Ilustração | Daniel Kondo
Minha amiga Martha Medeiros começa seu último best-seller, “Um lugar na janela”, com o relato de uma viagem de seis semanas pela Europa hospedada em casas de amigos dos amigos – que só ficavam sabendo que seriam seus anfitriões quando já era tarde demais para negar abrigo a uma mochileira indefesa ligando do telefone público da estação de trem.
É o retrato fiel de uma época e de um povo.
A época é o finzinho dos anos 80, quando o exterior era um lugar que ficava praticamente em outro planeta, e o meio de comunicação mais usado para falar com alguém que não morasse na sua cidade era a carta.
No meu próprio mochilão, feito três ou quatro anos antes do da Martha, eu fui um habituê da Posta Restante – uma espécie de Gmail do paleolítico. Seus amigos imaginavam onde você estaria e então, duas semanas antes, mandavam uma carta no seu nome para a Posta Restante do lugar. Daí você ia até a agência central dos Correios para, digamos, checar o seu inbox.
Mochileiros ou não, é admirável como naquela época a gente saísse por aí sem nenhuma reserva de hospedagem (seja hotel, albergue ou casa de amigos). Se você não tivesse a cara de pau da Martha, mofaria na fila do posto de turismo até a moça do balcão arranjar uma vaga num hotelzinho. E pensar que hoje você fica examinando centenas de resenhas de hóspedes, eliminando hotéis ao menor sinal de mau humor do recepcionista...
Mas eu estava dizendo que a história da Martha era o retrato de um povo. O povo gaúcho, bem entendido. Até pouco tempo atrás, acreditávamos que a casa de um gaúcho era território avançado (e socializado) do Rio Grande. Um lugar com mate, sofá-cama e um “sobe!” sempre a postos do outro lado do interfone.
Quando emigrei para São Paulo, fiquei quase um mês na casa da minha amiga Graça, achando que pagava a hospedagem trazendo presunto e queijo fresquinhos da padaria todo dia. Depois de estabelecido, hospedei mais três conterrâneos – que por sua vez, hospedaram muitos outros. Não passavam dois meses sem que aparecesse uma cara nova.
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