Um iPhone à solta em Caracas, parte II

O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.
Aconteceu o seguinte. Acordei no sábado um pouco menos cedo do que de costume — às 7 da manhã. Meu vôo para Aruba, com a DAE, estava marcado para o meio-dia. Subi o post de Cayo de Agua, respondi a charada, tomei café, fiz as últimas fotos do hotel. Saí do hotel às 9h30, crente que estaria no aeroporto às 10h30.
Ledo, ivo, indesculpável engano. Produto da soberba de quase 60 dias viajando sem incidentes. Acontece que a autopista principal de Caracas estava em obras — na verdade, uma bobagem: um trecho do guard-rail estava sendo repintado, e até passar aqueles 100 metros em que uma faixa estava interditada, o trânsito ia a passo de tartaruga exausta.
Chegamos ao aeroporto às 11h30. Não havia mais nem vestígio de funcionários naquele que seria o guichê da DAE. O painel informava: “embarcando”. Eu já contava com essa possibilidade, e estava disposto a pagar o que cobrassem para embarcar num próximo vôo a Aruba por qualquer companhia.
Hmpf: não havia nenhum vôo mais a Aruba por qualquer companhia. O painel de saídas internacionais informava vôos até a manhã do dia seguinte, e nenhum ia a Aruba. Tentei achar uma loja da DAE, mas não havia nenhuma no aeroporto.Perdeu, playboy. Antes de entrar em pânico, porém, lembrei que um café do segundo andar tinha wifi aberto. Lá fui eu.Boas notícias. Descobri que o vôo da Gol Caracas-Aruba, no dia seguinte, que estava lotado quando eu tinha tentado reservar, agora tinha vagas (o que confima as minhas suspeitas de que operadoras bloqueiam assentos nesses vôos para o Caribe que depois aparecem na última hora). Reservei. Achei hotel fácil — resolvi testar o Renaissance, em La Castellana. Troquei mais 100 dólares com os cambistas. Peguei o táxi oficial. Cheguei ao hotel. Fui fazer o check-in. Botei a mão no bolso. Cadê o iPhone?Tinha deixado no táxi. Sou reincidente. Esse já é o quarto celular que perco desse jeito. Para variar, estava no modo silencioso. Nem tentei ligar. Perdas e danos.
Liguei pelo Skype pro Nick, que conseguiu bloquear o chip da TIM aí mesmo. Com isso, pelo menos, não precisaria mais me preocupar.O mais chato da perda do celular nem foi a perda do celular. O incidente acabou enterrando aquilo que poderia ser o início do fim do meu desbloqueio com Caracas. Se eu só tivesse perdido o vôo, teria aproveitado o limão para fazer a limonada de sair pela cidade e, hehe, fazer o que se faz em qualquer lugar — andar alguns quarteirões perto do hotel à noite, pegar um táxi na rua. Mas a perda do celular fez se abater sobre mim aquela sensação de que qualquer coisa que acontecesse depois disso seria culpa minha.Saí do hotel só para ver o pôr do sol do 360 Sky Bar, no terraço de um outro hotel, o Altamira Suites, e super recomendado em tudo quanto é lugar. Mas o lugar estava fechado para reforma. Mas bem em frente achei um peruaninho simpático, o Tawa. Pedi um dos pratos mais caros do cardápio (uma “degustación de mar y tierra”, com ceviche, causa e carne salteada na wok), tomei duas cervejas e paguei 30 reais (no câmbio negro). Voltei cedinho pro hotel.Acordei supercedo pra pôr a página de Salvador no ar. Meu vôo para Aruba estava marcado para as 4 da tarde. Resolvi que sairia às 11h30 do hotel (porta arrombada etc.). Eram 11h45 quando cheguei à calçada e pedi ao encarregado um táxi para o aeroporto (já sabia que iria custar exorbitantíssimos 350 bolívares/70 reais, contra 270 bolívares/55 reais do Pestana, e 200 bolívares/40 reais do guichê oficial aeroporto (tarifas e cãmbio negro de junho de 2011). O encarregado do táxi arregalou o olho, deu uma tossidinha e explicou que não havia táxis. Que o único táxi do hotel trabalhando aquele dia estava a caminho do aeroporto. Que era Dia dos Pais, e por