Um iPhone à solta em Caracas, parte II

O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.
Aconteceu o seguinte. Acordei no sábado um pouco menos cedo do que de costume — às 7 da manhã. Meu vôo para Aruba, com a DAE, estava marcado para o meio-dia. Subi o post de Cayo de Agua, respondi a charada, tomei café, fiz as últimas fotos do hotel. Saí do hotel às 9h30, crente que estaria no aeroporto às 10h30.
Ledo, ivo, indesculpável engano. Produto da soberba de quase 60 dias viajando sem incidentes. Acontece que a autopista principal de Caracas estava em obras — na verdade, uma bobagem: um trecho do guard-rail estava sendo repintado, e até passar aqueles 100 metros em que uma faixa estava interditada, o trânsito ia a passo de tartaruga exausta.
Chegamos ao aeroporto às 11h30. Não havia mais nem vestígio de funcionários naquele que seria o guichê da DAE. O painel informava: “embarcando”. Eu já contava com essa possibilidade, e estava disposto a pagar o que cobrassem para embarcar num próximo vôo a Aruba por qualquer companhia.
Hmpf: não havia nenhum vôo mais a Aruba por qualquer companhia. O painel de saídas internacionais informava vôos até a manhã do dia seguinte, e nenhum ia a Aruba. Tentei achar uma loja da DAE, mas não havia nenhuma no aeroporto.Perdeu, playboy. Antes de entrar em pânico, porém, lembrei que um café do segundo andar tinha wifi aberto. Lá fui eu.Boas notícias. Descobri que o vôo da Gol Caracas-Aruba, no dia seguinte, que estava lotado quando eu tinha tentado reservar, agora tinha vagas (o que confima as minhas suspeitas de que operadoras bloqueiam assentos nesses vôos para o Caribe que depois aparecem na última hora). Reservei. Achei hotel fácil — resolvi testar o Renaissance, em La Castellana. Troquei mais 100 dólares com os cambistas. Peguei o táxi oficial. Cheguei ao hotel. Fui fazer o check-in. Botei a mão no bolso. Cadê o iPhone?Tinha deixado no táxi. Sou reincidente. Esse já é o quarto celular que perco desse jeito. Para variar, estava no modo silencioso. Nem tentei ligar. Perdas e danos.
Liguei pelo Skype pro Nick, que conseguiu bloquear o chip da TIM aí mesmo. Com isso, pelo menos, não precisaria mais me preocupar.O mais chato da perda do celular nem foi a perda do celular. O incidente acabou enterrando aquilo que poderia ser o início do fim do meu desbloqueio com Caracas. Se eu só tivesse perdido o vôo, teria aproveitado o limão para fazer a limonada de sair pela cidade e, hehe, fazer o que se faz em qualquer lugar — andar alguns quarteirões perto do hotel à noite, pegar um táxi na rua. Mas a perda do celular fez se abater sobre mim aquela sensação de que qualquer coisa que acontecesse depois disso seria culpa minha.Saí do hotel só para ver o pôr do sol do 360 Sky Bar, no terraço de um outro hotel, o Altamira Suites, e super recomendado em tudo quanto é lugar. Mas o lugar estava fechado para reforma. Mas bem em frente achei um peruaninho simpático, o Tawa. Pedi um dos pratos mais caros do cardápio (uma “degustación de mar y tierra”, com ceviche, causa e carne salteada na wok), tomei duas cervejas e paguei 30 reais (no câmbio negro). Voltei cedinho pro hotel.Acordei supercedo pra pôr a página de Salvador no ar. Meu vôo para Aruba estava marcado para as 4 da tarde. Resolvi que sairia às 11h30 do hotel (porta arrombada etc.). Eram 11h45 quando cheguei à calçada e pedi ao encarregado um táxi para o aeroporto (já sabia que iria custar exorbitantíssimos 350 bolívares/70 reais, contra 270 bolívares/55 reais do Pestana, e 200 bolívares/40 reais do guichê oficial aeroporto (tarifas e cãmbio negro de junho de 2011). O encarregado do táxi arregalou o olho, deu uma tossidinha e explicou que não havia táxis. Que o único táxi do hotel trabalhando aquele dia estava a caminho do aeroporto. Que era Dia dos Pais, e por