Minha crônica no Guia do Estadão de hoje.
Mandei o notebook para o conserto. Escrevo do reserva, que é meio velhinho, vagamente desmemoriado e um bocado lerdo. Não vejo a hora do outro voltar do estaleiro.
Pois anteontem eu estava no Centro quando o celular tocou. Era da assistência técnica. O computador estava pronto, mas faltava um detalhe para fazer valer a garantia estendida. Eu precisava ligar para a loja. Me deram um número de telefone 0800. Perguntei se não tinha nenhum número normal. Não tem não senhor.
Para os que não eram nascidos: o telefone 0800 foi algo inventado com o nítido propósito de beneficiar o consumidor. Ligando para telefones com esse prefixo sabemos que a chamada será paga por quem atende a ligação.
Muitos anos depois do aparecimento do 0800, porém, inventaram um negócio chamado telefone celular. Basicamente, uma máquina de fazer ligações telefônicas caras. Quando os donos de números 0800 se deram conta disso, sabe o que aconteceu? Ouça a gravação:
- Este telefone não recebe ligações de celular.
Simples assim. Só que eu pagaria de bom grado essa ligação. Não precisava ser de graça. Eu só queria poder falar, entende?
Sem número comum para usar, e longe de um telefone fixo que pudessem me emprestar, não me restava alternativa senão ir ao orelhão mais próximo.
Não lembro a última vez que liguei de um orelhão. Provavelmente eu ainda usava cabelos. E não tinha hipermetropia. Naquele tempo, o orelhão era uma comodidade urbana, feito o metrô.
Hoje, não. Hoje o orelhão é um atestado público de pobreza. Numa época em que a telefonia móvel é de acesso universal, quem usa orelhão não é o sujeito que não tem celular. É o sujeito que não tem grana para recarregar o cartão.
Eu pensava nisso enquanto a moça lá da loja me deixava pendurado. O sistema estava lento, e a minha agonia ali embaixo do orelhão se prolongava indefinidamente. Pelas minhas contas, já tinham se passado muito mais do que 0800 segundos, e nada.
Não havia nada para me distrair da exposição pública forçada. Nem mesmo aqueles anúncios que costumam ser colados por garotas da vizinhança. Saiba o prefeito que o meu orelhão estava totalmente em conformidade com a lei Cidade Limpa.
Foi quando eu me dei conta de um detalhe importante. Eu estava com a boca e o nariz muito próximos de um aparelho que tinha estado muito próximo da boca e do nariz de muitas pessoas naquele dia. Quando a moça finalmente voltou a falar comigo, eu quase perguntei:
- Gripe suína tá na garantia?
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