Esta crônica foi feita originalment para a filial deste blog no ViajeAqui. Mas como o portal não tem mais links diretos para os posts, então vai aqui a transcrição integral.
Volta e meia eu me refiro a uma viagem de quatro meses que eu fiz pela Europa (não importa quando; você provavelmente não tinha nascido) como o meu "mochilão". Pois faltei com a verdade, meritíssimo. Menti – nunca é tarde para admitir.
Quer dizer: zanzei pela Europa durante quatro meses, sim, andei muito, comi pouco, enjoei de museu e igreja pro resto da vida – mas não, não carreguei nenhuma mochila. Minhas roupas viajaram a bordo de uma mala de tamanho médio, de couro falso, avermelhado, com fivela grande e sem rodinhas. (Não me pergunte por quê, mas não lembro de haver malas com rodinhas naquela época.)
Achei o trambolho no maleiro da minha mãe. Era uma das malas mais novinhas; ali havia malas do tempo das diligências. Aparentemente minha mãe jamais se desfez de mala nenhuma na vida. Talvez porque mala não seja coisa que você doe na campanha do agasalho. Pensando bem, empregadas e porteiros não pedem malas velhas (devem preferir as novas, e com razão). Malas velhas não cabem no lixo e provavelmente não justificam uma visita do Lar André Luís.
Pensa que eu me importava de mochilar pela Europa com uma mala? Nem um pouquinho. Simplesmente não me passava pela cabeça gastar nenhum dos 3.000 dólares que eu tinha para todos aqueles meses (o dólar valia 9 francos, 165 pesetas, quase uma libra!) numa mochila. E não pensei nisso nem nas incontáveis vezes em que precisei carregar a mala sem rodinha por quarteirões e mais quarteirões, subindo três andares de escada para perguntar se o hostal ou a pensione tinham vaga
(Está bem – de vez em quando eu deixava a mala desguarnecida no térreo – e talvez, inconscientemente, até torcesse para que roubassem a desgramada enquanto eu ia averiguar sobre preço e disponibilidade.)
Pois não é que, mais de duas décadas depois, eu me vi escolhendo uma mochila para viajar?
Não uma mochila para carregar tralha, laptop ou equipamento fotográfico. Essas eu tenho e sempre usei. O que eu fui comprar foi uma mochila de carregar roupa, nécessaire, calçado. Uma mochila que ia substituir a mala numa viagem.
Foi esquisito. Eu não tenho cara, peso ou jeito de mochileiro. Não me entenda mal – adoraria ter. Mas entrei na loja me sentindo o maior dos impostores.
É lógico que eu não perguntei sobre compartimento do cantil ou lugar para pendurar o saco de dormir. Só fiz perguntas erradas.
- Eu queria uma maior, mas que deixassem subir no avião.
- Tem compartimento reforçado pra laptop?
- Uma que dê pra roupa, laptop e câmera você não tem?
Não tinha. Saí da loja com uma Deuter 28 litros, que acomoda quase – quase! – tudo o que eu preciso para caminhar da Ponta do Corumbau ao Arraial d'Ajuda pela areia, durante doze dias, dormindo em cinco vilarejos. A câmera e a zoom (e mais um monte de fios) vão numa mochilinha auxiliar que eu já tinha.
E aqui estou eu, de novo, no papel de falso mochileiro. Em vez do mochilão, duas mochilinhas. Se eu ver que vou cruzar com algum andarilho com uma mochila de verdade, juro que me escondo.
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