isso muitos não estavam trabalhando.COMO ASSIM, BIAL?Mas não dá pra ligar pra alguma companhia de táxi?, eu perguntei. Ele então disse que ia chamar os táxis do shopping San Ignacio, ali pertinho. Ligou. Deu ocupado.Não. Aquilo não podia estar acontecendo (com gerundismo e tudo). Nunca na minha vida eu quis tanto sair de um lugar. (Fora o arrependimento de não ter voltado para o Pestana, testado e aprovado.) Decidi que não ia ficar na mão daquele cara e fui à luta. Deixei a mala ali e, contrariando todas as recomendações, atravessei todo o pórtico de entrada e fui até a calçada pegar um táxi na rua. Não que passassem muitos táxis na rua; desde que eu tinha saído do saguão, só tinha visto passar um. Levei um susto quando um táxi mega-ultra-alternativo parou. Nem tinha percebido que era táxi, porque não tinha luminoso: a identificação estava num plástico do vidro. O carro era pequeno, tipo um Corsa, e não dava para dizer que estivesse inteiro. Olhei para a cara do motorista. Tinha entre 50 e 60 anos e uma cara simpática. Perguntei quanto era a corrida para o aeroporto. “150 bolívares”. Bora nessa. Fui buscar a mala e, quando ele abriu o porta-malas, soltei um: “Feliz día del Padre!”. No que ele me retribuiu :-)Quando o táxi partiu era meio-dia e pouco. Se a gente levasse duas horas até o aeroporto, ainda assim chegaria duas horas antes do meu vôo. Mas de saída o tiozinho pediu desculpas pelo ar condicionado não estar funcionando: tinha acabado de quebrar. E então eu me lembrei de outra possiblidade murphyniana, que também está prevista nas recomendações de não pegar táxi velho na rua: e se o carro quebrasse no caminho do aeroporto?Melhor nem pensar.Ele sabia que a autopista estava engarrafada, então foi por dentro até a região do Parque Central. Logo no primeiro trecho recebeu ligação da mulher, depois da sogra (la suegra más chévere del planeta) e falava que ia aproveitar a ida ao aeroporto para comprar um queijo (!) no meio do caminho para comemorar o dia dos pais. Conversamos um pouquinho sobre política (ele é crítico de Chávez, da corrupção e da burocracia, mas está feliz por ter comprado a casa própria; não discutimos sobre mídia nem censura), e tudo deu tão certo que em 35 minutos eu era depositado no terminal internacional — uma hora e meia antes de o guichê da Varig/Gol começar a funcionar. Mas — melhor assim.Paguei a taxa de embarque (conserve até o fim 190 bolívares — pouco menos de 40 reais, câmbio negro de junho de 2011), aproveitei mais um pouquinho do wifi do café da sobreloja, embarquei.E assim terminou a minha curta experiência caraqueña.Como quase sempre acontece, achei a cidade bem menos assustadora do que pintam, e mais interessante do que imaginava. Com amigos locais deve ser muito divertida. Mas como vocês viram, não consegui superar a paranóia. A Cidade do México tirei de letra. Mas em Caracas o perrengue do câmbio negro, o deus-nos-acuda dos táxis e a extrema paranóia dos próprios habitantes (há muito mais grades, muros altos e segurança privada do que se pode perceber no Rio ou em São Paulo) contribuem para que a gente não relaxe nunca. Não, não é um lugar pra ir de férias. Se está no seu caminho e você é curioso, OK, desça e explore — Caracas não morde. Mas é desses lugares que, se alguma coisa acontecer, vão dizer que a culpa foi sua de ter ido.E se eu não tivesse perdido o meu iPhone e aproveitasse as outras 24 horas em solo para explorar melhor a cidade, será que a minha opinião seria outra? Pode ser. Mas comparando a paranóia de Caracas com a paranóia que com certeza vivem muitos turistas no Rio, em Salvador ou na Cidade do México, o que eu diria é que… o Rio, Salvador e a Cidade do México oferecem recompensas bem maiores a quem enfrenta seus medos e contraria os conselhos da mamãe.
