United overbooking

O incidente com o passageiro da United poderia acontecer no Brasil?

Sim e não. Porque na verdade aconteceram duas coisas. A primeira coisa foi o overbooking — que pode, sim, ocorrer no Brasil, impedindo um passageiro com passagem na mão de voar. A segunda coisa foi a retirada truculenta do passageiro do avião — que, esperamos, nunca aconteça aqui (e provavelmente as cias. americanas passem a pensar duas vezes antes de repetir a cena de guerra).

Mas vale a pena entender como funciona o overbooking no mundo inteiro; por que o incidente da United chegou aonde chegou; e quais são os direitos do passageiro vítima de overbooking, no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa; e quais cuidados tomar para não ser vítima de overbooking.

Overbooking: como a lei permite esse negócio?

Overbooking — vender mais passagens do que assentos a bordo — é uma prática antiga e legalizada no mundo inteiro. As cias. aéreas têm sistemas sofisticados que calculam o número de passageiros que não devem aparecer para pegar o vôo; esses assentos são então readicionados ao estoque à venda. Normalmente, dá certo. Você já deve ter pego muitos vôos lotados ou quase lotados em que houve overbooking (venda de mais passagens do que assentos) mas ninguém deixou de embarcar.

Além desse overbooking proposital, existe também o overbooking por força maior: por exemplo, quando é preciso reacomodar passageiros cujos vôos de conexão atrasaram e que por isso perderam seus vôos originalmente marcados.

O Financial Times diz que a chance de um passageiro ser vítima de overbooking é de uma em 10 mil. Ainda assim, em 2015, 552 mil passageiros não puderam embarcar por causa de overbooking nos Estados Unidos.

Por que não proíbem o maldito overbooking? Porque, junto com outros aspectos desagradáveis da aviação comercial (passagens caríssimas de última hora, multas para remarcação de bilhetes, passagens não-reembolsáveis, cobrança por mala despachada), a receita obtida com as passagens vendidas em duplicidade entra na conta que permite a existência de passagens promocionais. Se o overbooking fosse ilegal, a tarifa média subiria.

Na maioria dos casos o overbooking é resolvido de maneira pacífica, já que a legislação (agora inclusive no Brasil) obriga a cia. aérea a oferecer uma compensação, em viagens ou em dinheiro, ao passageiro overbookado. Quando há overbooking, a cia. anuncia sua oferta de compensação, esperando que se apresentem voluntários (tem ninja de overbooking que já chega no check-in se oferecendo como voluntário, sem nem saber se aquele vôo está overbookado).

O problema é quando há overbooking mas não aparecem voluntários. Corta pro avião da United em Chicago.


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O que aconteceu naquele avião da United?

O melhor relato que encontrei foi no New York Times, que se baseou no depoimento de uma passageira.

Como de hábito nos Estados Unidos, o overbooking foi anunciado no portão de embarque. O funcionário do portão ofereceu vouchers de 400 dólares em viagem para quem se dispusesse a não embarcar. Não apareceram voluntários e, mesmo assim, o embarque foi liberado. Já com os passageiros dentro do avião, o funcionário voltou para oferecer vouchers de 800 e depois de 1.000 dólares, sem sucesso.

Os assentos eram necessários para levar funcionários da United ao destino do vôo, Louisville. (A United até agora não informou se os funcionários operariam vôos a partir de Louisville ou se era apenas uma questão de contrato de trabalho.)

Foi então anunciado que seriam escolhidos quatro passageiros para desembarcar. Os primeiros três (um casalzinho jovem e uma pessoa que não foi descrita na matéria) saíram sem maiores protestos. O último passageiro, um médico de ascendência chinesa, se recusou a sair, alegando compromissos com pacientes na manhã seguinte. O funcionário disse que ia ser preciso chamar a polícia, e o médico retrucou dizendo que só tinha sido escolhido por ser asiático.