isso muitos não estavam trabalhando.COMO ASSIM, BIAL?Mas não dá pra ligar pra alguma companhia de táxi?, eu perguntei. Ele então disse que ia chamar os táxis do shopping San Ignacio, ali pertinho. Ligou. Deu ocupado.Não. Aquilo não podia estar acontecendo (com gerundismo e tudo). Nunca na minha vida eu quis tanto sair de um lugar. (Fora o arrependimento de não ter voltado para o Pestana, testado e aprovado.) Decidi que não ia ficar na mão daquele cara e fui à luta. Deixei a mala ali e, contrariando todas as recomendações, atravessei todo o pórtico de entrada e fui até a calçada pegar um táxi na rua. Não que passassem muitos táxis na rua; desde que eu tinha saído do saguão, só tinha visto passar um. Levei um susto quando um táxi mega-ultra-alternativo parou. Nem tinha percebido que era táxi, porque não tinha luminoso: a identificação estava num plástico do vidro. O carro era pequeno, tipo um Corsa, e não dava para dizer que estivesse inteiro. Olhei para a cara do motorista. Tinha entre 50 e 60 anos e uma cara simpática. Perguntei quanto era a corrida para o aeroporto. “150 bolívares”. Bora nessa. Fui buscar a mala e, quando ele abriu o porta-malas, soltei um: “Feliz día del Padre!”. No que ele me retribuiu :-)Quando o táxi partiu era meio-dia e pouco. Se a gente levasse duas horas até o aeroporto, ainda assim chegaria duas horas antes do meu vôo. Mas de saída o tiozinho pediu desculpas pelo ar condicionado não estar funcionando: tinha acabado de quebrar. E então eu me lembrei de outra possiblidade murphyniana, que também está prevista nas recomendações de não pegar táxi velho na rua: e se o carro quebrasse no caminho do aeroporto?Melhor nem pensar.Ele sabia que a autopista estava engarrafada, então foi por dentro até a região do Parque Central. Logo no primeiro trecho recebeu ligação da mulher, depois da sogra (la suegra más chévere del planeta) e falava que ia aproveitar a ida ao aeroporto para comprar um queijo (!) no meio do caminho para comemorar o dia dos pais. Conversamos um pouquinho sobre política (ele é crítico de Chávez, da corrupção e da burocracia, mas está feliz por ter comprado a casa própria; não discutimos sobre mídia nem censura), e tudo deu tão certo que em 35 minutos eu era depositado no terminal internacional — uma hora e meia antes de o guichê da Varig/Gol começar a funcionar. Mas — melhor assim.Paguei a taxa de embarque (conserve até o fim 190 bolívares — pouco menos de 40 reais, câmbio negro de junho de 2011), aproveitei mais um pouquinho do wifi do café da sobreloja, embarquei.E assim terminou a minha curta experiência caraqueña.Como quase sempre acontece, achei a cidade bem menos assustadora do que pintam, e mais interessante do que imaginava. Com amigos locais deve ser muito divertida. Mas como vocês viram, não consegui superar a paranóia. A Cidade do México tirei de letra. Mas em Caracas o perrengue do câmbio negro, o deus-nos-acuda dos táxis e a extrema paranóia dos próprios habitantes (há muito mais grades, muros altos e segurança privada do que se pode perceber no Rio ou em São Paulo) contribuem para que a gente não relaxe nunca. Não, não é um lugar pra ir de férias. Se está no seu caminho e você é curioso, OK, desça e explore — Caracas não morde. Mas é desses lugares que, se alguma coisa acontecer, vão dizer que a culpa foi sua de ter ido.E se eu não tivesse perdido o meu iPhone e aproveitasse as outras 24 horas em solo para explorar melhor a cidade, será que a minha opinião seria outra? Pode ser. Mas comparando a paranóia de Caracas com a paranóia que com certeza vivem muitos turistas no Rio, em Salvador ou na Cidade do México, o que eu diria é que… o Rio, Salvador e a Cidade do México oferecem recompensas bem maiores a quem enfrenta seus medos e contraria os conselhos da mamãe.
