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Brazil com s: até quando o turismo brasileiro vai brigar com a língua inglesa?

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Dou início hoje à série de textos que prometi no fim da Olimpíada sobre como aumentar a participação do Brasil no trilionário mercado de turismo internacional — um mercado no qual, a despeito de todo o nosso potencial, somos deficitários: exportamos turistas e receitas. Em 2015, o déficit da balança comercial do turismo foi de quase 11 bilhões de dólares. É um ralo do tamanho dos gastos de infra-estrutura para realizar uma nova Copa do Mundo por ano (!) — mas entra governo, sai governo, o déficit se mantém inatacado, como se fosse apenas um problema de câmbio valorizado. Spoiler: não é.

Recapitulando: o relatório de turismo do Fórum Econômico Mundial de Davos classifica o Brasil como nº 1 do mundo em Recursos Naturais — e ainda assim o país é exportador líquido de turistas e receitas. Mesmo precisando muito dos empregos e das receitas gerados pelo turismo (vou repetir em todos os textos que o turismo é a única ‘indústria’ que ainda não se mudou para a China), o Brasil (e aqui me refiro tanto às autoridades quanto ao brasileiro médio) tende a achar que esse negócio de turismo é coisa de republiqueta das bananas. Como se o turismo não fosse fundamental para a economia de países como a França, os Estados Unidos ou a Itália.

Na minha opinião, o déficit da balança comercial do turismo só será revertido quando o Brasil mudar de postura e de estratégia de atuação.

Nesses primeiros posts, vou começar pela mudança de postura. O Brasil precisa deixar de sacrificar o turismo como bode expiatório para nossos problemas de auto-afirmação.

Hoje vou gastar bits para falar de um detalhe aparentemente micro, mas que é emblemático da sabotagem do turismo em nome de um chauvinismo raso. Afinal, por que gastamos o nosso pífio orçamento de promoção turística para brigar com a língua inglesa?

Ecuador, Uruguay, Perú, España, Algéria

Muitos brasileiros se ofendem com o fato de Brasil ser escrito com ‘z’ em inglês. Acham isso o cúmulo do imperialismo ianque — afinal, o que custa mudar uma letrinha só, que nem sequer vai afetar a pronúncia?

Só que:

  • 1) A língua inglesa não é propriedade dos ameri… perdão, dos estadunidenses. Foi inventada pelos ingleses, que por nossas bandas só têm interesses imperialistas nas Malvinas. Brasil passou para a língua inglesa com z porque um dia já foi escrito com z em português, mesmo.
  • 2) Em português fazemos exatamente a mesmíssima coisa com o nome de diversos países. O que custaria escrever Ecuador, Uruguay, Perú, España? (Não escrevemos Peñarol e Saens Peña?) É só mudar uma letrinha, que nem sequer afeta a pronúncia! (E a Argélia, coitada, que teve o ‘r’ e o ‘l’ trocados de lugar somente em português?)

Da mesma maneira que você não escreve Uruguay com i para humilhar os uruguaios, nem tira o acento agudo do Perú para exercer o imperialismo regional brazuca (alá!, brazuca com ‘z’!), o pessoal que escreve em inglês (seja como idioma nativo ou língua internacional) não grafa Brasil com z com o intuito deliberado de diminuir a nossa estatura na ordem internacional. 99,9% das pessoas que escrevem em inglês não sabem que Brasil se escreve com s em português. Assim como 99,9% das pessoas que escrevem em português não imaginam que Equador se escreva com c em espanhol.

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Os jornais escrevem Brasil com z.


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Os guias de viagem escrevem Brasil com z.


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O TripAdvisor escreve Brasil com z.


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O Itamaraty escreve Brasil com z!


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A Missão do Itamaraty na ONU escreve Brasil com z!


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Mas todo o nosso material de divulgação em inglês insiste no Brazil com s.

Por que diabos gastamos a nossa parca verba de promoção para propagar um ruído na comunicação?

Quer comprar essa briga? Compra direito[/titulo]

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Se ver Brasil escrito com z abala tanto o nosso moral, então que o país tome a iniciativa diplomática de requerer que o nome seja grafado da maneira que gostaríamos. Que seja feito via Itamaraty, que seja combinado com a imprensa.