(Não existem regras escritas para definir como escolher os passageiros impedidos de viajar em caso de overbooking. Dá para intuir que a cia. não escolheria passageiros que compraram tarifas cheias, nem viajantes com status de elite nos seus programas de fidelidade. A United até agora não revelou os motivos pelos quais aqueles passageiros foram escolhidos.)

O resto é história, amplificada pelas mídias sociais. Nesta terça-feira dia 11, a United já perdeu 1 bilhão de dólares em valor de mercado, com a baixa de suas ações. O futuro ex-presidente Munoz (alguém duvida que vá cair?) ainda não se manifestou novamente.

Como curiosidade, segundo o New York Times em 2016 a United transportou 86 milhões de passageiros. Houve 66.660 (ops!) overbookings. 62.895 passageiros aceitaram voluntariamente não embarcar; 3.765 foram impedidos de embarcar contra a vontade.

Quais são os direitos de quem sofre overbooking?

No Brasil, as novas regras da Anac estabelecem que passageiros com passagens compradas a partir de 14 de março (início da vigência da regra) e sejam vítimas de overbooking têm direito a indenização imediata. A cia. aérea pode começar oferecendo compensações para quem for voluntário. Se não aparecerem voluntários, o passageiro impedido de embarcar receberá R$ 1.126,72 em vôos nacionais e R$ 2.253,45 em vôos internacionais. O passageiro pode escolher entre crédito para novas passagens, transferência bancária ou dinheiro vivo. A cia. aérea fica responsável por acomodar o passageiro no primeiro vôo disponível. Depois de 1 hora o passageiro overbookado tem direito a se comunicar por conta da cia., e depois de duas horas, a se alimentar. Se for necessário dormir na cidade, a cia. tem que providenciar hotel e traslados.

As legislações americana e européia também prevêem compensação financeira e assistência em solo, incluindo hospedagem se necessário. As cias. aéreas podem fazer ofertas para voluntários; o passageiro que deixar de embarcar contra a vontade recebe a compensação máxima de US$ 1.350. Na Europa acontece o mesmo, só o valor da compensação varia. Em vôos curtos, é de 250 euros; para vôos de longa distância, 600 euros.


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O que fazer para evitar ser overbookado?

Não precisa virar o paranóico do overbooking. É muito mais provável que você deixe de voar porque sua conexão atrasou (bate na madeira) ou o vôo foi cancelado (bate de novo) do que por overbooking. De todo modo, aí vão alguns macetes para evitar o perrengue:

  • Faça web-check assim que abrir o vôo (de 72 a 24 horas de antecedência)
  • Se vai despachar mala, chegue cedo — os últimos podem ser os primeiros a ser overbookados)
  • Prefira a cia. aérea onde você tem status mais alto no programa de fidelidade
  • Viaje com crianças ou idosos 🙂

Você já foi vítima de overbooking?

Ou já esteve num vôo onde rolou overbooking? Como foi o desfecho? Alguma baixaria? Divide com a gente!

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65 comentários

Excelente matéria. Já vi alguns casos de overbooking, inclusive no Brasil. Na época, como era uma viagem pra Lima e apenas no feriado, não pude aceitar os R$500 + hotel + alimentação pra esperar o voo pela manhã, daqui 12h.

Mas no ano passado estava em Cusco e logo no check-in ouvi uma falação de que teria mais passageiros que o número de assentos. Como não iria trabalhar no dia seguinte, logo fui ao balcão e me ofereci como voluntário. Recebi o táxi até o hotel, refeições, executiva, mas nada em dinheiro.

