Eu estava começando a editar este post quando li a notícia de que o show dos Racionais M.C.'s na Praça da Sé, às 4 da madrugada, acabou em confronto entre a polícia e a platéia, causando um quebra-quebra na praça e confusão nas ruelas das redondezas, onde havia pólos animados por D.J.'s. Pena. A Virada Cultural não merecia. Eu passeei pelo Centro por três horas ontem no comecinho da noite e nunca vi a cidade tão linda e festiva.
Para quem não é de São Paulo, explico: a Virada é um evento anual, inspirado nas Nuits Blanches parisienses, que programa 24 horas de shows no centro da cidade e em mais três pólos nos bairros, das 6 da tarde de sábado às 6 da tarde de domingo. Este é o terceiro ano do evento. A estréia, em 2005, não foi lá muito bem-sucedida, porque choveu a noite toda (a época escolhida, setembro, estava errada). Ano passado a cidade ainda estava traumatizada com os alertas do PCC, e pouca gente se aventurou a sair. Este ano as condições estavam perfeitas: uma noite linda e agradável, uma programação riquíssima e uma organização primorosa.
Saímos de casa às 6 da tarde (nessa época, da noite), a pé, com destino ao vale do Anhangabaú, onde se apresentaria a companhia de dança de Ivaldo Bertazzo. No caminho, passamos pela Vieira de Carvalho, onde eu tinha visto, à tarde, a montagem de um dos palcos. Ali seria o pólo "velha-guarda" da programação do Centro, com cantores das antigas e orquestras para dançar de rosto colado.
Passamos pela Praça da República lindamente restaurada e cortamos caminho pela Barão de Itapetininga, onde foi montado o palco heavy-metal. Ao chegar à São João, outro palco, onde Aguilar e sua Banda Performática faziam o aquecimento para a noite (mais tarde, rolaria até um Ed Motta) com uma música que eu lembrava do tempo das Frenéticas: Mas o que mais me dói / O que mais me dói / Você escolheu errado / O seu super-herói.
Ah, sim: entre o palco da Barão e o da São João (mas com uma foto que só dava para editar nesse ponto aqui) passamos por um bailinho na Galeria Olido. O lugar se chama "Vitrine da Dança" e não fazia parte da Virada -- acontece todo sábado à noite. Querendo dançar juntinho de graça, já sabe...
Ainda eram 15 pras 7 quando chegamos ao Anhangabaú, onde foi montado o palco de dança. Já tínhamos visto os dois espetáculos que o Bertazzo produziu, com apoio do Sesc e da Petrobrás, com meninos e meninas talentosos da periferia, Samwaad (misturando Brasil com Índia, com uma trilha sonora bonita de chorar) e Milágrimas (misturando Brasil com África do Sul). O release prometia um "pocket" dos dois espetáculos. Foi lindo lindo lindo. Mas pocket pocket pocket: quatro músicas (duas de Samwad, duas de Milágrimas), 25 minutos, ovação, tchau.
A cidade estava tão bonita, tão elétrica -- e tão pacífica -- que não dava pra voltar pra casa. Subimos até o Banespa para tomar um chope no Salve Jorge -- e foi o único furo do passeio: não é que os caras NÃO aproveitaram a Virada para abrir à noite? Tsk tsk tsk.
Continuamos por algum calçadão do Centro Velho, contra o fluxo de público -- naquele momento eu não sabia, mas a multidão estava vindo da Praça da Sé, onde tinha acabado o show de Alceu Valença (cantando o repertório de Espelho Cristalino, de 1977). No caminho, passamos por três pólos animados por D.J.'s: um technão (ou coisa que o valha), trabalhando numa cápsula espacial; outro pop (vintage?), com pick-ups e vinis, ao lado do Centro Cultural Banco do Brasil; e um trance (ou coisa que não valha -- ô batidinha insuportável, credo) no Largo da Misericórdia.
Ao chegarmos à Sé, descobrimos que o próximo show só seria às 9 da noite, com o Nação Zumbi. Mas uma bandinha de sopros só de velhinhos estava terminando os preparativos para sair. De repente, começou a tocar e andar, atravessou a praça e se embrenhou pelas ruas do centro.
Fomos na direção do Pátio do Colégio; passamos por um boteco onde rolava uma rodinha de samba de mesa. Mais tarde, em outro ponto do centro (na rua Marconi, entre a 9 de Abril e a Barão de Itapetininga) passaríamos por outro boteco com música ao vivo -- só que de pagode romântico, com som na caixa e tudo.
No Pátio do Colégio não tinha nada; só uma instalação de uma artista plástica com caixas de tangerina da qual só tinham sobrado as tangerinas ainda não comidas pelos mendigos. Então disfrutei do prazer de andar 5 minutos pela 15 de Novembro sem ser abordado por nenhum mascate de financeira querendo me oferecer um empréstimo pessoal.
Voltamos pela Líbero Badaró e pegamos o Viaduto do Chá. A bandinha dos velhinhos estava lá; e do parapeito do viaduto dava para ver o Balé Municipal de São José dos Campos se apresentando no mesmo palco onde tínhamos visto os meninos e meninas do Bertazzo. No prédio do Shopping Light, atores do grupo Ateliê de Performances faziam uma cena pendurados por cordas (quando cheguei perto o suficiente para fotografar, a performance tinha acabado). O Teatro Municipal estava lotado até do lado de fora; mas eu não tinha me organizado para comprar ingresso para nenhum dos shows da noite (João Bosco, por exemplo).
Continuamos pela Xavier de Toledo e atravessamos a Praça Dom José Gaspar. Ali nos fins de semana sempre acontece o projeto Piano na Praça; o tema continuou durante a Virada.
A essa altura, já eram quase 9 da noite, e o público não parava de chegar. No palco da Barão de Itapetininga, os dinossáuricos Tutti Frutti anunciavam que ninguém precisava pedir "Toca Raul!!!" porque eles só iam tocar Raul. A fila do Cine Marabá já ia até a esquina da Ipiranga com a São João; mas não era nada da Virada: era "Homem Aranha 3", mesmo. Num cantinho da Praça da República, um teatrinho de arena foi montado; enquanto esperava, o público consultava a programação para decidir o que ver no resto da noite.
De volta à Vieira de Carvalho, o palco estava ocupado pela orquestra Gafieira Brasil tocando "Wave" numa versão para dançar; a pista tinha sido tomada por casais que já tinham passado dos 50.
E agora? Bauru do Ponto Chic do Largo do Paissandu? Um filé alto no Moraes? Arroz marroquino no Almanara da Basílio da Gama? Strudel de cereja na Casserole? Resolvemos pegar leve e ficamos com um galetinho e o buffet de saladas do Galeto's da Vieira.
Voltei pra casa a pé, feliz da vida, achando que moro num lugar que tem futuro, sim.
(Poderia, mas não vou comentar a relação entre as letras dos Racionais M.C.'s e as reações extremadas tanto da polícia quanto da platéia. Vou parar uma casa antes. Meu pitaco: esse evento é tão bacana, que prescinde de qualquer mega-atração. Para os próximos anos, os organizadores poderiam se restringir a nomes que não sejam tão populares assim para evitar aglomerações que fujam ao controle.)
Ano que vem vou me programar para varar a noite.
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