11 de janeiro de 2005. Se você vai fazer uma viagem intercontinental e vai chegar de manhãzinha (como é o caso, por exemplo, dos vôos do Brasil para Nova York), deixe o hotel reservado desde a noite anterior. Assim, quando você chegar amassado, arrasado e esbodegado de uma noite de cão enclausurado na lata de sardinha da classe econômica, você vai poder subir direto para o seu quarto, tomar banho, ir ao banheiro, trocar de roupa, tirar uma soneca – enfim, fazer o que for preciso para recuperar a dignidade, a auto-estima e a alegria de viver. Custa caro? Custa. Mas faça uma artimanha contábil: incorpore o custo dessa primeira diária à passagem. Divida por dois e tente acreditar que é uma sobretaxa de embarque.
De vez em quando eu me pego desobedecendo meus próprios ensinamentos. Aconteceu agora de novo. Só porque o vôo da Cidade do Cabo a Cingapura não era o primeiro da viagem, eu esqueci de reservar o hotel em Cingapura desde a véspera. Quando chegamos em Cingapura, o relógio local marcava 6 da manhã. Na África do Sul, onde tínhamos ficado cinco dias, ainda era meia-noite. No Brasil, de onde tínhamos saído há menos de uma semana, estava começando o Jornal Nacional. Talvez por não terem mais a mínima idéia de que horas fossem, nossos organismos tinham se recusado a dormir durante um minuto sequer durante as 13 horas de viagem (com escala em Johanesburgo).
Quando chegamos ao hotel, às 7 da manhã, eu já sabia o que a recepcionista ia dizer: sorry, o hotel está lotado, seu quarto vai ficar pronto às... 3 da tarde. Não tinha como ser diferente – o Hotel 1929 é o hotel barato & charmoso recomendado por todas as revistas bacanas para quem vem a Cingapura. Eu só consegui lugar porque reservei há muitos meses. Eu pensei em tudo – menos nas oito horas em que nos tornaríamos os dois únicos moradores de rua de Cingapura.
Nessas horas só há uma coisa que pode fazer a pessoa esquecer da sua condição de sem-teto: tomar café da manhã no melhor hotel da cidade. Deixamos as malas no depósito e fomos caminhando até o Raffles.
Ah, o Raffles. O Raffles Hotel talvez seja o mais bonito dos hotéis coloniais da Ásia. No tempo do dólar irreal, eu andei me hospedando em vários deles: o Oriental em Bangkok, o Peninsula em Hong Kong, o Taj Mahal em Bombaim, o Métropole em Hanói. Mas o Raffles sempre foi o meu – o nosso – favorito, pelo serviço impecável, pela vegetação tropical exuberante, pelo sikh de turbante sempre a postos na entrada (veja a foto) e pela total falta de esnobismo.
Mesmo com cara de quem tinha passado treze horas na classe econômica, fomos atendidos como se fôssemos hóspedes. No meio do caminho entre o buffet e a nossa mesa, sempre aparecia um garçom para pegar o prato da minha mão e levar ao meu lugar. Quando o café – expresso, duplo – estava pela metade na xícara, sempre aparecia um garçom para substituir por um café novinho.
No buffet, frutas exóticas – rambutan, longan (duas parentes da lichia), fruta-dragão (toda pintadinha), melancia amarela (veja a foto). Dim sum (bolinhos chineses no vapor). Mingau de coco com rodelas de banana. Mamão com parma. E outras mumunhas mais. A 20 dólares (americanos) por pessoa, nem é tão caro. (Um Singapore Sling, o drink oficial da cidade que foi inventado no Raffles, custa 10 dólares americanos em qualquer um dos bares do hotel.)
Saímos do Raffles e, puff! – o encanto acabou. Voltamos a ser dois sem-teto perambulando sem rumo e com sono sob a umidade equatorial de Cingapura. Lá pelas tantas, nos demos por vencidos e pegamos um táxi para nos refugiar no ar-condicionado da recepção do nosso hotel. Era uma e meia da tarde quando a recepcionista trouxe a Boa Nova: "Seu quarto está pronto, podem subir!". Entendeu por que esse post demorou tanto?
11 comentários