O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.
Aconteceu o seguinte. Acordei no sábado um pouco menos cedo do que de costume — às 7 da manhã. Meu vôo para Aruba, com a DAE, estava marcado para o meio-dia. Subi o post de Cayo de Agua, respondi a charada, tomei café, fiz as últimas fotos do hotel. Saí do hotel às 9h30, crente que estaria no aeroporto às 10h30.
Ledo, ivo, indesculpável engano. Produto do excesso de confiança de quase 60 dias viajando sem incidentes. Acontece que a autopista principal de Caracas estava em obras — na verdade, uma bobagem: um trecho do guard-rail estava sendo repintado, e até passar aqueles 100 metros em que uma faixa estava interditada, o trânsito ia a passo de tartaruga exausta.
Chegamos ao aeroporto às 11h30. Não havia mais nem vestígio de funcionários naquele que seria o guichê da DAE. O painel informava: “embarcando”. Eu já contava com essa possibilidade, e estava disposto a pagar o que cobrassem para embarcar num próximo vôo a Aruba por qualquer companhia.
Hmpf: não havia nenhum vôo mais a Aruba por qualquer companhia. O painel de saídas internacionais informava vôos até a manhã do dia seguinte, e nenhum ia a Aruba. Tentei achar uma loja da DAE, mas não havia nenhuma no aeroporto.
Perdeu, playboy. Antes de entrar em pânico, porém, lembrei que um café do segundo andar tinha wifi aberto. Lá fui eu.
Boas notícias. Descobri que o vôo da Gol Caracas-Aruba, no dia seguinte, que estava lotado quando eu tinha tentado reservar, agora tinha vagas (o que confima as minhas suspeitas de que operadoras bloqueiam assentos nesses vôos para o Caribe que depois aparecem na última hora). Reservei. Achei hotel fácil — resolvi testar o Renaissance, em La Castellana. Troquei mais 100 dólares com os cambistas. Peguei o táxi oficial. Cheguei ao hotel. Fui fazer o check-in. Botei a mão no bolso. Cadê o iPhone?
Tinha deixado no táxi. Sou reincidente. Esse já é o quarto celular que perco desse jeito. Para variar, estava no modo silencioso. Nem tentei ligar. Perdas e danos.
Liguei pelo Skype pro Nick, que conseguiu bloquear o chip da TIM aí mesmo. Com isso, pelo menos, não precisaria mais me preocupar.
O mais chato da perda do celular nem foi a perda do celular. O incidente acabou enterrando aquilo que poderia ser o início do fim do meu desbloqueio com Caracas. Se eu só tivesse perdido o vôo, teria aproveitado o limão para fazer a limonada de sair pela cidade e, hehe, fazer o que se faz em qualquer lugar — andar alguns quarteirões perto do hotel à noite, pegar um táxi na rua. Mas a perda do celular fez se abater sobre mim aquele sentimento irracional de que qualquer coisa que acontecesse depois disso seria culpa minha.
Saí do hotel só para ver o pôr do sol do 360 Sky Bar, no terraço de um outro hotel ali perto, o Altamira Suites, e super recomendado em tudo quanto é guia. Mas o lugar estava fechado para reforma. Mas bem em frente achei um peruaninho simpático, o Tawa. Pedi um dos pratos mais caros do cardápio (uma “degustación de mar y tierra”, com ceviche, causa de batatas com camarão e carne salteada na wok), tomei duas cervejas e paguei 30 reais (na cotação do câmbio negro). Voltei cedinho pro hotel.
Acordei supercedo pra pôr a página de Salvador no ar. Meu vôo para Aruba estava marcado para as 4 da tarde. Resolvi que sairia às 11h30 do hotel (porta arrombada etc.). Eram 11h45 quando cheguei à calçada e pedi ao encarregado um táxi para o aeroporto (já sabia que iria custar exorbitantíssimos 350 bolívares/70 reais, contra 270 bolívares/55 reais do Pestana, e 200 bolívares/40 reais do guichê oficial aeroporto (tarifas e cãmbio negro de junho de 2011). O encarregado do táxi arregalou o olho, deu uma tossidinha e explicou que não havia táxis. Que o único táxi do hotel trabalhando aquele dia estava a caminho do aeroporto. Que era Dia dos Pais, e por isso muitos não estavam trabalhando.
