Este texto foi escrito originalmente para a filial do VnV no portal Viaje Aqui. Mas como não há mais link direto, aqui vai a transcrição integral da crônica.
Semana retrasada o suplemento de viagem do New York Times foi dedicado a cruzeiros. E uma das matérias – e a que se revelou a preferida dos leitores online, tornando-se o artigo mais enviado por e-mail na semana – foi, veja você, sobre o EasyCruise que este blog cobriu ao vivo em dezembro, e que fez parte da matéria de capa da Viagem & Turismo de fevereiro.
Comecei a ler a matéria para comparar impressões quando... epa! Como assim? O repórter do New York Times embarcou no meio de dezembro? Na primeira semana de operação do novo itinerário caribenho do EasyCruise? Ei! Essa era exatamente a MINHA semana!
Não consegui reconhecer nenhuma das pessoas que apareciam na fotografia tirada na hidro do deck. (O fotógrafo deve ter feito as fotos numa outra viagem.) Mas a descrição dos passageiros apresentava vários pontos em comum com a lista que eu tinha descrito no post do primeiro dia, em St. Kitts. Os americanos festeiros estavam lá. A "americana energética" (gente, de onde é que eu fui tirar esse adjetivo, "energética"? Pressa de blogueiro...) também, e com o nome que eu lembrava: Mariah. As francesinhas esnobes não estavam no meu post, mas eu sabia quem eram. E se restava alguma dúvida de que fizemos a mesma viagem, elas se dissiparam no momento em que apareceram no texto os personagens mais carismáticos da minha viagem, o casal de meia-idade Lucky e Cupcake. (Aqui no blog eu chamei os dois pelos apelidos, mas na matéria da V&T Lucky aparece com seu nome de batismo, Doug.)
Bingo: o repórter Matt Gross era o "nova-iorquino com ar de intelectual que chegou arisco e vai se soltando" de que eu tinha falado no post de St Kitts. Claro! O sujeito tinha inclusive se apresentado como Matt, mesmo. Não perguntei o que ele fazia, mas o Lucky me contou que ele tinha dito exercer alguma atividade vagamente acadêmica, e que viajava porque tinha tempo e a mulher não se importava
Não conversamos muito, não – até porque ele se enturmou com os americanos festeiros e eu me dei melhor com as shirley-valentines inglesas. A bem da verdade, nem tentei me enturmar com os americanos; achei o pessoal meio Porky's com prazo de validade vencido, e, de mais a mais, não tinha tempo para farrear. À diferença do repórter do NYT, eu tinha muito trabalho a fazer na cabine: descarregar a memória da câmera, editar fotos, escrever os posts diários (e encontrar um cybercafé aberto em terra firme para subir as postagens, o que em alguns lugares era a tarefa mais complicada da gincana).
De resto, tínhamos muitas coisas em comum. Os dois estávamos incógnitos e pagando pela viagem (orgulhe-se, leitor: a sua Viagem & Turismo tem o mesmo padrão ético do New York Times). Embarcamos no mesmo dia – uma segunda-feira, no quarto dia da nova temporada caribenha do EasyCruise. Ambos perdemos os três primeiros dias, que, por todas as descrições que ouvi dos que já estavam no navio, foram uma tremenda boca-livre para jornalistas europeus convidados. O próprio Stelios, o dono da EasyJet, estava a bordo, para ser filmado por equipes de televisão. Nesses três primeiros dias, segundo apurei, os pães do café da manhã eram mais fresquinhos e a salada de frutas vinha com frutinhas vermelhas que não deram o ar da graça nos sete dias em que permaneci a bordo...
Ainda bem que eu não reconheci o Matt Gross – ou poderia ter rolado uma tietagem da qual eu me lembraria, constrangido, o resto da vida. O fato é que gosto muito das matérias que ele faz. Ele tem uma função específica no caderno de viagem do NYT: é o "frugal traveler", algo como o viajante sem luxos. O cara só faz viagens econômicas, mas sem o ranço que normalmente caracteriza os gurus de viagens econômicas. As experiências são sempre mais importantes do que os tostões economizados, e não há nos seus textos nenhuma aversão ideológica aos prazeres ditos burgueses. Ele viaja para fazer descobertas e se divertir – a diferença é que o orçamento é limitado.
Na primeira vez em que conversamos, ele, ao saber que eu era brasileiro, mostrou-se bem-informado demais para um americano: disse achar o máximo que o Brasil exigisse visto de turistas americanos como medida retaliatória. Eu retruquei na lata, reafirmando a minha convicção de que a medida é muito ruim para o turismo brasileiro. (E, agora que eu sei quem o cara era, veja você: mesmo simpatizando com o Itamaraty, quem disse que o cara já se deu ao trabalho de tirar um visto e vir para cá? Mas à Argentina ele já foi...)
No segundo dia, acabamos fazendo o mesmo passeio-roubada em Antígua. Quer dizer: eu achei na hora que era roubada. Estávamos em jipes diferentes. Os grupos só se encontravam nos pontos de parada: o mirante no alto do morro; a banquinha de frutas onde fomos apresentados a frutas exoticíssimas como banana, abacaxi e coco; a praia na beira da estrada (provavelmente a única praia inteiramente devassada de toda a ilha). Nessa terceira parada eu me lembro de ter comentado com ele que passeio horrível tinha sido aquele. Eu disse "What a lousy tour!!!". Na hora, ele disse que tinha achado o passeio OK. Eu continuei, destruindo passo a passo o passeio (o caminho de terra furreco, o mirante furreco, a banca de frutas furreca, a praia furreca, e como nós poderíamos ter usado o tempo muito melhor para ir ao English Harbour de verdade, em vez de só ver do alto). Ou ele estava miguelando as impressões dele na hora, ou eu consegui mudar a opinião do cara – na matéria do NYT, o jeep tour de Antígua está como um dos pontos baixos da viagem no EasyCruise.
Então tá, assumo, estou curtindo esse meu momento Tommy. (Não conhece o Tommy? Ele é o primo da Tássia. Da Tássia Achando. Lembrou?) Como se não bastasse me vangloriar de perseguir a mesma pauta do New York Times, ainda me atrevo a botar defeito no roteiro do outro: ao abandonar o barco em St. Maarten, o viajante frugal perdeu as duas ilhas melhores ilhas do itinerário, St.-Barth e Anguilla – justamente aquelas que o EasyCruise torna acessíveis aos muquiranas e mãos-fechadas em geral...
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