O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.
Aconteceu o seguinte. Acordei no sábado um pouco menos cedo do que de costume — às 7 da manhã. Meu vôo para Aruba, com a DAE, estava marcado para o meio-dia. Subi o post de Cayo de Agua, respondi a charada, tomei café, fiz as últimas fotos do hotel. Saí do hotel às 9h30, crente que estaria no aeroporto às 10h30.
Ledo, ivo, indesculpável engano. Produto do excesso de confiança de quase 60 dias viajando sem incidentes. Acontece que a autopista principal de Caracas estava em obras — na verdade, uma bobagem: um trecho do guard-rail estava sendo repintado, e até passar aqueles 100 metros em que uma faixa estava interditada, o trânsito ia a passo de tartaruga exausta.
Chegamos ao aeroporto às 11h30. Não havia mais nem vestígio de funcionários naquele que seria o guichê da DAE. O painel informava: “embarcando”. Eu já contava com essa possibilidade, e estava disposto a pagar o que cobrassem para embarcar num próximo vôo a Aruba por qualquer companhia.
Hmpf: não havia nenhum vôo mais a Aruba por qualquer companhia. O painel de saídas internacionais informava vôos até a manhã do dia seguinte, e nenhum ia a Aruba. Tentei achar uma loja da DAE, mas não havia nenhuma no aeroporto.
Perdeu, playboy. Antes de entrar em pânico, porém, lembrei que um café do segundo andar tinha wifi aberto. Lá fui eu.
Boas notícias. Descobri que o vôo da Gol Caracas-Aruba, no dia seguinte, que estava lotado quando eu tinha tentado reservar, agora tinha vagas (o que confima as minhas suspeitas de que operadoras bloqueiam assentos nesses vôos para o Caribe que depois aparecem na última hora). Reservei. Achei hotel fácil — resolvi testar o Renaissance, em La Castellana. Troquei mais 100 dólares com os cambistas. Peguei o táxi oficial. Cheguei ao hotel. Fui fazer o check-in. Botei a mão no bolso. Cadê o iPhone?
Tinha deixado no táxi. Sou reincidente. Esse já é o quarto celular que perco desse jeito. Para variar, estava no modo silencioso. Nem tentei ligar. Perdas e danos.
Liguei pelo Skype pro Nick, que conseguiu bloquear o chip da TIM aí mesmo. Com isso, pelo menos, não precisaria mais me preocupar.
O mais chato da perda do celular nem foi a perda do celular. O incidente acabou enterrando aquilo que poderia ser o início do fim do meu desbloqueio com Caracas. Se eu só tivesse perdido o vôo, teria aproveitado o limão para fazer a limonada de sair pela cidade e, hehe, fazer o que se faz em qualquer lugar — andar alguns quarteirões perto do hotel à noite, pegar um táxi na rua. Mas a perda do celular fez se abater sobre mim aquele sentimento irracional de que qualquer coisa que acontecesse depois disso seria culpa minha.
Saí do hotel só para ver o pôr do sol do 360 Sky Bar, no terraço de um outro hotel ali perto, o Altamira Suites, e super recomendado em tudo quanto é guia. Mas o lugar estava fechado para reforma. Mas bem em frente achei um peruaninho simpático, o Tawa. Pedi um dos pratos mais caros do cardápio (uma “degustación de mar y tierra”, com ceviche, causa de batatas com camarão e carne salteada na wok), tomei duas cervejas e paguei 30 reais (na cotação do câmbio negro). Voltei cedinho pro hotel.
Acordei supercedo pra pôr a página de Salvador no ar. Meu vôo para Aruba estava marcado para as 4 da tarde. Resolvi que sairia às 11h30 do hotel (porta arrombada etc.). Eram 11h45 quando cheguei à calçada e pedi ao encarregado um táxi para o aeroporto (já sabia que iria custar exorbitantíssimos 350 bolívares/70 reais, contra 270 bolívares/55 reais do Pestana, e 200 bolívares/40 reais do guichê oficial aeroporto (tarifas e cãmbio negro de junho de 2011). O encarregado do táxi arregalou o olho, deu uma tossidinha e explicou que não havia táxis. Que o único táxi do hotel trabalhando aquele dia estava a caminho do aeroporto. Que era Dia dos Pais, e por isso muitos não estavam trabalhando.