COMO ASSIM, BIAL?
Mas não dá pra ligar pra alguma companhia de táxi?, eu perguntei. Ele então disse que ia chamar os táxis do shopping San Ignacio, ali pertinho. Ligou. Deu ocupado.
Não. Aquilo não podia estar acontecendo (com gerundismo e tudo). Nunca na minha vida eu quis tanto sair de um lugar. (Fora o arrependimento de não ter voltado para o Pestana, testado e aprovado.)
Decidi que não ia ficar na mão daquele cara e fui à luta. Deixei a mala ali e, contrariando todas as recomendações, atravessei todo o pórtico de entrada e fui até a calçada pegar um táxi na rua.
Não que passassem muitos táxis na rua; desde que eu tinha saído do saguão, só tinha visto passar um. Levei um susto quando um táxi mega-ultra-alternativo parou. Nem tinha percebido que era táxi, porque não tinha luminoso: a identificação estava num plástico do vidro. O carro era pequeno, tipo um Corsa, e não dava para dizer que estivesse inteiro. Olhei para a cara do motorista. Tinha entre 50 e 60 anos e uma cara simpática.
Perguntei quanto era a corrida para o aeroporto. “150 bolívares”. Bora nessa.
Fui buscar a mala e, quando ele abriu o porta-malas, soltei um: “Feliz día del Padre!”. No que ele me retribuiu 🙂
Quando o táxi partiu era meio-dia e pouco. Se a gente levasse duas horas até o aeroporto, ainda assim chegaria duas horas antes do meu vôo. Mas de saída o tiozinho pediu desculpas pelo ar condicionado não estar funcionando: tinha acabado de quebrar. E então eu me lembrei de outra possiblidade murphyniana, que também está prevista nas recomendações de não pegar táxi velho na rua: e se o carro quebrasse no caminho do aeroporto?
Melhor nem pensar.
Ele sabia que a autopista estava engarrafada, então foi por dentro até a região do Parque Central. Logo no primeiro trecho recebeu ligação da mulher, depois da sogra (la suegra más chévere del planeta) e falava que ia aproveitar a ida ao aeroporto para comprar um queijo (!) no meio do caminho para comemorar o dia dos pais.
Conversamos um pouquinho sobre política (ele é crítico de Chávez, da corrupção e da burocracia, mas está feliz por ter comprado a casa própria; não discutimos sobre mídia nem censura), e tudo deu tão certo que em 35 minutos eu era depositado no terminal internacional — uma hora e meia antes de o guichê da Varig/Gol começar a funcionar. Mas — melhor assim.
Paguei a taxa de embarque (conserve até o fim 190 bolívares — pouco menos de 40 reais, câmbio negro de junho de 2011), aproveitei mais um pouquinho do wifi do café da sobreloja, embarquei.
E assim terminou a minha curta experiência caraqueña.
Como quase sempre acontece, achei a cidade bem menos assustadora do que pintam, e mais interessante do que imaginava. Com amigos locais deve ser muito divertida.
Mas como vocês viram, não consegui superar a paranóia. A Cidade do México tirei de letra. Mas em Caracas o perrengue do câmbio negro, o deus-nos-acuda dos táxis e a extrema paranóia dos próprios habitantes (há muito mais grades, muros altos e segurança privada do que se pode perceber no Rio ou em São Paulo) contribuem para que a gente não relaxe nunca. Não, não é um lugar pra ir de férias. Se está no seu caminho e você é curioso, OK, desça e explore — Caracas não morde. Mas é desses lugares que, se alguma coisa acontecer, vão dizer que a culpa foi sua de ter ido.
E se eu não tivesse perdido o meu iPhone e aproveitasse as outras 24 horas em solo para explorar melhor a cidade, será que a minha opinião seria outra? Pode ser. Mas comparando a paranóia de Caracas com a paranóia que com certeza vivem muitos turistas no Rio, em Salvador ou na Cidade do México, o que eu diria é que… o Rio, Salvador e a Cidade do México oferecem recompensas bem maiores a quem enfrenta seus medos e contraria os conselhos da mamãe.