Existem casos anteriores de sucesso. O Ceilão conseguiu mudar seu nome para Sri Lanka. A junta militar da Birmânia impôs Mianmar. A Índia convenceu o mundo a chamar Bombaim de Mumbai e Madras de Chennai. A China alterou todo o sistema de transliteração para o alfabeto romano, e os anglos toparam chamar Pequim de Beijing (eu, não!). Nesse instante mesmo a República Tcheca está oferecendo ao mundo uma versão mais sintética do seu nome: Tchéquia. Se vai pegar, só saberemos com o tempo.

(Eu poderia, de gozação, dizer que dava para aproveitar e requerer que a Academia Francesa institua Brasil no lugar de Brésil, que a Itália tire o e final de Brasile, que a Alemanha corte as três últimas letras de Brasilien… mas não vou zoar. Até porque ninguém se ofende com nenhuma outra alteração de grafia. O nosso fetiche é específico com o z, de onde emana nossa permanente humilhação internacional.)

É possível até usar a informação de que Brazil em português é com s como o gancho de uma campanha de promoção turística do Brasil (dá inclusive para fazer bem melhor do que aquela da Sadia). Mas veja: tem tanta coisa interessante que os visitantes potenciais poderiam ser informados sobre o Brasil, que gastar tempo e dinheiro com isso é um desperdício. Na boa: sai menos caro o governo pagar terapia pra todo mundo que se incomoda em ver Brasil escrito com z.

  • [titulo cor=”azul”]Por que algo aparentemente tão insignificante tem importância

Em primeiro lugar, porque inventaram um negócio chamado internet. E se você quer que o conteúdo que você posta na internet seja encontrado, você precisa usar as palavras usadas por quem busca. Quem usa a língua inglesa busca informações sobre Brasil com z. E o que a promoção oficial do Brasil faz? Escreve só Brazil com s. Nem a pretensão de marcar a posição da grafia portuguesa a gente consegue: se você não é sequer achado, como vai marcar qualquer posição que seja?

Veja o que acontece quando, seguindo o instinto de um viajante em potencial que procure informações do Brasil em língua inglesa, você digita visitbrazil.com na barra de endereços do navegador:

Brazil com s

O site oficial brasileiro se chama VisitBrasil.com, com s. Não tivemos sequer o tino de comprar os domínios de Brasil com z para poder redirecionar automaticamente para o nosso site. Todos, todos, todos os domínios com Brasil com z estão nas mãos de terceiros. Provavelmente porque, na época em que esses domínios foram lançados (.travel, .info, .tour) e eram baratos, achamos desnecessário e indigno nos curvarmos à grafia imperialista. E hoje continuamos sem comprar esses domínios porque, afinal, por que vamos usar nossa verba de promoção turística para reforçar nossos problemas de auto-afirmação? O déficit de 11 bilhões de dólares por ano na balança comercial do turismo é só um detalhe.

Busque Brazil travel info:
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Busque Brazil travel guide:

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Busque Places to visit in Brazil:


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Busque Brazil beaches:


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Busque Visit Brazil no YouTube:


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Mas OK: quando você busca “Visit Brazil” (em vez de preencher direto a URL na barra de endereço), o Google oferece o VisitBrasil.


google-visit-brazil

(Mas isso só acontece porque o VisitBrazil.com não tem conteúdo nenhum. Se alguém comprar o domínio Visit Brazil com z e encher aquilo de conteúdo, deve aparecer na frente do site oficial.)

Isso só não é trágico porque o nosso conteúdo online era tão ruim, mas tão ruim, mas tão ruim, que era melhor não ser encontrado mesmo. Mas as coisas ali no site estão melhorando (isso é assunto para daqui a uns três posts) e pode ser que em breve o conteúdo oficial brasileiro possa fazer uma diferença no planejamento de viagem de alguém.

(Mesmo que não faça diferença, é muito absurdão que o site oficial do turismo de um país sequer apareça na busca orgânica da imensa maioria dos termos básicos.)

