Da primeira vez que estive em Alcântara, pirei. Tive a certeza de que estava na mais dramática e misteriosa de nossas cidades históricas -- a um só tempo bem-conservada e em ruínas, habitada porém deserta. Como assim?
As ruínas parecem ter sido espalhadas pela cidade por um cenógrafo: aqui fica bem uma. Aqui nesse canto vamos pôr duas, meio que conversando. E ali na frente dessa igreja restaurada vamos colocar o esqueleto dessa casa, para contrastar.
Que diferença para a decrepitude do centro histórico de São Luís! Quando você olha para um prédio caindo aos pedaços em São Luís, você sente raiva dos seus contemporâneos, que deixaram as coisas chegarem a esse ponto. As ruínas de Alcântara, no entanto, não inspiram maus sentimentos: são dignas, imponentes, e ainda oferecem graciosamente suas portas e janelas vazadas como molduras ready-made para as fotos de quem passe. Não dá para imaginar que ficaram assim por descaso. Parecem mais vítimas de uma praga que acometeu umas construções e outras não. Não foi assim?
À medida que o sol apontava para o alto, porém, o meu entusiasmo ia diminuindo. A cidade é compacta, mas qualquer deslocamento sob 40ºC é penoso. Ao meio-dia todas as sombras batem em retirada e deixam você desamparado no meio da rua. O sol é tão inclemente que não tem pena sequer das suas fotos, que vão ficando mais e mais lavadas.
Qualquer outra cidade histórica teria uma ruazinha com botecos enfileirados, mas Alcântara... peralá. Alcântara não é qualquer cidade histórica. É a mais dramática e misteriosa das cidades históricas, lembra? Deixamos isso combinado no início do texto. Certa está ela em não desvirtuar seus paralelepípedos com guarda-sóis laranja da Schincariol. Se tem alguém errado aí somos nós, os turistas, que insistimos em visitar a dona da casa bem na hora da sesta.
Foi então que -- ainda naquela primeira vez -- eu decidi que, quando voltasse a Alcântara, voltaria do jeito certo. Voltaria para pernoitar. Para ter um teto na hora do sol mais forte. E para ver a cidade à noite.
Quase dez anos depois, eu voltei, agora para dormir. E foi incrível. Quando o sol finalmente baixou, depois da última lancha partir (parece que ele espera de propósito a última embarcação partir para só então baixar), Alcântara sai da toca. E então você descobre que não, Alcântara não é uma cidade cenográfica. As crianças voltam da escola, as mulheres vão às compras, as motocas começam a zunir pelas ruas.
Ver gente na rua foi tão desconcertante que esqueci do plano que eu tinha feito para o entardecer: arrumar um barqueiro para me levar a um ponto de revoada dos guarás. (Acho que vou precisar voltar outra vez, agora para ficar duas noites.)
As ruínas de Alcântara, contudo, passam a noite tão solitárias quanto atravessaram o dia. Ficam lá, teatralmente iluminadas, prontas para brilhar no instagram de turistas que foram embora cedo demais.
Como chegar em Alcântara
As embarcações para Alcântara saem do cais da Praia Grande, junto ao centro histórico, pela manhã. O horário exato varia de acordo com a maré. A viagem leva 1h20 e custa R$ 15 (junho/2017).
Iate Luzitana
O barco ('iate') Luzitânia, que é de madeira, é a única embarcação que informa seus horários pela internet (clique aqui). Suas saídas são no início da manhã, com volta normalmente no meio da tarde. O Luzitânia aceita reservas por WhatsApp (+5511/988-691-062).
O catamarã Lua Nova, que é de fibra de vidro, também sai de São Luís pela manhã. Confirme horários pelo tel. 98/991-112-657.
O barco ('iate') Barraqueiro, de madeira, é o único que sai à tarde de São Luís e volta de manhã de Alcântara. Confirme horários pelo tel. 98/991-585-834.
Deixe para comprar a volta em Alcântara (vai ser mais fácil escolher o horário mais conveniente para os seus planos).
O que fazer e onde comer em Alcântara
Casa de Cultura Aeroespacial
Dá para esquadrinhar a cidade histórica em menos de duas horas; depois de vencer a Ladeira do Jacaré, que leva do cais ao topo da colina, o único obstáculo à sua visita será o sol alto.
Algumas oportunidades interessantes de pegar uma sombra aparecerão no seu caminho. O Museu Histórico de Alcântara ocupa um casarão aristocrático numa das esquinas da Praça da Matriz, em frente ao Pelourinho e à majestosa ruína da igreja de São Matias. Mais adiante na rua Grande, a Casa do Divino registra a maior festa da cidade, que se realiza 40 dias depois da Páscoa. Depois da igreja do Carmo, suba na direção oposta ao mar e você vai dar na praça da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos; o casarão azul-celeste à sua direita é a curiosa Casa de Cultura Aeroespacial, um museuzinho feito à mão que explica o funcionamento da Base de Lançamentos de Alcântara e tem como principal atração um foguete exposto no quintal.
Se ficar até o fim do dia, negocie no cais um passeio de barco ao pôr do sol para ver a revoada de guarás. Fretar um barco sai em torno de R$ 150 (julho/2016); você achará outros companheiros para o passeio.
Restaurante Cantaria
Para almoçar, a melhor pedida é o Cantaria, que serve um peixe na telha com molho de camarão e três arrozes (branco, de mariscos e de cuxá). Fica no finzinho do beco da rua Pequena, em frente à igrejinha do Desterro, com vista para o sino da igreja e para o mar.
Restaurante Bela Vista
Eu jantei no restaurante da Pousada Bela Vista; é fora de mão (vá de mototáxi) mas vale a pena. O carro-chefe da casa é a pescada amarela com camarões graúdos.
Doce de espécie
Não saia da cidade em hipótese alguma sem experimentar o doce de espécie, um híbrido entre bolo e biscoito de coco que só se encontra por lá.
Onde ficar em Alcântara
Maison du Baron
Para ficar bem no centrinho, a melhor pedida é a Maison du Baron; se você for com mochila, dá para ir a pé desde o atracadouro (menos de 10 minutos de caminhada).
Bela Vista
A Bela Vista fica a 10 minutos de caminhada do centro, e tem uma pequena piscina. Ao chegar e partir, use táxi; para ir à cidade, dá para ir a pé (à noite, volte de mototáxi).
Já a Pousada dos Guarás fica na praia; é indicada para quem vai ficar pelo menos duas noites (assim você aproveita o segundo dia inteiro de praia). Ao chegar, ao partir e à noite você vai precisar de táxi. (Veja o relato da Patricia Camargo no Turomaquia.)
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