COMO ASSIM, BIAL?
Mas não dá pra ligar pra alguma companhia de táxi?, eu perguntei. Ele então disse que ia chamar os táxis do shopping San Ignacio, ali pertinho. Ligou. Deu ocupado.
Não. Aquilo não podia estar acontecendo (com gerundismo e tudo). Nunca na minha vida eu quis tanto sair de um lugar. (Fora o arrependimento de não ter voltado para o Pestana, testado e aprovado.)
Decidi que não ia ficar na mão daquele cara e fui à luta. Deixei a mala ali e, contrariando todas as recomendações, atravessei todo o pórtico de entrada e fui até a calçada pegar um táxi na rua.
Não que passassem muitos táxis na rua; desde que eu tinha saído do saguão, só tinha visto passar um. Levei um susto quando um táxi mega-ultra-alternativo parou. Nem tinha percebido que era táxi, porque não tinha luminoso: a identificação estava num plástico do vidro. O carro era pequeno, tipo um Corsa, e não dava para dizer que estivesse inteiro. Olhei para a cara do motorista. Tinha entre 50 e 60 anos e uma cara simpática.
Perguntei quanto era a corrida para o aeroporto. “150 bolívares”. Bora nessa.
Fui buscar a mala e, quando ele abriu o porta-malas, soltei um: “Feliz día del Padre!”. No que ele me retribuiu 🙂
Quando o táxi partiu era meio-dia e pouco. Se a gente levasse duas horas até o aeroporto, ainda assim chegaria duas horas antes do meu vôo. Mas de saída o tiozinho pediu desculpas pelo ar condicionado não estar funcionando: tinha acabado de quebrar. E então eu me lembrei de outra possiblidade murphyniana, que também está prevista nas recomendações de não pegar táxi velho na rua: e se o carro quebrasse no caminho do aeroporto?
Melhor nem pensar.
Ele sabia que a autopista estava engarrafada, então foi por dentro até a região do Parque Central. Logo no primeiro trecho recebeu ligação da mulher, depois da sogra (la suegra más chévere del planeta) e falava que ia aproveitar a ida ao aeroporto para comprar um queijo (!) no meio do caminho para comemorar o dia dos pais.
Conversamos um pouquinho sobre política (ele é crítico de Chávez, da corrupção e da burocracia, mas está feliz por ter comprado a casa própria; não discutimos sobre mídia nem censura), e tudo deu tão certo que em 35 minutos eu era depositado no terminal internacional — uma hora e meia antes de o guichê da Varig/Gol começar a funcionar. Mas — melhor assim.
Paguei a taxa de embarque (conserve até o fim 190 bolívares — pouco menos de 40 reais, câmbio negro de junho de 2011), aproveitei mais um pouquinho do wifi do café da sobreloja, embarquei.
E assim terminou a minha curta experiência caraqueña.
Como quase sempre acontece, achei a cidade bem menos assustadora do que pintam, e mais interessante do que imaginava. Com amigos locais deve ser muito divertida.
Mas como vocês viram, não consegui superar a paranóia. A Cidade do México tirei de letra. Mas em Caracas o perrengue do câmbio negro, o deus-nos-acuda dos táxis e a extrema paranóia dos próprios habitantes (há muito mais grades, muros altos e segurança privada do que se pode perceber no Rio ou em São Paulo) contribuem para que a gente não relaxe nunca. Não, não é um lugar pra ir de férias. Se está no seu caminho e você é curioso, OK, desça e explore — Caracas não morde. Mas é desses lugares que, se alguma coisa acontecer, vão dizer que a culpa foi sua de ter ido.
E se eu não tivesse perdido o meu iPhone e aproveitasse as outras 24 horas em solo para explorar melhor a cidade, será que a minha opinião seria outra? Pode ser. Mas comparando a paranóia de Caracas com a paranóia que com certeza vivem muitos turistas no Rio, em Salvador ou na Cidade do México, o que eu diria é que… o Rio, Salvador e a Cidade do México oferecem recompensas bem maiores a quem enfrenta seus medos e contraria os conselhos da mamãe.

