Ontem o Filipe Archer deixou um comentário superinstigante no post dos Guias Visuais.
Eu dei uma respostinha rápida e metida a engraçadinha, mas fiquei embatucado com o assunto. Ainda bem que hoje era dia de crônica minha lá no Viaje Aqui. Filipe, obrigado pela provocação inteligente e por ter me inspirado a fazer uma coluna bacaninha. (Estava linkada, mas como o permalink não funciona mais, aqui vai a transcrição.)
Se informar estraga?
Eu estava procurando um tema para esta coluna, quando o assunto apareceu. O Filipe Archer, que eu não conheço pessoalmente, mas que sei que me lê há muito tempo, deixou um comentário instigante lá no meu outro blog:
"Depois dos agentes de turismo, depois dos guias impressos, depois dos pacotes, depois da internet…. Chegará o tempo em que no meio de tanta informação disponível o barato voltará a ser simplesmente ir, sem saber nada ou quase nada sobre o destino…. Sem desmerecer de forma nenhuma as dicas de viagens em qualquer mídia que seja, me parece que estamos nos distanciando daquilo que é a razão maior das viagens, o estranhamento e o descobrimento. Cada vez mais sabemos como vai ser quando chegarmos lá e de certa forma, já construímos o “lá”. Desculpem esse pequeno aparte. Consciência crítica de um viajante enfurnado. Abraços e boa viagem."
Respondi meio rápido, e com um chiste. Escrevi assim: Filipe, esse planeta de que você fala existiu de fato e era bem bacana, só que foi extinto mais ou menos em 1996.
O que eu queria dizer é que, na era da Internet, a desinformação simplesmente não é mais uma opção que conste do cardápio. As informações chegam até você mesmo sem você querer.
Mas não adiantou responder. O comentário continuava zanzando na minha cabeça. "Me parece que estamos nos distanciando daquilo que é a maior razão das viagens, o estranhamento e o descobrimento." Era uma ponderação para lá de sensata, que merecia uma reflexão e uma resposta elaborada, não uma simples frasezinha de efeito.
Querido Filipe, acho que você pode ter inventado um belo esporte radical com essa idéia de "simplesmente ir, sem saber nada ou quase nada do destino". Mas acho que isso só funcionaria com viagens totalmente no escuro. Ou seja: você só ficaria sabendo para onde foi depois que chegasse. (A National Geographic Traveler fez uma série de viagens assim com uma repórter. Foi bem divertido.)
Em viagens convencionais, nas quais você sabe para onde está indo
acho a coisa mais complicada. Porque se você escolheu ir para esse destino, você de cara já sabe coisas demais sobre o lugar – pelo menos o suficiente para que ele tenha sido escolhido entre as 3.486 viagens que passaram pela sua cabeça.
Sim, é possível viajar sem guias e descobrir tudo por conta própria – desde que você tenha muuuuito tempo disponível. Dificilmente um guia, de qualquer das séries existentes, vai trazer uma informação do outro mundo que você não possa obter ao fazer os amigos certos ou perguntar para as pessoas competentes. O difícil é dispor desse tempo. Os guias são só o atalho.
Tem outra passagem muito boa no seu comentário. "Cada vez mais sabemos como vai ser quando chegarmos lá e de certa forma, já construímos o 'lá'." Perfeito. Só que eu acho que sempre foi assim; a diferença é que hoje temos mais fontes onde coletar essas informações. Lá em 98, quando eu era um reles publicitário metido a viajante – ou seja, muito antes de virar um reles blogueiro metido a guru – eu escrevi, no "Viaje na Viagem" derivado de árvores, um capítulo intitulado "A fascinante descoberta do conhecido". Ali eu já dizia que, por mais que digamos o contrário, viajamos tão-somente para confirmar a idéia pré-estabelecida que temos sobre o lugar que vamos visitar. Quando não gostamos de um lugar é porque ele não se enquadrou na idéia que levamos na mala. Quando um lugar supera nossas expectativas, é porque não se conformou em ser apenas aquilo que imaginávamos.
Você está certo: quanto mais a gente se informa, quanto mais planeja, mais a gente vai construindo o "lá" antes de chegar – e, provavelmente, mais essa construção vai se aproximando da realidade. Mas esse processo não precisa ter seu valor diminuído. O que fazemos é antecipar parte dos estranhamentos e muitas das descobertas para os momentos em que estamos viajando na poltrona ou no computador. Mas veja o outro lado: isso pode encher de estranhamento e descobertas dias absolutamente banais da nossa vida doméstica...
Não, uma viagem minuciosamente estudada não precisa ser nem previsível nem burocrática. Tudo vai depender do viajante. Você pode usar seu planejamento como uma coleira que vai evitar que você se perca. Ou você pode usar suas horas de viagem na poltrona e no computador como a base que vai dar segurança para você intuir os lugares certos para fugir ao itinerário. Eu acho assim: um bom planejamento faz com que você consiga chegar a um lugar já na fase 4 do videogame...
E, acredite: por mais que você estude um destino antes de viajar, quando você chega pela primeira vez o jogo sempre vai estar 10x0 para o local contra o visitante. Será que as coisas vão funcionar como eu estou esperando? Vou conseguir me comunicar com esses loucos que falam essa língua estranha? Vou ter coragem de experimentar essas comidas? 348 lempiras -- quanto isso dá em reais, mesmo? E mais essa: dá para confiar nesse cara aí ou ele vai me engambelar?
Não adianta – algum estranhamento, felizmente, é inevitável. E sempre vai ter alguma coisa esperando ser descoberta só por você.
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