Ricardo Freire despedida Estadão

Despedida de aeroporto (minha coluna de hoje no Estadão)

Ricardo Freire despedida Estadão

Reproduzo aqui a minha coluna de hoje no Estadão. Vocês vão entender por quê 🙂

Foto | Marco Ferraz

Você deve se lembrar: antigamente, qualquer viagem de avião era motivo para a família e os amigos irem em caravana ao aeroporto para despachar o passageiro. Viagens de avião não eram corriqueiras, e as passagens eram tão caras (sobretudo ao exterior), que só justificavam viagens mais longas. Viajava-se à Europa para passar trinta dias. Ou mais, até: férias se acumulavam, licenças eram tiradas para aproveitar melhor o investimento

(Quando fui pela primeira vez à Europa, há 32 anos, a passagem aérea a Madri custava 900 dólares e uma noite em albergue, 4 dólares. Hoje de vez em quando aparecem passagens com o mesmo preço de 1985, mas uma cama em hostel custa pelo menos oito vezes mais.)

Levar o viajante ao aeroporto não era só uma questão de consideração. Era saudade antecipada, mesmo. Viajar trinta dias significava ficar trinta dias praticamente sem comunicação com os mais chegados. Telefonemas eram feitos só em caso de emergência – a não ser que você recebesse a dica de algum um orelhão com defeito de onde se fazia ligação internacional com ficha local.

As notícias eram enviadas por cartões postais, e chegavam ao Brasil depois do viajante. Comecei a escrever sobre viagem no dorso de postais, durante um mochilão de quatro meses pela Europa. Comprava um bolo de postais, sentava num café e ia escrevendo minhas impressões sobre o lugar. Os melhores insights de um cartão eu acabava repetindo no cartão seguinte, e quando chegava no último postal, o texto estava tipo assim digamos quase praticamente ótimo.

Havia também a Posta Restante, algo que hoje só resiste naquele verso de ‘Futuros Amantes’, do Chico Buarque. Amigos e familiares podiam mandar cartas em seu nome para as agências centrais dos Correios de qualquer cidade. Sim: eu já fui à agência dos Correios no Louvre e perguntei: ‘Tem carta pra mim?’. (E tinha.) Em Amsterdã, recebi uma fita cassete com a voz da família inteira – e uma gravação, direto da TV, da Fafá de Belém cantando o Hino Nacional na reportagem sobre o funeral do presidente Tancredo Neves.

Hoje as pessoas pensam duas vezes antes de pegar trânsito ou encarar a muvuca de aeroporto. A falta de comunicação durante a viagem não existe mais: além de abarrotar o Facebook e o Instagram de fotos durante as férias, os viajantes hoje continuam 24 horas conectados ao WhatsApp. Ninguém mais espera que seus amigos se abalem até o aeroporto para se despedir. A não ser em situações especiais.

Pois bem, querida leitora, estimado leitor. Trouxe vocês até o aeroporto porque, depois de 8 anos, estou de partida deste espaço no Estadão. Preciso de mais tempo para meus projetos pessoais e, com tristeza, tenho que me despedir. Muito obrigado, não só pela companhia, como também pelos excelentes quebra-cabeças de viagem que vocês me deram a chance de solucionar. Me diverti muito e aprendi muitíssimo nessa convivência. E tenho certeza de que, como bons viajantes do século 21, vamos continuar em contato. Boas viagens!

Agradeço a Adriana Moreira, Mônica Nóbrega, Carla Miranda, Bruna Toni, Felipe Mortara, Bruna Tiussu, Camila Anauate e a todos os colegas do caderno Viagem que durante esses oito anos editaram meus textos com o maior respeito. Foi uma delícia trabalhar com vocês.

Leia mais:

Daniel Kondo

58 comentários

A última vez que fui ao aeroporto para uma despedida foi para embarcar minha filha, então com 16 anos, para fazer um intercâmbio. Hoje ela tem 32! A vida é assim mesmo: a gente vai, a gente volta, e escolhe o melhor caminho. Que seus leitores do Estadão sigam você por aqui, ora pois.

Riq,
Belo texto!
Voltei à década de 80 quando íamos levar e buscar meu pai que viajava bastante a trabalho.
Era mesmo um evento familiar e acho que daí que peguei o gosto pelas viagens e aeroporto.
Abraço.

É, meu amigo ( desculpe a intimidade) …

É a inexorável tendencia da perda de importância da grande midia para a valorização da geração de conteúdo proprio!
Não se sinta culpado, não: rapidinho os seus leitores off-line vão descobrir as vantagens de navegar aqui pelo VnV!!!

Bom, tenho certeza que os leitores do Estadão serão sempre muito bem vindos por aqui… Só vão perder contato se quiserem! 😉

Hoje fico triste e um pouquinho órfã. Despedida de aeroporto???? Ricardo…..já fiz tantos roteiros por vc.recomendado e agora???? Está saindo mesmo do Estadão?? Preparo minha próxima viagem pela Costa Amalfitana e Andaluzia , em setembro, totalmente fechada pelo seu roteiro. Me dê dicas de onde você estará para não perdê-lo de vista. Obrigada, muito obrigada, parabéns pelo trabalho e seja feliz!

Boa sorte! Saiba que sempre acompanharei suas dicas de viagem! Pois você nunca nos coloca em furada e dá dicas para os com grana e os sem grana, como é o caso de um professor com eu! Abraços e boa sorte nos novos projetos!

Que excelente texto! A Posta Restante é uma ótima lembrança, e me diverti recordando os orelhões alemães antigos, onde com uma moeda você tinha direito a no máximo 4 segundos de tempo, para informar à familia no Brasil que continuava vivo…
Sem Internet, a fonte de noticias sobre o Brasil era um Jornal do Brasil velho, com notícias de 10 dias atrás, surrupiado de lojas da Varig ou pedidos em Embaixadas brasileiras pelo mundo. E o vôo para Europa dos mochileiros era pelo 707 jurássico da Lineas Aéreas Paraguayas, rota Assunção-Madrid com uma escala sempre problemática em Dacar, no Senegal. É bom destacar que a criticada LAP nunca sofreu um acidente.
Enfim, vou sentir saudades da sua coluna do Estadão, onde utilizava meu enorme limite de ler 10 textos por mês. Muito sucesso nos projetos futuros!
Mas nem pense na possibilidade de deixar orfãos a todos os tripulantes que estamos por aqui, OK? Grande abraço!

    Neftalí, os projetos futuros são aqui mesmo no Viaje na Viagem, tô saindo do Estadão justamente pra ter mais tempo pra cá. Abraço!

    (Esse meu vôo de 1985 foi com a LAP, também. Na ida o itinerário era Assunção-Recife-Madri; peguei em Recife. Na volta foi Madri-Assunção-São Paulo.)

Perdem o Estadão e seus leitores. Mas continuamos conectados e acompanhando, aqui, as aventuras da boia mais querida do Brasil.

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