De todo modo, como mencionei agorinha há pouco, já dá para notar uma evolução na administração do nosso conteúdo online. E parece que o novo responsável pela tradução já conseguiu ao menos emplacar a grafia ‘Brazilian’ (antigamente era ‘Brasilian’). No Facebook já dá até para ver uns ‘Brazil’ permitidos no texto.

Quando eu comecei em publicidade, na outra encarnação, falava-se muito em ‘camelo’. Camelo era “um galgo inglês desenhado por um comitê”, dizia o ditado — uma imagem que a gente usava sempre que a pureza (ou a lógica) de uma idéia era sacrificada para acomodar palpites conflitantes entre os técnicos e os que detinham o poder de aprovação.


Brazil com s

Brazil com s

Atualmente, o camelo do nosso material de divulgação é o seguinte: usamos um gentílico com z (Brazilian) derivado um topônimo com s (Brasil). Parabéns a todos os envolvidos!

Não é só um problema de internet

O Brazil com s em inglês não dá problema só no Google. O Brazil com s em inglês é um ruído na comunicação.

Eu admito que, para um certo tipo de público, esse ‘s’ em inglês transmita exotismo e charme, e o fato de insistirmos nele, apesar de contrariar a língua inglesa (e até por isso mesmo!) possa aumentar nosso apelo. Mas esse é o público mais fácil de convencer a vir para cá: é um público já convertido. São pessoas previamente influenciadas pelo carisma do Brasil em alguma outra área.

Trata-se de um público pequeno. Continuar apenas pregando para convertidos não vai fazer cosquinha no esforço de reverter os 11 bilhões de dólares por ano de déficit da balança comercial do turismo.

Para virar o jogo, o Brasil precisa conquistar corações e mentes mainstream. Não faz sentido começar esse relacionamento criando mais uma insegurança, ainda que subliminar, a respeito do Brasil — um país onde nem a ortografia parece funcionar.

A insistência no Brazil com s em inglês é prima-irmã daquele meme olímpico “Agora em Botafogo:”, que começou quando a menina postou no Facebook seu orgulho de não dar informação em inglês ao turista (mesmo sabendo falar).

O Brazil com s em inglês significa “não falamos nem queremos falar a sua língua”.

Significa “a gente é diferente, suas regras não valem aqui”.

Significa “o nosso jeito é assim mesmo, adapte-se se quiser vir”.

Tudo isso é verdade, eu sei, mas tem coisas que a gente não usa em publicidade…

Aproveita que ninguém tá vendo e muda

Não é só mudar o s do Brasil em inglês.

Se queremos mesmo conquistar corações e mentes de um público não-convertido, para reverter o déficit de 11 bilhões de dólares por ano da balança comercial do turismo, podemos começar adaptando a marca Brasil aos idiomas de quem pode nos visitar (dei oitenta mil buscas no Google Images e só achei a versão em português).

Um cartaz do Brasil na Itália será mais efetivo se for assinado pela marca Brasile. Na Alemanha, uma campanha assinada Brasil atingirá menos pessoas do que uma assinada Brasilien. Holandeses se sentirão ainda mais bem-vindos se o nosso material promocional vier com a marca Brazilië.

Alô, Embratur: cria e põe no ar esse monte de adaptações ao mesmo tempo, que eu garanto que não vai pegar mal. Ninguém vai notar. Até porque — ninguém tá vendo.

Mas não tá vendo mesmo:

O SimilarWeb é um site que mede extra-oficialmente a audiência de qualquer site. Não tem a eficácia do Google Analytics (cujas informações de audiência só são reveladas ao dono de cada site), mas pelo fato de usar o mesmo método para toda a web, permite que se faça comparações confiáveis.


Brazil com s

Segundo o SimilarWeb, o VisitBrasil.com teve, no mês de agosto, 37 mil visitas.


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Já o Peru.travel teve… 486 mil visitas.


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E o Australia.com… 1.300.000 visitas.

(Seguidores no Instagram: @VisitBrasil 50K, @Peru 105K, @Australia 2.3M; Facebook: VisitBrasil 400K, VisitPeru.br 1.4 M, Australia.com 7.2 M).

