Escrevi este texto para a filial do VnV no ViajeAqui. Como o portal não dá mais links diretos para os posts, transcrevo aqui a coluna.
Sei que não tenho razão. Que é inútil – e, em última análise, errado – lutar contra a evolução, o progresso e o conforto. Mas não consigo deixar de ficar triste com as reformas do meu aeroporto favorito, o Santos Dumont, no Rio.
Caso você não saiba, semana passada foi inaugurado o novo setor de embarque e desembarque do aeroporto, num anexo de ares futuristas construído à frente do prédio principal. A um custo de 340 milhões de reais, o Santos Dumont ganhou "fingers" (corredores que conectam os aviões ao corpo do aeroporto) envidraçados, além de espaços para lojas que vão transformar o aeroporto num shopping center.
Os fingers, equipamentos que se tornaram standard em todos os aeroportos civilizados do mundo, vão proteger os passageiros da chuva e do vento, e facilitar a vida de cadeirantes e pessoas com dificuldade de locomoção. Já o shopping center vai ajudar a distrair os usuários do aeroporto nesses tempos de caos aéreo.
Mesmo assim, não gosto. Por um motivo absolutamente fútil, eu sei – mas que precisa ser lamentado, chorado, velado, como algum amigo inconseqüente mas muito querido que tenha ido embora antes da hora.
O fato é que, com a instalação dos fingers, morre o Santos Dumont que conhecemos e aprendemos a amar. Aquele aeroporto que era pequeno, familiar e informal feito um botequim – o Bracarense dos aeroportos! – acabou.
Não vou sequer invocar a desfiguração arquitetônica trazida pelo anexo. O motivo do meu luto é muito mais do que meramente visual.
Choro porque sei que nunca mais vou receber as boas-vindas à cidade em forma de maresia – aquele bafo quente e levemente salgado que abraçava quem quer que descesse as escadas do avião, lembrando ao engravatado passageiro que havia muito mais do que simplesmente trabalho naquela banda da ponte aérea.
Se não houvesse nenhum avião estacionado ao lado, dava para sentir a maresia e, ao mesmo tempo, ver o Pão de Açúcar – uma experiência quase tão poderosa quanto subir à montanha de bondinho.
Lamento o fim do desembarque à moda antiga como um ecologista lamenta o fim de um mangue ou a morte de uma barreira de corais. É aí que vemos como somos incompetentes. Os baianos conseguiram tombar o acarajé; os usuários da ponte aérea não conseguimos tombar o desembarque sem fingers.
Eu sei, eu sei, os cadeirantes agradecem, e ninguém achava muita graça mesmo em se molhar nos dias de chuva. Mas eu vou continuar no meu papel de chato xiita saudosista e lembrar que a reforma foi decidida num dos momentos mais conturbados da vida do aeroporto.
Foi há alguns anos, quando praticamente todos os vôos domésticos estavam sendo transferidos do Galeão, e o Santos Dumont parecia fadado a se tornar uma versão carioca, e ainda mais caótica, do aeroporto paulistano de Congonhas.
Em tempo, porém, a Infraero reuniu o que restava de bom-senso na autarquia e levou os vôos domésticos de volta ao Galeão, deixando o Santos Dumont praticamente apenas com a ponte aérea. O aeroporto encolheu, mas mesmo assim a ampliação foi adiante.
Vale ainda lembrar que o trânsito de passageiros Santos Dumont é inflacionado por todo mundo que toma a ponte aérea não para ir a São Paulo, mas a outros destinos no Sul, no Centro-Oeste ou até mesmo no Nordeste – já que Congonhas deixou de ser um aeroporto de vôos regionais para se tornar, desgraçadamente, o maior "hub" (centro de conexões) do Brasil.
Mas nem tudo são más notícias. Se você também até alguns anos adorava Congonhas, e até semana passada adorava o Santos Dumont, junte-se a mim na torcida para vá para a frente o tal projeto do trem-bala entre São Paulo e Rio. Com sorte, em oito anos não vamos mais suspirar de saudades por nossos ex-aeroportos favoritos.
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