Se meu fusca passasse (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Fusquinhas no Inhotim

Não sei se entendi essa nova resolução que obriga as auto-escolas a obter um índice de 60% de aprovação dos alunos para poder funcionar. Existe uma indústria da reprovação a candidatos a motorista, é isso? No meu tempo – na encarnação passada – era o contrário. Todo mundo sabia qual era a auto-escola em que só os muito tapados eram reprovados.

Sei disso, porque há duas décadas eu procurei uma auto-escola assim. Já era adulto feito – 26 anos na cara, oito anos trabalhando, sete anos morando sozinho – mas ainda não sabia dirigir. Meu problema é que eu não conseguia dar a partida. O jogo da embreagem era, para mim, o maior mistério da existência terrena. O carro invariavelmente morria. Eu não saía do lugar.

Depois de fazer o dobro ou o triplo de aulas que um aluno normal de 18 anos faria, eu finalmente ganhei alta do meu instrutor. Marcou-se a prova. Era em Cotia.

Esta era a razão da fama de fácil da auto-escola. A prova em Cotia era banal: o aspirante a condutor só precisava dar uma volta na praça. Não tinha ladeira nem baliza. Era como ganhar um diploma de fluência em inglês fazendo um teste em que só caía o verbo “to be”.

Nunca fui o CDF clássico, mas também nunca levei bomba. Sempre tive demasiado apego às férias para continuar na escola por mais tempo do que o estritamente necessário. Tinha pânico de recuperação. Acordava cedo para estudar a matéria que ia cair naquele dia, me dava bem – e esquecia toda aquela química orgânica para sempre.

Não dava para acordar mais cedo e dar uma estudadinha no jogo da embreagem no dia do exame de direção. (Nem dava para esquecer isso depois.) Eram 7 da manhã quando embarquei no ônibus da autoescola para Cotia.

Na tal praça, a fila de garotos era enorme. Eu, com meus 26 anos, me sentia um ancião. Sobrou para mim o Fusca mais baleado. Entrei. Dei partida. O carro morreu. Dei uma segunda partida. O carro morreu de novo. Muito tapado, não percebi que o carro estava engatado. Dei uma terceira partida. O carro morreu. O examinador me mandou sair do carro.

Saí andando sem olhar para trás. Achei o ponto de ônibus de linha na Raposo Tavares e tratei de aprender a dirigir numa auto-escola difícil.

A foto foi tirada ontem no Inhotim.


26 comentários

Arááá! Descobri porque você odeia viajar de carro. Faz que nem a Teté, arruma um motorista pro resto da vida 😉

O lado bom disso é poder contar anos depois e fazer seus leitores rirem ao imaginar a cena. Meu Deus, se fosse comigo acho que não conseguiria sair do carro! #rialto

HAHA Adorei! Pobrezinho! No meu teste eu dei um totó na baliza mas o avaliador não percebeu. Hoje só ando de ônibus ou de carona. E sonho em ter um motorista, só pra dizer que ando de CHOFER 😀

hahaha, eu tirei carteira depois de 3 provas práticas aos 21 mas só dirigi um carro aos 27! Renovei carteira e tudo sem ter pegado num carro em anos. Se a avaliadora me perguntasse qual era o pedal do freio na renovação da habilitação corria o risco de eu errar…

O segredo no meu caso é que eu não conseguia dirigir carro dos outros, morria de medo! Só aos 27 tive meu primeiro carro, aí fiz mais umas aulinhas práticas pra tirar a ferrugem e ninguém me segura mais.

    Idem em tudo, Adri! Só que, quando comprei meu primeiro carro, nem precisei de aula prática: mesmo sem pegar num carro por uns 6 anos, comecei a dirigir automaticamente o meu!

    Nossa eu sou pior…nao dirijo ate hoje!
    Tirei carteira com 18 anos depois de ter sido reprovada na primeira prova. Eu era a mais CDF de todas no colegio e foi a minha primeira reprovacao da vida! Quando marquei a segunda prova nem contei pra ninguem…com medo da segunda reprovacao!

E aí? Passou na escola difícil? Ou é assunto para o segundo capítulo.
Ah! Lamento profundamente pelo seu laptop. Eu sei o quanto dói essa perda, principalmente longe de casa. Só entende quem namora.

Hehehe, muito bom, eu tb fui mais ou menos assim, sem rampa nem baliza, tirei minha primeira habilitação em Chapada dos Guimarães-MT (!) Mas foi de primeira, viu 😉

Esta crônica só podia estar no caderno Divirta-se mesmo! Excelente! E a seguinte frase já valeu pelo texto todo: Era como ganhar um diploma de fluência em inglês fazendo um teste em que só caía o verbo “to be”.

Eu já fiz auto escola, mas fugi na última aula, meu marido nunca nem pegou num volante (ele tem 34 anos).
E cê quer saber? não sentimos falta de carro! tem tanto taxi, metrô e ônibus por aí, e por que não, os pés, que não achamos necessidade de saber dirigir. Além de que, a cidade já está tão abarrotada de carro, q carro não se tornou item obrigatório para nós.
Mas existem alguns momentos em que eu gostaria de saber dirigir, quando viajamos por exemplo. Poder alugar um carro e sair por aí. 🙁
Quem sabe um dia eu ainda tome vergonha na cara e volte à auto escola.

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