Caracas vista do hotel Renaissance

O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.

Aconteceu o seguinte. Acordei no sábado um pouco menos cedo do que de costume — às 7 da manhã. Meu vôo para Aruba, com a DAE, estava marcado para o meio-dia. Subi o post de Cayo de Agua, respondi a charada, tomei café, fiz as últimas fotos do hotel. Saí do hotel às 9h30, crente que estaria no aeroporto às 10h30.

Ledo, ivo, indesculpável engano. Produto da soberba de quase 60 dias viajando sem incidentes. Acontece que a autopista principal de Caracas estava em obras — na verdade, uma bobagem: um trecho do guard-rail estava sendo repintado, e até passar aqueles 100 metros em que uma faixa estava interditada, o trânsito ia a passo de tartaruga exausta.

Chegamos ao aeroporto às 11h30. Não havia mais nem vestígio de funcionários naquele que seria o guichê da DAE. O painel informava: “embarcando”. Eu já contava com essa possibilidade, e estava disposto a pagar o que cobrassem para embarcar num próximo vôo a Aruba por qualquer companhia.

Hmpf: não havia nenhum vôo mais a Aruba por qualquer companhia. O painel de saídas internacionais informava vôos até a manhã do dia seguinte, e nenhum ia a Aruba. Tentei achar uma loja da DAE, mas não havia nenhuma no aeroporto. Perdeu, playboy. Antes de entrar em pânico, porém, lembrei que um café do segundo andar tinha wifi aberto. Lá fui eu.

Boas notícias. Descobri que o vôo da Gol Caracas-Aruba, no dia seguinte, que estava lotado quando eu tinha tentado reservar, agora tinha vagas (o que confima as minhas suspeitas de que operadoras bloqueiam assentos nesses vôos para o Caribe que depois aparecem na última hora). Reservei. Achei hotel fácil — resolvi testar o Renaissance, em La Castellana. Troquei mais 100 dólares com os cambistas. Peguei o táxi oficial. Cheguei ao hotel. Fui fazer o check-in. Botei a mão no bolso. Cadê o iPhone?Tinha deixado no táxi. Sou reincidente. Esse já é o quarto celular que perco desse jeito. Para variar, estava no modo silencioso. Nem tentei ligar. Perdas e danos.

Liguei pelo Skype pro Nick, que conseguiu bloquear o chip da TIM aí mesmo. Com isso, pelo menos, não precisaria mais me preocupar.O mais chato da perda do celular nem foi a perda do celular. O incidente acabou enterrando aquilo que poderia ser o início do fim do meu desbloqueio com Caracas.

Se eu só tivesse perdido o vôo, teria aproveitado o limão para fazer a limonada de sair pela cidade e, hehe, fazer o que se faz em qualquer lugar — andar alguns quarteirões perto do hotel à noite, pegar um táxi na rua. Mas a perda do celular fez se abater sobre mim aquela sensação de que qualquer coisa que acontecesse depois disso seria culpa minha.Saí do hotel só para ver o pôr do sol do 360 Roofbar, no terraço de um outro hotel, o Altamira Suites, e super recomendado em tudo quanto é lugar. Mas o lugar estava fechado para reforma. Mas bem em frente achei um peruaninho simpático, o Tawa. Pedi um dos pratos mais caros do cardápio (uma “degustación de mar y tierra”, com ceviche, causa e carne salteada na wok), tomei duas cervejas e paguei 30 reais (no câmbio negro).

