Você sabe que se tornou dependente químico de internet quando chega a uma cidade que nunca visitou e cogita não sair do quarto só porque a conexão wireless do hotel é espetacular e você quer tirar o atraso de dois dias offline.
Aconteceu comigo outro dia em Belém, durante uma escala não-programada. No fundo, talvez eu quisesse ficar no hotel para não estragar minhas expectativas: Belém ocupava o topo da minha lista de lacunas imperdoáveis, e eu sabia que uma tarde seria muito pouco para dar conta da cidade.
A mesma internet que me prendia ao computador, contudo, acabou por me levar à rua. “Já chegaste?”, perguntou o Lafayette, leitor das antigas do meu blog, e a quem eu ainda não conhecia pessoalmente. “Daqui a cinco minutos passo aí pra te apanhar”.
Como todo mercado que se preza, às duas da tarde a parte de peixes do Ver-o-Peso não estava mais funcionando. Mas ainda havia alguns feirantes e quase todas as barraquinhas de perfumes e poções amazônicas. Estavam lá a andiroba, a priprioca e todo um mundo de substâncias que ainda não passaram no vestibular para produtos da Natura.
“Já almoçaste?” Passando pela ala das botequinhos de açaí, aquilo não era uma pergunta: era um desafio. Sim, um açaizinho não ia mal. “Mas aqui não tem essa de granola nem banana, viste?”. E mandei ver à moda local: com um pouco de açúcar, farinha grossa de mandioca e... peixe frito. Quem precisa de Tailândia quando o Pará está logo ali?
Mesmo precisando voltar ao hotel para trabalhar, o Lafa não deu o city-tour por completo antes de me mostrar todos os espaços públicos que foram restaurados e transformados de forma espetacular nos últimos anos. Todo mundo já ouviu falar da Estação das Docas, o Puerto Madero belenense, mas há muitos outros exemplos – de um hangar que virou centro de convenções a uma penitenciária que se tornou pólo joalheiro.
Quase todos os projetos têm o dedo de Paulo Chaves, um arquiteto que é assim um Jaime Lerner paraense, e realizou as obras com um padrão de qualidade que dificilmente se vê em espaços públicos brasileiros.
À noite, traçando um pato ao tucupi (de novo: olha só, Tailândia!) com o Lafa mais a sua doce Aluísia, eu fiquei pensando como seria fantástico ter um Paulo Chaves para transformar alguns espaços de São Paulo.
Senhores candidatos: alguém se habilita a importar o homem?
Originalmente publicado em outubro de 2008. Trazida de volta a pedido do Fabio H.
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