Ou seja: essa campanha para mudar a grafia de Brasil em inglês e resolver um de nossos maiores problemas de auto-afirmação, usando apenas as nossas plataformas de de promoção turística, não está dando muito resultado não.

E a propósito: nosso site de promoção mais bem-feito (disparado!), o Visit.Rio (409.000 visitas em agosto), em sua versão em inglês usa… Brasil com z 🙂


O blogueiro avisa:

  • A série está só começando e vai longe, sem pressa. Só posso escrever sobre o assunto nos fins de semana para não prejudicar a produção de conteúdo do site. Aviso que não vou debater pela caixa de comentários, pelo menos não antes de completar todo o raciocínio. Desculpe e obrigado.

Leia mais:


Turismo depois da Olimpíada

40 comentários

Fantástico e meio deprimente o seu texto Ricardo. Como estrangeira e amante incondicional do meu pais adotivo Brasil/Brazil (ou o que seja), nunca entendi a pouca importância dada a turismo como fonte de renda e gerador de empregos além de tudo mais. Nunca vi um pais com tantas lindas praias, montanhas, parques nacionais, flora e fauna, além de uma fantástica historia e cultura que parece não ter o mínimo interesse em divulgar os mesmos nem para brasileiros nem para estrangeiros. Vou seguir com esta bonita batalha (de divulgação do Brasil) desde Londres, porque aqui as pessoas apreciam a beleza do trabalho e dão apoio. Já estou cheia de saudade (mais uma coisa que só Brasil tem) mas assim é. Vai Ricardo. Eu também torço para você como Ministro de Turismo.

    Alison querida, por favor não me deseje coisas desagradáveis assim 🙂

    Acho que depois de desperdiçar Copa e Olimpíada no marketing do turismo, e com a necessidade de buscar receitas para sair da crise, chegamos a um momento em que talvez a opinião de pessoas como você e eu seja ouvida. Aquele ministro Vinicius Lages, de breve passagem, já falava coisa com coisa — e o presidente da Embratur Vinicius Lummertz, que também trabalhou no governo anterior, já soa mais lúcido (de vez em quando eu até acho que eles me lêem, haha). Mas não é só o governo que tem que evoluir — o brasileiro médio precisa deixar de confundir marketing turístico profissional com humilhação internacional.

    Aliás, que interessante que o seu site, o mais eficiente, mais citado e melhor ranqueado no Google sobre pousadas brasileiras, tenha como URL https://www.hiddenpousadasbrazil.com — com z! Por que será?

    🙂

    Bjs, saudades!

Ricardo, sou teu fã de carteirinha. Simplesmente fantástico esse teu texto. Também acho que vc deveria ser Ministro do Turismo! #MovimentoRiqPraMinistroJa kkkk.

Como muitas coisas, tudo volta ao nosso ‘medo do imperialismo’.
Só pensar no ridiculo de pintar as impressões digitais duzamericanos.

Sou formada em Turismo pela ECA-USP em uma graduação cujo foco é o planejamento turístico. NUNCA trabalhei na área simplesmente porque não há demanda governamental (em todas as esferas) para profissionais capacitados a pensar destinos turísticos. A barganha política que ocorre a cada troca de ministro do Turismo é um reflexo fiel da total falta de interesse em desenvolver esse segmento da economia. Como se cachoeiras e praias se vendessem sozinhas…

Excelente, como sempre! Ricardo, você devia ser Ministro do Turismo, mas nós, seus seguidores fiéis, ficaríamos orfãos…

Ricardo, estás coberto de razão!!!! Os brasileiros tem uma espécie de “ranço” contra os ameri…ops! estadunidenses, como dizes! Acham que não temos que nos submeter a falar a língua deles (que não é exatamente deles…hoje é padrão no mundo) , que eles que aprendam a falar português e mais um monte de bobagens.
Atraso!!!! Ranço! bobagem! E ainda implicam porque alegam que os americanos pensam que o Brasil (com s) fica na Argentina – porém muitos nem sabem qual a capital dos EUA quando alegam isso…
Continue dando tuas opiniões. Quem sabe um dia também teremos hordas de turistas para engordar nossa economia e promover nosso lindo (e perigoso -falta segurança) país pelo mundo?

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