Voltei cedinho pro hotel.Acordei supercedo pra pôr a página de Salvador no ar. Meu vôo para Aruba estava marcado para as 4 da tarde. Resolvi que sairia às 11h30 do hotel (porta arrombada etc.).

Eram 11h45 quando cheguei à calçada e pedi ao encarregado um táxi para o aeroporto (já sabia que iria custar exorbitantíssimos 350 bolívares/70 reais, contra 270 bolívares/55 reais do Pestana, e 200 bolívares/40 reais do guichê oficial aeroporto (tarifas e cãmbio negro de junho de 2011). O encarregado do táxi arregalou o olho, deu uma tossidinha e explicou que não havia táxis. Que o único táxi do hotel trabalhando aquele dia estava a caminho do aeroporto. Que era Dia dos Pais, e por isso muitos não estavam trabalhando.

COMO ASSIM, BIAL?

Mas não dá pra ligar pra alguma companhia de táxi?, eu perguntei. Ele então disse que ia chamar os táxis do shopping San Ignacio, ali pertinho. Ligou. Deu ocupado.Não. Aquilo não podia estar acontecendo (com gerundismo e tudo). Nunca na minha vida eu quis tanto sair de um lugar. (Fora o arrependimento de não ter voltado para o Pestana, testado e aprovado.)

Decidi que não ia ficar na mão daquele cara e fui à luta. Deixei a mala ali e, contrariando todas as recomendações, atravessei todo o pórtico de entrada e fui até a calçada pegar um táxi na rua.

Não que passassem muitos táxis na rua; desde que eu tinha saído do saguão, só tinha visto passar um. Levei um susto quando um táxi mega-ultra-alternativo parou. Nem tinha percebido que era táxi, porque não tinha luminoso: a identificação estava num plástico do vidro. O carro era pequeno, tipo um Corsa, e não dava para dizer que estivesse inteiro. Olhei para a cara do motorista. Tinha entre 50 e 60 anos e uma cara simpática. Perguntei quanto era a corrida para o aeroporto. “150 bolívares”. Bora nessa.

Fui buscar a mala e, quando ele abriu o porta-malas, soltei um: “Feliz día del Padre!”. No que ele me retribuiu 🙂

Quando o táxi partiu era meio-dia e pouco. Se a gente levasse duas horas até o aeroporto, ainda assim chegaria duas horas antes do meu vôo. Mas de saída o tiozinho pediu desculpas pelo ar condicionado não estar funcionando: tinha acabado de quebrar. E então eu me lembrei de outra possiblidade murphyniana, que também está prevista nas recomendações de não pegar táxi velho na rua: e se o carro quebrasse no caminho do aeroporto?

Melhor nem pensar.

Ele sabia que a autopista estava engarrafada, então foi por dentro até a região do Parque Central. Logo no primeiro trecho recebeu ligação da mulher, depois da sogra (la suegra más chévere del planeta) e falava que ia aproveitar a ida ao aeroporto para comprar um queijo (!) no meio do caminho para comemorar o dia dos pais.

Conversamos um pouquinho sobre política (ele é crítico de Chávez, da corrupção e da burocracia, mas está feliz por ter comprado a casa própria; não discutimos sobre mídia nem censura), e tudo deu tão certo que em 35 minutos eu era depositado no terminal internacional — uma hora e meia antes de o guichê da Varig/Gol começar a funcionar. Mas — melhor assim.

Paguei a taxa de embarque (conserve até o fim 190 bolívares — pouco menos de 40 reais, câmbio negro de junho de 2011), aproveitei mais um pouquinho do wifi do café da sobreloja, embarquei.E assim terminou a minha curta experiência caraqueña.

Como quase sempre acontece, achei a cidade bem menos assustadora do que pintam, e mais interessante do que imaginava. Com amigos locais deve ser muito divertida.

