Em que mapa Piauí e Aracaju se encontram? No mapa da cidade de São Paulo. Piauí e Aracaju são duas ruas que se cruzam à altura da Praça Vilaboim, no bairro de Higienópolis. Continuando para o oeste, a Piauí faz uma curva e se torna a Rio de Janeiro -- mais uma licença geográfica paulistana. Andando quatro quadras em direção ao Centro, a Piauí dá... na minha casa.
Desculpe, mas vou esmerilhar: tem algum filme que se passa a quatro quadras de onde você mora? De onde eu te vejo, a delicada comédia romântica que estréia hoje em cinemas de todo o Brasil, conta a história de um casal que se separa e passa a morar em dois edifícios de frente um para o outro, na esquina da Piauí com a Aracaju.
Um dos edifícios, o Louveira, é o mais amado entre os arquitetos paulistanos: um projeto modernista de 1946, de Vilanova Artigas, que antecipou Brasília e viria a ser deturpado pelo construtor mais odiado pelos arquitetos paulistanos, o espanhol Artacho Jurado (que espalhou seus bolos-de-noiva por Higienópolis -- eu adoro todos).
Ana (Denise Fraga) e Fábio (Domingos Montagnier) se conheceram 20 anos atrás na rodoviária do Tietê -- ela, chegando do Rio; ele, de Ribeirão Preto. São Paulo é parte inseparável dessa relação. Mas assim como o casamento de Ana e Fábio, a São Paulo de Ana e Fábio também está acabando, com a derrubada de lugares emblemáticos do Centro da cidade para a construção de prédios modernos. Ana é, em parte, responsável: seu trabalho como arquiteta é identificar imóveis antigos em terrenos que podem interessar ao mercado imobiliário.
A história dessa mocinha imperfeita e seu (ex-)marido simpático mas meio banana é contada tendo São Paulo por testemunha. Todas as externas parecem meticulosamente esquadrinhadas pelo diretor Luiz Villaça para captar os ângulos mais charmosos da cidade. Habituês e fãs do Centro e de Higienópolis vão passar o filme inteiro tentando identificar ruas e prédios (e vão tratar de passar por eles na primeira oportunidade).
E o filme? Bem -- este é um blog de viagem, e eu estou longe de ser um crítico de cinema. Como espectador, achei De onde eu te vejo delicioso: um exercício ultra-bem-sucedido num gênero cinematográfico que não existe em português do Brasil, a comédia romântica. O roteiro é bem costurado, com diálogos ricos, e os atores estão excelentes (a participação de Laura Cardoso é uma pequena jóia). Todas as resistências que você pode ter no começo do filme -- ah, como assim, eles se conheceram na rodoviária e agora tão se separando de boas e vão morar um de frente pro outro? -- vão desaparecendo ao longo da trama, e quando você se dá conta está torcendo e se emocionando com uma história de amor de dois quase-cinqüentões.
Numa das melhores cenas de De onde eu te vejo, Juca de Oliveira, no papel de um dono de um cinema fechado que se recusa a dar o direito de compra do prédio a Ana, explica por que a experiência de assistir a um filme num cinema de rua é inigualável. "No cinema de rua, quando o filme acaba, você não dá numa praça de alimentação. No cinema de rua, quando o filme acaba, as portas se abrem e você está na rua, onde a mágica do cinema continua".
Se você mora em São Paulo, já sabe o que fazer depois de ver De onde eu te vejo: passe impávido pela praça de alimentação, saia do shopping e pegue um táxi para a Praça Vilaboim -- Aracaju esquina com Piauí. (Se você não mora em São Paulo, faça isso na primeira vez que vier. Qualquer dia desses eu faço um roteirinho e ponho aqui.)
10 comentários