Caracas vista do hotel Renaissance

O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.

Aconteceu o seguinte. Acordei no sábado um pouco menos cedo do que de costume — às 7 da manhã. Meu vôo para Aruba, com a DAE, estava marcado para o meio-dia. Subi o post de Cayo de Agua, respondi a charada, tomei café, fiz as últimas fotos do hotel. Saí do hotel às 9h30, crente que estaria no aeroporto às 10h30.

Ledo, ivo, indesculpável engano. Produto da soberba de quase 60 dias viajando sem incidentes. Acontece que a autopista principal de Caracas estava em obras — na verdade, uma bobagem: um trecho do guard-rail estava sendo repintado, e até passar aqueles 100 metros em que uma faixa estava interditada, o trânsito ia a passo de tartaruga exausta.

Chegamos ao aeroporto às 11h30. Não havia mais nem vestígio de funcionários naquele que seria o guichê da DAE. O painel informava: “embarcando”. Eu já contava com essa possibilidade, e estava disposto a pagar o que cobrassem para embarcar num próximo vôo a Aruba por qualquer companhia.

Hmpf: não havia nenhum vôo mais a Aruba por qualquer companhia. O painel de saídas internacionais informava vôos até a manhã do dia seguinte, e nenhum ia a Aruba. Tentei achar uma loja da DAE, mas não havia nenhuma no aeroporto. Perdeu, playboy. Antes de entrar em pânico, porém, lembrei que um café do segundo andar tinha wifi aberto. Lá fui eu.

Boas notícias. Descobri que o vôo da Gol Caracas-Aruba, no dia seguinte, que estava lotado quando eu tinha tentado reservar, agora tinha vagas (o que confima as minhas suspeitas de que operadoras bloqueiam assentos nesses vôos para o Caribe que depois aparecem na última hora). Reservei. Achei hotel fácil — resolvi testar o Renaissance, em La Castellana. Troquei mais 100 dólares com os cambistas. Peguei o táxi oficial. Cheguei ao hotel. Fui fazer o check-in. Botei a mão no bolso. Cadê o iPhone?Tinha deixado no táxi. Sou reincidente. Esse já é o quarto celular que perco desse jeito. Para variar, estava no modo silencioso. Nem tentei ligar. Perdas e danos.

Liguei pelo Skype pro Nick, que conseguiu bloquear o chip da TIM aí mesmo. Com isso, pelo menos, não precisaria mais me preocupar.O mais chato da perda do celular nem foi a perda do celular. O incidente acabou enterrando aquilo que poderia ser o início do fim do meu desbloqueio com Caracas.

Se eu só tivesse perdido o vôo, teria aproveitado o limão para fazer a limonada de sair pela cidade e, hehe, fazer o que se faz em qualquer lugar — andar alguns quarteirões perto do hotel à noite, pegar um táxi na rua. Mas a perda do celular fez se abater sobre mim aquela sensação de que qualquer coisa que acontecesse depois disso seria culpa minha.Saí do hotel só para ver o pôr do sol do 360 Roofbar, no terraço de um outro hotel, o Altamira Suites, e super recomendado em tudo quanto é lugar. Mas o lugar estava fechado para reforma. Mas bem em frente achei um peruaninho simpático, o Tawa. Pedi um dos pratos mais caros do cardápio (uma “degustación de mar y tierra”, com ceviche, causa e carne salteada na wok), tomei duas cervejas e paguei 30 reais (no câmbio negro).

Voltei cedinho pro hotel.Acordei supercedo pra pôr a página de Salvador no ar. Meu vôo para Aruba estava marcado para as 4 da tarde. Resolvi que sairia às 11h30 do hotel (porta arrombada etc.).

Eram 11h45 quando cheguei à calçada e pedi ao encarregado um táxi para o aeroporto (já sabia que iria custar exorbitantíssimos 350 bolívares/70 reais, contra 270 bolívares/55 reais do Pestana, e 200 bolívares/40 reais do guichê oficial aeroporto (tarifas e cãmbio negro de junho de 2011). O encarregado do táxi arregalou o olho, deu uma tossidinha e explicou que não havia táxis. Que o único táxi do hotel trabalhando aquele dia estava a caminho do aeroporto. Que era Dia dos Pais, e por isso muitos não estavam trabalhando.

