Encontrei na edição de julho da Condé Nast Traveller (com dois "l" é a britânica; com um "l" só, a americana) este texto do Christopher Hitchens -- que escreve na Vanity Fair e é, por assim dizer , meu colega na Época, que publica crônicas suas quinzenalmente. Ele fala de Paraty, que conheceu durante uma Flip. Traduzi rapidinho agora cedo; espero que quem entende do assunto não encontre nenhum erro grave de tradução...
Vivendo da pena
"Christopher, nós realmente gostaríamos que você viesse". Era a maravilhosa Liz Calder, editora veterana, me pedindo durante um Hay Festival de muito tempo atrás para ir a um evento equivalente no Brasil. Não lembro o que pensei: talvez o Brasil fosse tão grande que pudesse esperar, ou talvez eu não tivesse nenhum leitor por lá. Daí, cerca de um ano mais tarde, começou o "Hitch, você devia ter vindo!". Eram Martin Amis e Ian McEwan e Jeffrey Eugenides, que languidamente descreviam um paraíso costeiro e uma farra fenomenal. Parecia invejável, mas a beira-mar nunca me atraiu de verdade, então eu continuei sem me decidir. Então alguns de meus livros foram publicados em português por editores brasileiros, e de repente começou a aparecer "Senhor Hitchens, vimos respeitosamente convidá-lo...". Bem, um sujeito precisa ser gentil. E com isso pode até girar algum estoque.
Isso significou um monte de emails na minha tela com o título FLIP e enfeitados com um luxuriante logotipo tropical. Demorei um pouco até me dar conta de que essa era a sigla em português do Festival [na verdade, da Festa - N. do T.] Internacional de Literatura de Paraty. Se eu demorei tanto tempo para mencionar o lugar onde tudo isso acontece, é porque eu gosto de efeitos retardados e também porque eu gostei demais de lá. Paraty é o que o mundo seria se pessoas como eu estivessem no comando mesmo só por um instante. Mas não deixe esse pensamento deter você. Paraty é uma adorável cidade antiga bem no meio do litoral espetacular que se estende do Rio de Janeiro a São Paulo. É um lugar de verdade, cujos habitantes pescam peixes, realizam coisas, tocam negócios e fazem música. O ambiente é democrático beirando o igualitarismo, com um arco-íris de cores humanas e uma grande variedade de música e comida. Mas por poucas semanas a cada ano [na verdade, uma semana - N. do T.] o lugar se torna uma espécie de democracia ateniense em que a elite é composta por aqueles que vivem da pena. Que idéia incrível! Não é que os escritores convidados sejam carregados por aí em liteiras, mas há um hotel e um pátio para nós [me parece a pousada Pardieiro - N. do T.], que não se abre sem convite, e a (correta) intuição de que nós, em troca, convidaremos tantas pessoas quanto seja decentemente possível.
Até a aristocracia local se sujeita ao nosso domínio temporário. Fui a um almoço esplêndido oferecido pela família Braganza [ops: Bragança - N. do T.], que já foi a família real tanto do Brasil quanto de Portugal. O próprio príncipe herdeiro me mostrou os retratos de família e explicou como seus antepassados apoiaram tanto a independência quanto a abolição da escravatura. Passei uma tarde numa ilha da baía que -- para minha surpresa -- era parte da mata atlântica brasileira [OK, ele usou a palavra rainforest -- N. do T.]. À noite eu me juntei ao povo que dançava do lado de fora da igreja onde os escravos costumavam rezar e ouvi ritmos que aparentemente iam bem com o rum local [cachaça, né? -- N. do T.]. No meio da noite, a maré veio e gentilmente lavou as ruas de paralelepípedos antes de se retrair. De manhã encontrei Lillian Ross e Edmund White e Toni Morrison no pátio. E -- só para que você saiba que eu não defino utopia como uma opção fácil -- passei o resto do dia sendo duramente entrevistado por membros incisivos da imprensa literária brasileira. Paraty, você poderia dizer, tornou-se um "destino". Que bom se houvesse outras como ela.
Correção: a pousada em que se hospedam os autores não é o Pardieiro, e sim a Pousada do Ouro (obrigado, Yara e Douglas!)
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