Byron (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

ilustração: Daniel Kondo

Ilustração | Daniel Kondo

Árvores demais já foram abatidas e muita tinta desperdiçada por gente que teima em explicar a diferença entre turistas e viajantes – duas palavrinhas que eu entendo como perfeitamente sinônimas.

Se você espremer, sai sempre a mesma coisa: turistas são todos os que viajam pior do que a pessoa que assina. Trata-se do mesmo processo de abstração que usamos ao nos referir ao povo brasileiro: o povo brasileiro são sempre os outros. Os turistas também.

Lamento informar, mas quem sai de casa com dia marcado para voltar e intenção de se divertir e tirar fotos não pertence a nenhuma categoria especial de iluminados com direito a pulseirinha vip. Isso se chama férias, lembra? Se houvesse diferença entre turista e viajante, o viajante não sairia de férias. Abandonaria tudo em busca do sentido da existência ou do desaparecimento dos fundos da sua conta bancária (o que viesse primeiro).

A propósito, o termo “turismo” tem uma origem nobre. Literalmente. No início do século 19, ficou em voga entre os filhos de aristocratas britânicos fazer um giro pela Europa mediterrânea. Essa viagem ficou conhecida como o “grand tour”.

Entre os grão-turistas originais, poucos aproveitaram sua viagem tanto quanto Lord Byron, que escreveu sua obra-prima, “A Peregrinação de Childe Harold”, inspirado pelo périplo.

Os filhinhos de lorde de antanho não anteciparam apenas os roteiros que seriam massificados pelos plebeus. Inauguraram também alguns comportamentos turísticos que hoje execramos.

Vi semana passada. Uma pilastra do calabouço do castelo suíço de Chillon, em Montreux, às margens plácidas do lago Léman, guarda até hoje o nome do jovem Byron, grafitado a canivete.

Byron em Chillon

Centenas de turistas que chegaram depois dele também deixaram seu autógrafo não solicitado na pilastra. E continuariam deixando, caso a prática não tivesse sido banida, ali ou em qualquer monumento devidamente vigiado.

A diferença é que o graffiti de Byron está protegido por um vidro espesso que acaba lhe servindo de moldura. Quem se acha um grande viajante talvez desdenhe. Mas para mim, que sou turista, foi mais bacana do que ver a Mona Lisa.

A rede AccorHotels.com apoia essa temporada do VnV na Europa.

A Mondial é a seguradora oficial dessa viagem.

Leia também:

Uma tarde no Château de Chillon, em Montreux

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14 comentários

«A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa.

Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.

É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.»

José Saramago

Muito legal! Na Pont du Gard, perto de Avignon, também tem uns ‘vandalismos’ tipo esse, que datam de 1800 e pico… talvez não sejam de vândalos tão ilustres como o Byron 😉

Mesmo sem deixar as minhas marcas pelos monumentos, eu sempre serei turista. E adoro isso. Quer coisa melhor do que usar o mesmo jeans por uma semana e pensar, dane-se, ninguém me conhece mesmo?

Turista, viajante, mochileiro…. tanto faz. O que vale é pegar as malas e se divertir, seja na Estatua da Liberdade, seja num bistrozinho secreto que só você conhece…

O castelo e seus prisioneiros inspiraram uma das obras de Byron: O prisioneiro de Chillon. Adorei a crônica! Muitos se denominam viajantes especiais, mas no fundo, todo mundo faz a mesma coisa de maneiras diferentes e acabam sempre nos mesmos lugares. A Gioconda que o diga!

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