COMO ASSIM, BIAL?

Mas não dá pra ligar pra alguma companhia de táxi?, eu perguntei. Ele então disse que ia chamar os táxis do shopping San Ignacio, ali pertinho. Ligou. Deu ocupado.Não. Aquilo não podia estar acontecendo (com gerundismo e tudo). Nunca na minha vida eu quis tanto sair de um lugar. (Fora o arrependimento de não ter voltado para o Pestana, testado e aprovado.)

Decidi que não ia ficar na mão daquele cara e fui à luta. Deixei a mala ali e, contrariando todas as recomendações, atravessei todo o pórtico de entrada e fui até a calçada pegar um táxi na rua.

Não que passassem muitos táxis na rua; desde que eu tinha saído do saguão, só tinha visto passar um. Levei um susto quando um táxi mega-ultra-alternativo parou. Nem tinha percebido que era táxi, porque não tinha luminoso: a identificação estava num plástico do vidro. O carro era pequeno, tipo um Corsa, e não dava para dizer que estivesse inteiro. Olhei para a cara do motorista. Tinha entre 50 e 60 anos e uma cara simpática. Perguntei quanto era a corrida para o aeroporto. “150 bolívares”. Bora nessa.

Fui buscar a mala e, quando ele abriu o porta-malas, soltei um: “Feliz día del Padre!”. No que ele me retribuiu 🙂

Quando o táxi partiu era meio-dia e pouco. Se a gente levasse duas horas até o aeroporto, ainda assim chegaria duas horas antes do meu vôo. Mas de saída o tiozinho pediu desculpas pelo ar condicionado não estar funcionando: tinha acabado de quebrar. E então eu me lembrei de outra possiblidade murphyniana, que também está prevista nas recomendações de não pegar táxi velho na rua: e se o carro quebrasse no caminho do aeroporto?

Melhor nem pensar.

Ele sabia que a autopista estava engarrafada, então foi por dentro até a região do Parque Central. Logo no primeiro trecho recebeu ligação da mulher, depois da sogra (la suegra más chévere del planeta) e falava que ia aproveitar a ida ao aeroporto para comprar um queijo (!) no meio do caminho para comemorar o dia dos pais.

Conversamos um pouquinho sobre política (ele é crítico de Chávez, da corrupção e da burocracia, mas está feliz por ter comprado a casa própria; não discutimos sobre mídia nem censura), e tudo deu tão certo que em 35 minutos eu era depositado no terminal internacional — uma hora e meia antes de o guichê da Varig/Gol começar a funcionar. Mas — melhor assim.

Paguei a taxa de embarque (conserve até o fim 190 bolívares — pouco menos de 40 reais, câmbio negro de junho de 2011), aproveitei mais um pouquinho do wifi do café da sobreloja, embarquei.E assim terminou a minha curta experiência caraqueña.

Como quase sempre acontece, achei a cidade bem menos assustadora do que pintam, e mais interessante do que imaginava. Com amigos locais deve ser muito divertida.

Mas como vocês viram, não consegui superar a paranóia. A Cidade do México tirei de letra. Mas em Caracas o perrengue do câmbio negro, o deus-nos-acuda dos táxis e a extrema paranóia dos próprios habitantes (há muito mais grades, muros altos e segurança privada do que se pode perceber no Rio ou em São Paulo) contribuem para que a gente não relaxe nunca.

Não, não é um lugar pra ir de férias. Se está no seu caminho e você é curioso, OK, desça e explore — Caracas não morde. Mas é desses lugares que, se alguma coisa acontecer, vão dizer que a culpa foi sua de ter ido.

E se eu não tivesse perdido o meu iPhone e aproveitasse as outras 24 horas em solo para explorar melhor a cidade, será que a minha opinião seria outra? Pode ser. Mas comparando a paranóia de Caracas com a paranóia que com certeza vivem muitos turistas no Rio, em Salvador ou na Cidade do México, o que eu diria é que… o Rio, Salvador e a Cidade do México oferecem recompensas bem maiores a quem enfrenta seus medos e contraria os conselhos da mamãe.