De todo modo, valeu a pena. Acho que essas histórias dependem muito de pessoa pra pessoa, de caso pra caso. Pode ser bom pra uns e péssimos pra outros. O que não pode acontecer é essa atitude ridícula. Abraços

Eu tive um caso com a própria United. Já no web-check eles estavam oferecendo dinheiro para quem não embarcasse. Já fiquei com a pulga atrás da orelha e dei print nas telas do web-check. O overbooking era no voo Washington/GIG, mas eu ainda tinha que pegar o voo NY/Washington. O que a United fez (quem me disse isso foi uma funcionária da própria United no JFK), como não conseguiram o número de pessoas suficiente eles atrasaram propositalmente o voo NY/Washington e quando chegamos em Washington o voo já tinha partido para GIG. Eles falaram que a culpa não tinha sido deles e somente nos deram o cartão de embarque do dia seguinte. Teve gente que dormiu no aeroporto, que já estava fechando. Eu e minha esposa, pouco mais de 1 ano depois, recebemos na justiça 25 mil reais deles em duas ações. No final valeu a pena, mas na hora deu uma raiva.

Já aconteceu comigo e achei sensacional. Explico: estava em New Orleans e uma greve da AA foi anunciada. Fui até uma agência, antecipei meu voo em 1 dia. Ok. Mas, ao chegar para a conexão em Miami, a notícia da greve, muito embora ainda não deflagrada, já tinha causado o caos. Overbookaram todo mundo. Como estava com meu cartão de embarque em mãos, bagagem embarcada e em conexão, fiquei na minha. Até que surgiu o chamado mágico: quem poderia, por favor, deixar de embarcar nesse voo e esperar até que a situação se normalize? A AA oferece hospedagem + U$ 450 por dia. Com dias ainda sobrando nas férias, me ofereci feliz da vida mesmo sabendo que minha mochila seguiria viajem sem mim. Com umas roupinhas que sempre levo na bagagem de mão, sai feliz da vida e fiquei por lá 3 dia vivendo bem até me realocarem em outro voo. Com a grana depositada no meu cartão, até fiz compras.

Já tive uma experiência de overbooking justamente com a United! Só que foi pacífica. Foi em 1996, na época das olimpíadas de Atlanta. Eu estava em Miami e faria um vôo para o RJ com conexão em SP. Por causa do overbooking, o grupo todo foi realocado. Éramos adolescentes, creio que não poderiam separar as guias de nós…pois bem, nem chegamos a sair do hotel. Nosso vôo foi remarcado para o dia seguinte. A cia nos pagou a diária do hotel, comida, alguns, como eu, foram agraciados pela business class, além de um voucher para ser retirado em passagens aéreas pela cia. Não lembro exatamente o valor do voucher, masssssss, pagou mais da metade de uma nova viagem para ver o Mickey no ano seguinte…

Só para complementar, todas as vezes que esses casos que mencionei acima aconteceram, os passageiros eram informados no check-in / despacho de bagagem e a cia oferecia compensação para que a alteração ou desistência acontecesse.

Pegar a pessoa já embarcada e conseguir um desembarque voluntário (que de voluntário não teve nada nesse caso United) é bem complicado e difícil de acontecer.

Excelente! Já aconteceram casos de overbooking comigo em diferentes países e cias e em todos os casos fui notificada antes do overbooking e questionada se aceitava ou não embarcar no voo seguinte mediante a compensação oferecida. Em dois casos em que realmente não podia deixar de embarcar porque afetaria viagens de trabalho, consegui embarcar sem problemas. Nos outros casos, em que estava em viagens minhas mesmo, topei, recebendo no ato a compensação oferecida (que, dependendo do caso, foi financeira, de infra e/ou em créditos para viagens futuras).

Neste caso da United especificamente não apenas são chocantes as imagens da injustificável truculência na retirada do passageiro do avião como, principalmente, nas “justificativas” da companhia após o ocorrido. Lamentável mesmo. Espero que sofra todas as punições cabíveis e possíveis e que o caso possa mesmo servir de exemplo para outras cias nem cogitarem se comportar da mesma forma.

Sem dúvida um absurdo o que aconteceu. Mas é exatamente como um desastre aéreo, são necessárias várias coisas erradas para que o pior ocorra.

