Vai passar

day2-13

Veterano da Marquês da Sapucaí, do circuito Barra-Ondina e da ladeiras de Olinda, domingo passado estive num dos poucos carnavais que faltavam no meu currículo – o Brazilians Day da rua 46, em Nova York. É um evento impressionante: nenhuma outra comunidade de imigrantes consegue fechar seis quarteirões de Manhattan por um dia inteiro para uma megaquermesse com direito a palco, telão e camarotes.

O evento conta com a colaboração gentilíssima da polícia, que orienta os passantes a contornar o trecho da festa e só deixa passar para a área dos camarotes os que estão vestindo os abadás, digo, as camisetas das cores certas.

Consegui entrar no camarote azul – o mais vip de todos, pelo que me contaram – bastante atrasado, já no meio da tarde. Mas cheguei justo naquele que deve ter sido o ponto alto do espetáculo: o momento em que Alcione cantou o Hino Nacional a capella.

Vestida com uma espécie de sári feito com uma bandeira do Brasil, Alcione cantou tão lindamente que me fez esquecer tanto o mau gosto do figurino quanto a chatice da letra. Arrepiei.

Não, você não leu mal. Acho o Hino Nacional a peça mais supervalorizada do nosso, ahn, cancioneiro. Como não sou de pedra, gosto da melodia e me emociono com alguns versos (“Verás que um filho teu não foge à luta”, “Dos filhos deste solo és mãe gentil”), mas a letra como um todo não chega aos pés do que somos capazes de produzir no gênero.

O fato é que a letra do Hino só foi adicionada em 1922. Apesar de ser contemporâneo da Semana de Arte Moderna, o estilo segue o português que se falava na época do descobrimento. Há brasileiros que cantam o hino a vida inteira sem entender bulhufas. Não é culpa deles nem do sistema educacional. A culpa é do Osório Duque Estrada, mesmo. Fala sério: mesmo na ordem direta, “As margens do Ipiranga ouviram o brado retumbante do povo heróico” é um verso ruim de doer.

O hino é o primeiro trauma literário da vida de uma criança. Aos seis anos de idade, entendemos que um texto importante é um texto rebuscado. Daí a “Vimos por meio desta” e “Verifique se o mesmo encontra-se” é um pulo.

Não se engane. A interpretação bisonha de Vanusa, campeã de audiência no YouTube, não é um acidente: é um alerta. Sim, dá para errar feio o Hino até mesmo quando se lê a letra.

Mas ainda há tempo. Temos o Chico Buarque vivíssimo da silva. Entreguem o hino para ele refazer a letra. Ele não fugirá à luta. E os seus netos – e os da Vanusa – entenderão o que cantam.

Texto originalmente publicado no Guia do Estadão

88 comentários

Sobre o hino, o que mais me incomoda é quando tocam só a primeira parte e não todo o hino… eu gosto é da melodia!

Riq,

Eu lembro de ter te peguntando uma vez sobre o Ibis em Londres, e vc disse que o London City não tinhas das melhores localizações… Bem, tentei loucamente achar essa troca de mensagens, mas não tive sucesso. 🙁

Vc poderia me passar a sua recomendação de novo? era o St Pancras?

abs e valeu!!

Tem censura tb aí??????????????

    Hahaha, não — é que eu vi a coluna impressa no Guia e só então vi que na última hora tinha mudado o título para “Vai passar”. Foi o que saiu no Estado, apenas botei no padrão :mrgreen:

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