Ilustração | Daniel Kondo
Eu tinha acabado de me acomodar num restaurante tailandês no Rio, quando uma mesa próxima chamou o maître. Queriam devolver o prato.
Eu estava perto demais para me virar sem dar bandeira, então tudo o que sei é que a mulher tinha a voz idêntica à da Consuelo Leandro [googlem].
A moça demonstrava ser freguesa do restaurante, tinha trazido o amigo, e era a primeira vez que não gostava do que tinha escolhido. Tinha alguma coisa errada naquele prato.
O maître se prontificou a trocar; a moça escolheu outro prato. Tudo se encaminhava para o esquecimento quando o maître voltou para, educadamente, não deixar barato: “A troca vai ser efetuada, mas preciso dizer que o chef provou o prato e verificou que está rigorosamente bem-feito, com o gosto que todo pad thai deve ter”.
A moça não se fez de rogada [googlem]: “Pois vocês deviam avisar que esse prato tem um gosto... ahn... peculiar”.
Pelo amor do Buda reclinado! [googlem] A dona estava mandando o restaurante tailandês informar aos clientes que sua comida tailandesa tinha gosto de comida tailandesa!
Minha vizinha de mesa tinha estranhado o sabor do nam pla, um caldo de peixe meio fedorento (mas bem menos do que Roquefort) que substitui o sal – e que os restaurantes tailandeses no Brasil tratam de disfarçar com litros de leite de coco. Como o pad thai [googlem] não leva leite de coco, ela finalmente percebeu.
Existirá povo com paladar mais infantil do que o brasileiro do Rio pra baixo? Só os italianos devem ter aversão a mais temperos e ingredientes do que nós. Mas os italianos inventaram a cozinha italiana, então podem prescindir de todas as outras.
Nam pla, curry, dendê, caju, coentro, papaia verde, pimenta da boa – existe toda uma lista de Schindler [googlem] de ingredientes cuja imigração não é bem-vinda.
O lado bom disso é que qualquer escapada por Minas, Centro-Oeste e Norte vira uma aventura gastronômica. Tudo parece levar algum ingrediente amargo, adstringente ou alucinógeno – ou tudo isso ao mesmo tempo: pequi, guariroba [googlem], maxixe, jiló, tucupi, jambu.
Viva a cozinha peculiar. O que não tem cica não tem graça!
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