Primeiro, deixaram todos os passageiros entrar. Se tinha overbooking, que barrassem os últimos a chegar no check in.

Segundo, se tinham que alocar os seus funcionários no voo, que aumentassem a oferta até surgirem interessados.

Terceiro, se o “escolhido”, que inclusive estava acompanhado da esposa, disse que não ia sair, que tentassem com outra pessoa.

Quarto, se chegou a ponto de ter de chamar a polícia, pare a jogada e volte uma casa.

Quinto, se tudo deu errado e o pior ocorreu, tenha um CEO com um minimo de conhecimento sobre como gerenciar crises.

Numa época em que cada celular é uma filmadora e as redes sociais levam a informação ao redor do mundo em questão de segundos, um evento como esse causa um estrago de milhões (ou bilhões) na imagem da empresa.

Perfeito, Riq! As recomendações estão corretíssimas para evitar ficar no chão, mesmo com bilhete emitido.

As cias estão com uma gestão cada vez melhor dessa situação, porém uma outra possibilidade é o voo estar com restrição de peso por condições climáticas – essa sim tem uma chance maior de acontecer. Um clássico nos aeroportos Santos Dumont e Congonhas em dias de chuva. Dificilmente o voo sairá lotado.

Essa restrição de peso também pode acontecer em voos diretos para o Norte / Nordeste com muita bagagem e tanque de combustível cheio, afetando a segurança da decolagem. Portanto, mesmo com check-in feito, se tiver bagagem a despachar, vale chegar com bastante antecedência ao aeroporto.

    Ou seja, compre passagens sempre para chegar um dia antes da data que você de fato quer chegar em seu destino. Se for voo internacional, você normalmente chega no dia seguinte, até por conta de fuso horário, etc. Então nesse caso planeje 2 dias antes. Porque aí é até melhor, você pode se oferecer e acabar com um dinheiro a mais no bolso (se o overbooking acontecer na ida). E aí na volta, idem, não deixe pra voltar em cima de um compromisso super importante, você pode ganhar um dia a mais no destino e acabar até curtindo esse lance de overbooking. Tive uma amiga que ganhou um dia a mais em Paris com 800€ no bolso, maravilha!

Interessante o post! Em quanto ao benefício de ser idoso, o passageiro retirado tinha 69 anos, mas aparentava menos. Então é bem importante parecer mais velho! Nada de maquiagem, tinta de cabelo ou botox ao viajar! Uma bengala seria útil se não fosse pela possibilidade de ser confiscada.
As empresas aéreas americanas são conhecidas pela rispidez no tratamento ao passageiro, sempre no limite da grosseria. E os funcionários de seus aeroportos, desde os agentes da Homeland Security até o mais humilde segurança, desconhecem qualquer sentido de simpatia. Faz parte da cultura, por isso acho que isso não aconteceria no Brasil… De qualquer maneira acredito que tenha sido um caso muito isolado.
A United teria que ter enviado seus funcionários em outro vôo ou mesmo de carro, afinal são só 4 horas e meia de viagem. Ou aceitado a oferta de um passageiro que pediu 1600 dólares para deixar o avião. Preferiu ser dura, e com isso já perdeu 600 milhões de dólares de seu valor na Bolsa, sem falar do enorme dano à imagem.

Já fui vítima de overbooking na American em um voo de NY para GRU na véspera do feriado de 2/11. Neste caso, foi necessária a troca de avião e o substituto tinha simplesmente 30 (sim, trinta) assentos a menos. A American ofereceu de cara 1000 dólares em vouchers para os voluntários e mesmo assim foi difícil completar os 30. Ainda consegui mudar meu voo no dia seguinte de GRU para GIG, indo direto ao meu destino final e curtindo mais um dia de NY. Acho até que conseguiria uma business, mas não quis exagerar 🙂

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