Mas como vocês viram, não consegui superar a paranóia. A Cidade do México tirei de letra. Mas em Caracas o perrengue do câmbio negro, o deus-nos-acuda dos táxis e a extrema paranóia dos próprios habitantes (há muito mais grades, muros altos e segurança privada do que se pode perceber no Rio ou em São Paulo) contribuem para que a gente não relaxe nunca.

Não, não é um lugar pra ir de férias. Se está no seu caminho e você é curioso, OK, desça e explore — Caracas não morde. Mas é desses lugares que, se alguma coisa acontecer, vão dizer que a culpa foi sua de ter ido.

E se eu não tivesse perdido o meu iPhone e aproveitasse as outras 24 horas em solo para explorar melhor a cidade, será que a minha opinião seria outra? Pode ser. Mas comparando a paranóia de Caracas com a paranóia que com certeza vivem muitos turistas no Rio, em Salvador ou na Cidade do México, o que eu diria é que… o Rio, Salvador e a Cidade do México oferecem recompensas bem maiores a quem enfrenta seus medos e contraria os conselhos da mamãe.

O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.

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Todas de Caracas no Viaje na Viagem

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32 comentários

Engraçado, não entendi e menção da Cidade do México em relação a perigos e paranoias. Viajei em janeiro para México e Am. Central toda (salvo Belize) e, lendo os sites do Departamento de Estado dos EUA e do Ministério de Relações Exteriores da França, ambos muito bem atualizados com recomendações aos viajantes nos quatro cantos do planeta, e fiquei ultra-mega paranoico foi mesmo na Am. Central… Depois da Guatemala relaxei um pouco, porque vi que não havia necessidade de tanta preocupação… Mas também fiz questão de reservar hotéis em zonas seguras de todas as cidades e só saía a turismo com motoristas credenciados indicados pelos concierges nos hoteis… Saía caro, mas assim não ficava noiado e ainda os motoristas eram bacanas, além de saberem tudo da história dos lugares em que passei/visitei… Sem contar que se cansava de um lugar, era só ir para o carro e pedir para irmos para outro lugar interessante… Agora, um lugar que me assustou e MUITO foi Honduras – ainda agradeço a Deus por estar vivo depois de Tegucigalpa! Cheguei lá de ônibus (Ticabus) e o desembarque era em Comayaguela, do lado de Tegucigalpa (um rio separa as cidades), que é conhecida por ser o lugar mais perigoso por ali… Chegamos e estava tudo escuro, um motorista de taxi – que eram quase inexistentes, deviam ter uns 3 ou 4 para o ônibus todo – pegou nossas malas e foi dirigindo rumo ao hotel… Teve uma hora que pensei que ele fosse fazer alguma coisa, porque a gente caía em cada encruzilhada e beco, tudo escuro… Silêncio absoluto no carro e tensão a mil… Mas beleza, cheguei são e salvo no hotel, que fica em uma área que tem até catraca para entrar… Não deu para ver nada no dia que cheguei e na manhã seguinte, ao abrir as cortinas do quarto, percebi que a cidade inteira era tipo um favelão, que decepção! Mesmo assim saí para caminhar pelo centro, até que sentindo algo estranho no ar, resolvi pegar um táxi na rua mesmo… O taxista era jovem e o que ele me disse me fez querer ir embora daquele país “ontem”: “Aqui é muito perigoso, não ande pela cidade assim…” – e me deixou em um shopping bem americanizado onde até o TGI Friday’s tinha placa de “proibido entrar com armas” na entrada… Um terror… Ir embora de Honduras foi o maior alívio que já tive! Estradas esburacadas, tudo feio e tensão a mil em todo lugar… Ah, o único lugar em que me senti seguro na Am. Central foi no Panamá!

Caracas, hein! Meu irmão ficou umas 4 semanas na Venezuela em 2009 e fala muito mal é de Isla Margarita, mas mais porque é propaganda meio-enganosa. Já Caracas, nem eu pensava que podia dar tanto perrengue…caramba.

