A minha alegria atravessou o mar

Carnaval dos Menestréis, Cidade do Cabo

4 de janeiro de 2005. Primeiro imprevisto sensacional. Ninguém tinha me avisado, mas olha o que a Cidade do Cabo preparou para a minha chegada: um carnaval!

Quer dizer, suponho que é por minha causa. Pensa bem: um sujeito vem do Brasil com o firme propósito de traçar paralelos entre a Cidade do Cabo e o Rio de Janeiro, e logo na chegada fica sabendo que no dia seguinte – um 3 de janeiro que não é feriado nem nada – nada menos que 80 blocos (!) vão sair na avenida (!!), com gente fantasiada (!!!) tocando instrumentos de percussão e de sopro (!!!!) e fazendo piruetas com sombrinhas (!!!!). É óbvio que é por minha causa.

Carnaval dos Menestréis, Cidade do CaboSe bem que, pelo que li na edição de sexta-feira passada do Cape Times esquecida na sala da minha pousada chique (outra hora falo nela, minha pousada chique), antigamente esse carnaval não era por minha causa, não. Tudo começou em 1834, na libertação dos escravos. Aqui começa uma parte confusa que eu só vou ter como explicar melhor hoje à tarde, quando eu voltar do meu Favela Tour. É que os escravos aqui na Cidade do Cabo não eram negros. Eram malaios, indonésios e indianos. E eram proibidos de tocar música ou fazer festa. Então, quando foram libertados – a um mês do Ano Novo –, eles fizeram o maior carnaval.

A coisa foi evoluindo, e os descendentes dos escravos foram se organizando em blocos, que aqui eles chamam de troupes. Em algum momento estabeleceu-se a tradição de todas as trupes saírem no Réveillon e voltarem às ruas nos dias seguintes. Lá pelas tantas, tiveram também a idéia de fazer o desfile virar uma espécie de campeonato entre as trupes. (Alguém conhece alguma história parecida?)

Eu perdi o primeiro desfile, que foi na noite de Réveillon. (Eles na certa devem ter pensado que eu já estava na cidade.) No dia 2, eles souberam que eu estava passeando pelo parque central da cidade, os Company Gardens, e uma trupe apareceu por lá, de surpresa. Foi lindo. Quase chorei. Mas como ninguém estava com fantasia de cetim, não parecia comissão de frente de escola de samba: parecia New Orleans.

Company Gardens, Cidade do Cabo

Daí, no dia 3, quando eles iam desfilar de novo, eu tive que ir. Fui bem cedinho, às 9 meia da manhã, ao que eu poderia chamar de “concentração”, mas que ninguém por aqui entenderia. A primeira trupe apareceu com uma hora e meio de atraso. Mas eu já estava me divertindo só de ver o povo chegar. Puxa vida. Não precisava se incomodar, Cidade do Cabo.

Não, não tente procurar esse evento no seu guia de viagem. O Carnaval dos Menestréis (é assim que se chama) praticamente não atrai turistas e comove muito pouca gente fora da comunidade coloured (não-brancos e não-negros). Os brancos ficam putos da vida porque o desfile leva o dia inteiro (há um intervalo enorme entre a passagem de um bloco e o bloco seguinte) e o trânsito vira um inferno. Outro motivo do Carnaval dos Menestréis não estar nos guias é que a festa é fofinha mas não tem essa animação toda. Todos os fantasiados e quase todos os espectadores são muçulmanos – e, como nós brazucas sabemos muito bem, o mais importante de um carnaval não é a qualidade da música, mas a quantidade de cerveja.

Carnaval dos Menestréis, Cidade do Cabo

Pena que ninguém tenha conseguido me explicar por que esse povo sai na rua tocando uma marchinha levemente acelerada (!) e pontuada por movimentos semi-acrobáticos (!!) feitos com sombrinhas abertas (!!!). Mas não seja por isso. Desde já me candidato a uma bolsa da Universidade de Pernambuco para passar quatro ou cinco verões – só os verões, por favor – pesquisando os pontos de contato entre as orquestras de frevo de Olinda e as trupes de menestréis da Cidade do Cabo.

Se a ONU, a Unesco ou o Unicef quiserem que eu vá pesquisar também o carnaval de Trinidad y Tobago, estou à disposição. Eu estava pensando em passar o carnaval em São Paulo, mas lá em casa a gente sacrifica tudo em prol da antropologia.

2 comentários

cara , que texto lindo … você é phoda … até esqueci a cidade que vim aqui pesquisar e tô encantado com teu texto e irreverências … dez , carinha …
valeu … agora , vou tentar aprender como faço para conhecer a cidade … saudações cariocas ,

enocir mello

Uia Riq, esse seu portal esta sensacional. Demorei 1 minuto para me encontrar e estou me divertindo!!!!! Sucesso total 🙂
Passando aqui paradeixar um abraço, estou em Hong KOng e amanh embarco p/ o Sudeste Asiatico…
Ah… ganhei seu 100 dicas de viagem (atualizado) da mamis de Natal e vi meu blog novamente na listinha… obrigada pelo carinho!
Abs e Feliz Ano Novo!!!

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