos, ressentidos e sem-carisma e provocar a exoneração de um personagem principal. Já viram isso em alguma novela do Gilberto Braga?
Até hoje isso também nunca tinha acontecido num Big Brother. Mas desta vez, os sem-papel -- liderados por um vilão competente, o Caubói -- conseguiram.
E o público, pela primeira vez na história da dramaturgia no horário nobre, vai precisar escolher entre um mocinho e uma mocinha, faltando mais de um mês para terminar a novela.
Na terça-feira, os telespectadores não vão pensar apenas em de qual dos dois gostam mais. Vão ponderar também sobre o futuro que querem para a sua novelinha. Se cair fora o Alemão, o BBB7 se torna a história de uma personagem simpática perseguida pela casa inteira, a Siri (num replay do que foram os enredos do Bam Bam e do Jean). Eliminando a Siri, o BBB7 se torna o épico da vingança do Alemão.
Em qualquer uma das hipóteses, o vencedor já terá sido definido. (A não ser que os personagens consigam se reinventar novamente, a única que pode ameaçar o sobrevivente do megaparedão é a gracinha da Flávia.)
Mesmo assim, continuaremos assistindo. Porque ver o dia em que o Caubói sairá com 95% de rejeição não tem preço.
73 comentários