Labadee e República Dominicana: vá sem culpa

Punta Cana

Na semana passada, muita gente ficou chocada ao ver a foto de passageiros de um navio de cruzeiro se divertindo numa praia em Labadee, uma península a 150 km a noroeste de Porto Príncipe, a capital haitiana devastada por um violentíssimo terremoto. Também crescia o número de pessoas que consideravam de mau gosto a idéia de passar férias nas praias da República Dominicana, que divide a ilha de Hispaniola com o Haiti.

São considerações bem-intencionadas e que revelam respeito pela dor dos haitianos. Na prática, porém, abandonar Labadee, ou contribuir com um boicote velado às praias dominicanas, acabaria por trazer dificuldades a haitianos que tiveram a sorte de escapar da tragédia – e que muitas vezes funcionam como fonte de ajuda direta a familiares que estão em Porto Príncipe. Tanto Labadee quanto a costa leste da República Dominicana – onde está a mais procurada das praias, Punta Cana – estão em áreas livres de ameaças sísmicas, e não sofreram absolutamente nada com o terremoto. Quem for a qualquer um desses lugares será recebido por comunidades que ficarão especialmente agradecidas por não terem sido evitadas neste momento.

11 DE SETEMBRO

Pode-se buscar um paralelo para a situação atual em outra tragédia, a de 11 de setembro de 2001 em Nova York. O cheiro de queimado e a fumaça ainda não tinham arrefecido na parte sul da cidade, quando o prefeito Rudolph Giuliani foi às câmeras e conclamou o mundo a viajar a Manhattan. “Venham para Nova York! Divirtam-se em Nova York! Gastem dinheiro em Nova York!”. Giuliani não poderia ter sido mais direto – e nem por isso foi acusado de insensível, desrepeitoso ou de mau gosto.

Visitar Nova York naquela situação, porém, não era fácil: a cidade estava de luto e em estado de choque. Nada disso espera os visitantes a Labadee ou Punta Cana; são lugares completamente isolados do cenário da tragédia. Sua experiência será idêntica à que viveria em qualquer outro lugar paradisíaco do Caribe – onde suas férias não estariam beneficiando haitiano nenhum.

LABADEE

Mesmo antes do terremoto, espíritos críticos já poderiam questionar a implantação de um oásis de banhistas branquelos em Labadee, encravado no país mais miserável do hemisfério. Os folhetos dos cruzeiros sequer mencionam o país onde se localiza; no máximo dão o nome oficial da ilha, Hispaniola. Graças a esse marketing esperto de ilha da fantasia genérica, no entanto, conseguiu-se  criar um pólo turístico (e uma fonte constante de moeda forte) num país considerado intocável.

Atualmente há 500 haitianos trabalhando em Labadee – metade deles, artesãos sem vínculo empregatício, que vivem de vender sua produção aos passageiros dos cruzeiros que aportam várias vezes por semana no megapíer da península, reformado ano passado para poder receber o maior navio do mundo, o Oasis of the Seas. Os mesmos navios acusados de profanar o luto haitiano estão transportando água e mantimentos para o país, que são distribuídos por ONGs humanitárias que já trabalhavam com a companhia dos cruzeiros antes do terremoto. Um tipo de ajuda que não seria possível se os navios fossem desviados para as Bahamas ou o México.

PUNTA CANA

Os moradores de Punta Cana, a mais visitada das praias dominicanas, souberam do terremoto da mesma maneira que o resto do mundo: pelo noticiário da TV. Hoje alguns deles dão plantão em fóruns de sites como o TripAdvisor.com para explicar que tudo está exatamente como há estava algumas semanas e que não há clima de velório no lugar.

Milhares de haitianos trabalham em Punta Cana – a maior parte em funções fora da visão do público. Uma crise prolongada, causada pelo pudor generalizado de visitar um lugar próximo ao Haiti, ameaçaria o emprego de imigrantes que conseguiram escapar da miséria absoluta.