O título do post que deu origem a este tinha propriedades mediúnicas. De fato, meu celular agora está totalmente à solta em Caracas. Paradeiro desconhecido. Mas não, não é nada do que você está pensando.

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32 comentários

Eu fui em 2005, e nas linhas gerais concordo com o Riq. Acho uma pena, pois morro de vontade de ir até o Salto Angel, mas não animo. Tenho muita saudade da viagem que fiz para a Venezuela em 1989, qunado era um dos paises mais baratos e seguros da America Latina e fui até Coro (bonita cidade colonial), Maracaibo ( não há nada que preste),e Merida,e arredores (um dos lugares mais interessantes que fui até hoje, nos pequenos poblados onde so se ia a cavalo….

    Pena mesmo, Ernesto. A Venezuela já foi o terceiro país mais desenvolvido da Am. Latina depois de Chile e Argentina, medindo-se vários indicadores diferentes. Também era um país com criminalidade mais baixa, maior que a de Chile, Uruguai e ARgentina mas menor que no restante do continente.

    Agora descambou para uma semi-ditadura personalista, sofre com inflação alta, câmbio negro generalizado, penetração de gangues e das FARC, destruição de infra-estrutura.

    É triste ver esse tipo de regresso, uma versão sul-americana, em escala bem menor (claro) do que ocorreu com o Líbano no Oriente Médio.

    Concordo, que pena!

    Temos que viajar para os lugares enquanto há esta possibildiade.

    Agora, infelizmeente até o Japão está perigoso (por causa da radiação)

    Gostei do “semi-ditadura”!! Haha! O que falta pra ser inteira?!

    Eu não acompanhei a deterioração do país, mas sei que entre 98 e 2002 as coisas eram bem tranquilas por lá. A relação da empresa em que trabalhava com a Venezuela era grande e era um vai-e-vem de gente o tempo todo. Nunca ouvi uma reclamação.

    Triste…

Riq, a apple tem um aplicativo que permite localizar o iPhone em caso de perda. Paga-se 99 dólares anuais e pronto. No seu caso, que viaja muito, acho que é um ótimo investimento.

Pense em pegar isso no próximo iPhone que você pegar. Abaixo um texto explicativo que peguei no site do Terra:

“A Apple lançou nesta sexta um aplicativo para iPhone e iPad que permite a localização em um mapa desses aparelhos caso eles sejam perdidos ou furtados, assim como apagar todos os dados.

O FindMyiPhone é gratuito e funciona com uma conta do serviço MobileMe, da Apple (US$ 99 a assinatura anual). Ele mostra a localização do aparelho perdido em um mapa e pode fazer com que o iPhone/iPad mostrem uma mensagem e toquem um som por até dois minutos.

Para aumentar a segurança dos dados, é possível ainda travar os dispositivos remotamente com uma senha (atual ou nova) e apagar todos os dados pessoais. A Apple ressalta para o fato de que o MobileMe precisa estar devidamente configurado no telefone/tablet para que o FindMyiPhone funcione corretamente.

O aplicativo pode ser baixado na App Store e está disponível em inglês, francês, alemão e japonês.”

    Eu tenho esse aplicativo e acho ótimo. Felizmente (batendo na madeira!) eu ainda não perdi. Me pergunto se esse aplicativo instalado no meu Iphone serviria pra evitar que o maridão perdesse tanto o dele…xapralá! 😉

    Ai, caraca…
    Bom, eu usei o FindMyIphone quando perdi o meu. Não sei se funcionou, parece que sim, meus dados continuam intactos…

    Se o seu era Iphone4, não precisava ter conta no Mobileme não. Eu tenho, acho muito legal, mas o serviço não está mais disponível para novos membros – está sendo substituído pelo ICloud.

    Eu iria exatamente comentar isto quando li o post. Aqui nos EUA já ouvi relatos de pessoas que encontraram seus iPhones desta forma.