Mas a verdade é que problemas podem acontecer em qualquer lugar. Já rodei do norte do Peru até a Patagonia, passando por uns dias no Paraguai e vários na Bolivia – e o unico lugar onde fui assaltado foi andando perto da praia em Viña del Mar, lugar que costuma ser mega-seguro.

“Uma senhorinha americana disse que estava com vontade de ir pro Brasil, porque o México é muito perigoso”
Quem diria…

Gizuis, que loucura! Ainda bem que, entre trancos e barrancos, deu “tudo certo” no final…

Viajar sendo brasileiro não é só bom pelo carisma que o país tem, mas pela malandragem também: a gente já tá meio calejado em se virar em situações de segurança urbana duvidosa…

Não que seja o caso de Caracas, mas as cidades que eu fui que o Lonely Planet era meio histérico (“pickpockets everywhere! don’t walk at night at all” etc.) sempre me pareceram muito fáceis de saber onde se meter ou não – depois que me toquei que muitos dos guias são focados em guia de 1o Mundo e não contam com já termos esse jogo de cintura…

Fico triste pelo seu iPhone :o(

Caracas parece exigir uma boa dose de planejamento do turista, não é? Cheguei até a ficar cansado lendo o post…hehehe

Pergunta de um completo ignorante em matéria de México. Por que a menção à Cidade do México? A coisa lá é ruim mesmo? É de se sair com celular e não com câmera? O policiamento não existe ou é corrupto? Como o país está nos planos, qualquer dica/comentário contextualizador é bem-vindo.

    Estive pela última vez na Cidade do México em 2007, e a paranóia era grande. Provavelmente deve ter aumentado, por conta do acirramento da reação dos narcotraficantes, que dão muita manchete na imprensa americana. Na minha época o problema eram os seqüestros; hoje são as chacinas. Mas se você não for milionário mexicano nem passar por Tijuana, não tem o que temer.

    Essas notícias dos narcos prejudicam o turismo até em Cancún. Agora mesmo no Grand Canyon uma senhorinha americana disse que estava com vontade de ir pro Brasil, porque o México é muito perigoso 🙂

    Quando eu fui todos os guias impressos eram veementes em recomendar que não se tomasse em hipótese alguma os táxis fusquinhas na rua, apenas táxis chamados por telefone. Mas cansei de andar de fusquinha porque eram TANTOS que eu não podia acreditar que deixavam todos aqueles seqüestradores à solta…

    Andei de metrô, andei na rua, inclusive à noite. Mas não ficava com a câmera pendurada no pescoço não 😀

    Estive na Cidade do Mexico por 1 semana, em maio. Sentimos alguma insegurança sim: tentativa frustrada de furto de bolsa DENTRO DO RESTAURANTE do hotel, durante o cafe da manhã, necessidade de subornar um policial corrupto que queria prender minha CNH, alegando que dirigia em alta velocidade, além das manchetes diarias nos jornais locais com fotos e descrições das chacinas. Mas acredito que a riqueza cultural da cidade compense o risco. Recomendo a cidade, desde que se observe os cuidados básicos de segurança que servem pra qualquer cidade grande, ja bem conhecidos por quem mora em São Paulo.

    Os taxis na cidade do Mexico são uma historinha a parte… No próprio aeroporto há dois guichês de taxi: um azul, chamado “taxi de Sitio” e um amarelo. O amarelo custa o dobro do azul e é de bandidos. Taxi de bandidos no aeroporto? Sim!!!!! E dizem que é amarelo, da cor “dos taxis dos gringos” exatamente para enganá-los.

    Ouvi relatos de roubo, sequestro e estupro. Ok, pode ser exagerado. Quando não sabia disso cheguei a pegar o taxi amarelo, porque eles arrancam a mala da sua mão, assim que você aparece no saguão e te levam até o guichê para comprar a passagem. Paguei o dobro, mas não fui atacada. Ah, outro detalhe: o motorista me deixou no hotel errado, onde por sorte me levaram para o meu hotel no próprio carro.

    Ou seja: chegando no aeroporto do México agarre a sua mala e vá sozinho para o guichê azul. Não deixe ninguém lhe conduzir.

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