Apocalipse (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração | Daniel Kondo

Ilustração | Daniel Kondo

Tomara que o mundo não tenha acabado hoje. Porque eu detestaria que o mundo acabasse sem que eu conseguisse rever o vídeo do Eduardo Dusek (na época com um “s” só) cantando “Nostradamus” no festival MPB 80, da Globo.

Quase quebrei o computador de tanto procurar no YouTube — em vão. A música eu tenho, obrigado. O que eu queria era reviver a sensação de quando assisti à apresentação ao vivo naquela noite de maio de 1980.

O candidato era totalmente desconhecido. (Mais tarde eu ligaria o nome aos créditos de “Vesúvio”, uma música do segundo disco das Frenéticas, de 1978, de um tal “Duardo” Dusek). De repente, a tela 36 polegadas da Telefunken foi tomada por aquele cantor alto demais, com cabelo comprido demais, vestindo um fraque esquisito demais, a bordo de um piano de cauda.

Enquanto os violinos da orquestra sugeriam um passeio por campos floridos, Dusek narrava o apocalipse. “Alguns edifícios explodiam, pessoas corriam, eu disse bom dia… ignorei!”.

“Nostradamus” não era apenas uma canção sobre o fim do mundo. Era um manual de instruções sobre como se portar com dignidade quando a ocasião se oferecesse.

“De repente, na minha frente, a esquadria de alumínio caiu. Junto com o vidro fumê, o que fazer? Tudo ruiu!”. Parecia a descrição do fim da Barra da Tijuca, e talvez por isso a orquestra continuasse serena, inabalável.

“Começou tudo a carcomer. Gritei, ninguém ouviu, e olha que eu ainda fiz psiu”. Com efeito: quando você faz psiu e ninguém acode, é sinal da iminência do fim dos tempos.

A primeira vítima só apareceria mais para o fim da música: “Vou até a cozinha, e encontro Carlota, a cozinheira, morrrta!”. Mas nem deu tempo de sentir pena, porque logo Dusek arremataria com o melhor desfecho da história do cancioneiro popular:
“Levanta! Me serve um café! Que o mundo acabou!”

A orquestra ainda estava nas firulas de praxe de um gran finale, quando o editor cortou para uma gordinha na platéia que arregalou os olhos, escancarou a boca e puxou histericamente os aplausos — representando todos os telespectadores que nunca imaginaram que o fim do mundo pudesse ser tão divertido.

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14 comentários

Eu não sou carioca, não moro no Rio, amo o Rio, mas toda vez que vou ao Rio (muitas vezes) e digo que vou ficar na Barra da Tijuca, sempre aparece um carioca da gema e diz: Barra da Tijuca não é Rio de Janeiro. Vai entender…
A crônica do Riq de amor ao Rio é imperdível. Do Riq, declaradamente apaixonado, com certeza, não há esteriótipos bobos sobra a cidade.

    Rosa, concordo muito.
    Sou carioca, moro no Rio, amo o Rio e acho que tem razão quem te diz que Barra da Tijuca “fica” no Rio, mas não é a cara do Rio.
    Primeiro lugar a Barra é plana (e hoje já está somada ao Recreio – lá sim tem umas elevações), é lotada de prédios (e alguns grandes condomínios de casas) e quase não se faz nada sem carro (avenidas enormes e distâncias maiores ainda). É um bairro muito jovem – 30 a 40 anos) que vi crescer de forma rápida e desordenada (Lucio Costa deve se revirar…). Não há história como em outros bairros do Rio. O trânsito hoje é normalmente caótico.
    Muito comércio e pouca indústria deverá manter a qualidade do ar razoável nos próximos anos. Já a poluição do sistema lagunar é criminosa. As favelas existem, mas estão um pouco escondidas.
    Raio X rápido de quem não mora lá (e nem quer).

    Em tempo: Riq e “estereótipos bobos” não cabem numa mesma frase. O mundo não acabou e o “raq” não tem jogo de cintura. Bola fora.

Amo Dusek, Aventura!!!!
Ótima cronica!!Hoje é só o primeiro dia do que restou depois do “apocalipse”!!!

Se tu já procuraste e não achaste no youtube, não vou nem me coçar…Lembro muito desta música e da performance dele! Já q o mundo não acabou (graças a Deus pois eu ainda tenho q conhecer mil lugares antes de morrer) te deixo c/ esta outra grande frase de uma música:
“Quieres cafe, mi vida? Pues sirvetelo!” (Manu Chao) Isso sim é o fim! Abração, bom fim de ano!
https://www.youtube.com/watch?v=QavrQEXhlqo

chato mesmo é essa implicância com a barra da tijuca. principalmente vindo de alguém que nem mora no rio. só serve mesmo pra reforçar esteriótipos bobos.

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