PENSE NO HAITI

A verdade é que todos estamos no mesmo planeta que o Haiti, e não existe uma régua para medir a partir de que distância de Porto Príncipe uma viagem se tornaria moralmente aceitável. Passar férias no Taiti não ajuda nada ao Haiti. Não desmarcar aquela viagem programada para a República Dominicana, por incrível que pareça, ajuda.

Originalmente publicada na minha página Turista Profissional, que sai toda terça no suplemento Viagem & Aventura do Estadão. Foto gentilmente surrupiada daqui.

28 comentários

Está de parabéns, apoio em gênero, número e grau nas 3 dimensões, eu sou daqueles que acreditam piamente que o turismo pode, e deve ser uma ferramenta de desenvolvimento. Dizemos sempre que a melhor cidade para os turistas é aquele que é boa para os seus habitantes, ou seja aquela que além dos atrativos agregue serviços e infras para que se possa viver com qualidade de vida.
Aproveito para dar uma dica off topic:
@spain our next promotion Foreigns can win 3 years of free holidays in Spain… coming soon!!!!
Fiquem atentos à promoção da Tourspain, serão três anos de férias grátis na Espanha, é obvio que não serão 3 anos seguidos.

Penso de forma parecida. Tento imaginar como seria nossa reação em uma situação oposta, guardadas as proporções: alemães cancelando suas férias em Comandatuba, Praia do Forte e Praia da Pipa devido ao desabamento da encosta em Angra dos Reis.

Perfeito! O mundo não pára (tenho que colocar acentos senão fica muito feio) para aqueles que sobreviveram a tragédia. O turismo é uma forma de renda essencial para essas pessoas.

    faço minhas suas palavras, Alessandro. Nós mudamos para NY logo depois dos atentados, e embora a cidade vivesse um clima de luto, foi também uma experiência enriquecedora. Nossos amigos americanos ficaram emocionados com o fato de que estávamos dando um voto de confiança à cidade.

Com toda razão! Não podemos prever o que vai acontecer com o mundo, ano passado teve terremoto na China, Itália.
Como aquele povo do Haiti, que trabalha na Rep. Dominicana pode viver sem o dinheiro do turismo?! Precisam sobreviver, a vida continua para quem escapou da tragédia.

Riq

Parabens. E uma grande resposta!

Por sinal, alguem tem boas dicas para Jujuy e Salta, na Argentina?

    Ernesto,
    Fiz uma road trip entre Salta e Jujuy em abril do ano passado. Essencial é alugar um carro (e dos bons), porque você vai dirigir uma hora, ver uma formação rochosa interessante, dirigir mais meia hora, ver um vulcão e por ai vai.
    Não espere grandes hotéis ou pousadas de charme, a acomodação é em geral simples. A área já é bem indígena, nas pessoas, no artesanato, na comida. Pegue uma sala de baño privada em Termas de Reyes (a decoração parece de motel, é melhor que dividir uma piscina com uma cabeçaca e o preço pra duas pessoas já compensa). Cafayate é uma região de vinícolas e não perca o Cerro de los siete colores. Eu estava em Buenos Aires com 5 dias extras para gastar quando vi um livro na Ateneo com uma foto do Cerro que me fez definir o restante da viagem.

    Ernesto, estive em Salta já faz um tempinho, mas tenho dois bons amigos na cidade, então se vc precisar confirmar alguma informação (tipo se o lugar q vc vai ficar é legal, se tal agência de carros é confiável ou não e essas coisinhas) pode contar comigo 🙂
    O melhor de Salta pra mim foram as empanadas com Quilmes na praça da Igreja de São Francisco. Fui em novembro, o clima estava uma delícia! agora deve estar quente a beça! Andei um pouco pelo interior (minha área de mestrado foi lá!) pelos arredores de San Antonio de los Cobres e para o outro lado ate Cafayate. Achei um site bem legalzinho tb, caso vc ainda não tenha visto, vale dar uma olhada https://www.saltargentina.com.ar
    beijinhos e aproveite a viagem!

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