    Da última vez que eu quase perdi meu iPhone (o povo do Twitter me ajudou a recuperar o aparelho) todo mundo me mandou fazer o MobileMe. Quem disse que eu fiz?…

    Riq, não entendi porque você não ligou… mesmo no silencioso, o motorista poderia ver, acho…. Afinal, estando em mãos de outra pessoa, se ela não quiser lhe devolver, não há FindmyiPhone que resolva! 😉

    Que bom que terminou tudo bem! Muito pior do que a perda do iPhone, é a perda do voo e a quase impossibilidade de achar um taxi! Eu teria panicado fácil!!

    Ótimo fim de viagem pra você!
    Beijos! 🙂

    Eu tenho esse Mobile me tb e é útil apesar de caro mas não vale a pena fazer agora porque o serviço find my iphone já é gratuito e o resto vai passar a ser tb. O mobile me vai deixar de existir com o lançamento do IOS 5 que vai incluir todos os serviços dele e mais alguns. O melhor de tudo é que vc não perde os dados do celular. Ficam na nuvem e quando vc instala o novo aparelho, seus contatos, notas e calendário são reinstalados automaticamente!!

Eu também achei que vc tivesse perdido no primeiro post…e voila! Aconteceu. Suas trapalhadas rendem ótimas histórias, sempre!!!!Se fosse tudo perfeito, seria até chato! Olhe por este lado, vc tem sempre um “lado B”nao programado, rsrsrs.

Que hacer? Minha solidariedade nesse perrengue. Pior é ficar remoendo a situação, a culpa, o maldito “e se”, rodando no quarto do hotel e fazendo um buraco circular igual à sala de preocupação do Tio Patinhas…

Ric, tava bom de vc instalar um programinha que “dedura” qual a posição do GPS que seu celular se encontra. Um amigo já perdeu o celular dele duas vezes (em taxi tbm) e nas duas conseguiu localizar graças ao tal programinha.

Ah, e outra coisa, tem um lance que vc tbm pode bloquear o aparelho em si, (oq tbm é bom), mas não sei como se faz isso, talvez a operadora saiba explicar melhor…

    Concordo com a Ila. Quando você comprar o IPhone 4 (cuja câmera tem uma qualidade bem superior à das versões anteriores), instale o aplicativo “Buscar”. Gratuito e fácil de usar, ele localiza seu celular em qualquer lugar do mundo, bloqueia, manda mensagens, emite sons etc. ainda que ele esteja no silencioso ou desligado. Segundo se comenta, com o Buscar você só não encontra seu iPhone se ele estiver submerso. Já fiz vários testes e funciona perfeitamente.

    Uma dica para futuro post, inclusive, é sobre aplicativos. Existem vários, pagos e gratuitos, que ajudam bastante a vida do viajante (guias, conversores de moeda, dicas de locais, GPS etc.). Nesse post os trips poderiam dizer os aplicativos que usam, para que usam, se o aplicativo é realmente bom e útil ou não, anunciar quando um aplicativo pago está temporariamente gratuito (como aqui e ali acontecem com guias de viagem) etc.

Realmente Caracas é uma cidade que lhe parece que vc tem muito mais a perder do que a ganhar. Realmente não recomendo para amigos como point de férias, mas para passar um dia, quem sabe…

Vc ainda deu sorte de ir pela autopista mesmo. Quando caiu a ponte perto do aeroporto, tinha o caminho “ninja” que demorava só 2 horas (ante 4-5 horas pela autopista) que ia pelo meio das favelas. Aí é assustador.

Caraca Riq, se perder celular em taxi no Brasil já é complicado, imagina em outro país.

Legal saber que “contrariar os conselhos da mamãe” fizeram a viagem valer a pena.

Show de bola!

Lokíssimo! Gostei 😉 E Caracas está na minha wishlist para o ABC do Caribe. Agora é aguardar as novidades de Aruba!

Putz Riq, que droga! Quando voce postou o primeiro dos dois posts eu achei que o celular tinha sido roubado, e idem dessa vez. Mas perder no taxi e dose 🙁 Ainda bem que voce arrumou um motorista de taxi simpatico pra finalizar a viagem.

Atenção: Os comentários são moderados. Relatos e opiniões serão publicados se aprovados. Perguntas serão selecionadas para publicação e resposta. Entenda os critérios clicando aqui.

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