Cognatos (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração: Daniel Kondo

Ilustração | Daniel Kondo

Durante muito tempo eu achei que falar portuliano seria tão fácil quanto arranhar um portunhol. Agora que estou há quase um mês na Itália, no entanto, minha teoria escorreu pelo ralo.

Conhece a história dos falsos cognatos? Palavras de idiomas diferentes que parecem ter a mesma origem, mas significam coisas completamente distintas? O italiano está cheio delas. E não falo só de “morbido” (macio) ou de “sinistra” (esquerda). A coisa é muito mais grave.

Veja bem: “Pullman”, em italiano, não é pão de sanduíche. É ônibus!!! As calçadas de Veneza vivem sujas porque aqui “vaporetto” não é um poderoso aspirador a jato d’água, e sim um mero barco que opera o transporte público.

E “Cornetto”, então? “Cornetto” é o fim da picada. Se você parar em frente a uma sorveteria na Itália e começar a cantar “Dááááááááá-me um Corneeeeeeeeeeeeeetto”, o máximo que eles vão te dar é… um croissant, caso haja um à mão. Um croissant! Se você resolver continuar até o terceiro verso, “É da Gelato”, talvez eles entendam que você quer um sorvete de casquinha. Mas perceba como se trata de um idioma defasado: em italiano “gelato” ainda não virou “kibon”!

Não que o português não tenha suas esquisitices. Deve ser difícil para um estrangeiro entender que “pois sim” significa “pois não”, “se dar bem” equivale a “se dar mal” e “pra variar” quer dizer “pra não variar”.

Mas pelo menos aí existe um padrão. O aprendiz entende que em português a gente sempre diz o contrário do que quer expressar. “É pra já” significa “vai demorar”, “aparece lá em casa” quer dizer “nem se atreva” e “me liga” já aciona automaticamente o correio de voz.

Viale Cesare Battisti???Já o italiano é dúbio. “Ciao” significa tanto “oi” quanto “tchau”. “Prego” pode querer dizer “por favor” ou “de nada”. Como assim? Tudo é tudo, nada é nada. O que será que a moça realmente quis dizer quando me deu “buongiorno”?

E por que Cesare Battisti é nome de rua em toda cidade por onde passei? Fui à Wikipedia e descobri que, em italiano, Cesare Battisti significa tanto terrorista quanto herói italiano do começo do século passado.

Se bem que, em português, Orlando Silva quer dizer…

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37 comentários

E servizzi que eu achava que era a área de serviço dos restaurantes mas significa toilette! Um mico!

    Meio fora de moda usar isso. Vem de servizzi igienici. Hoje em dia usa-se bagno ou toillete para se referir ao banheiro.

Uma certa feita, quando um senhor italiano me chamou de “squisita”, fiquei chateada, afinal, eu sempre o tratava com gentileza.
Depois, minha irmã que havia morado na Itália me falou que significava, entre outros, “gostosa”….
Ganhei o dia !

E piu, que é o apelido de um amigo meu, é mais. E mai não significa mais mas sim NUNCA. E squisíto, assim como em espanhol, não quer dizer esquisito porém delicado ou delicioso.

ai ai…toda vez que alguém me cumprimentava com ciao eu dava tchauzinho….

mas a gente se vira…num enrolês msm…rs

Exemplos excelentes! Já tive problemas com falsos cognatos Portunhol, Espanglês, Portuliano, Portinglês e até entre alemão e inglês, nem sei como chamar este!

Ah, pois, pois… até parece que o português do Brasil não está cheio de rasteiras.

Em lojas do Rio, os empregados diziam-me sistematicamente “ói” várias vezes seguidas (a que eu respondia de novo educadamente “bom dia” ou “boa tarde” e “olhe, se faz favor” [deve ser lido à pressa e à portuguesa]). Nem as novelas me salvaram. O “ói” não era um cumprimento, como sempre pensei, e sim “pode repetir?”
E por falar em “prego” – no Brasil tb é bife de vaca no pão, como por cá?
A parte final da mensagem é uma dica para o Ric e para a Bóia, sobre uma notícia da Wallpaper sobre Portugal.
https://fugas.publico.pt/Noticias/295600_as-20-razoes-para-estar-em-portugal-segundo-a-wallpaper?pagina=-1

Coloquei-a aqui para não ficar perdida, mas pode ter informações giras para serem dadas na pasta de Portugal.

    Isabel. Que eu saiba, por aqui, prego não é bife de vaca .Também não é comum falar bife de vaca. Em geral ,usamos só bife – já se entende que é carne de boi. Carne vermelha e/ou carne de boi são expressões comuns; mas carne de vaca, não. Talvez pelo costume de se abater mais os machos, as femeas ficam como matrizes de bezerros e ,em algumas raças, para a produção de leite.

Ótimo artigo, Ricardo! 🙂 Lembro quando fui numa pizzaria em Roma, tentei me comunicar com o garçon em italiano mas não deu certo. Decidimos falar em inglês e pedi uma pizza de pepperoni… qual não foi a minha decepção na hora que vi chegar uma pizza que só tinha pimentão e nada de calabresa!!

    Ricardo, como sempre ensinando um monte! E de maneira divertida! Ana, obrigadíssima pelo teu comentário: vou p/ Roma em uma semana e tenho pa-vor 🙁 de pimentão, argh, argh! Como seria calabresa, então, gente?

Ish, a lista é longa: “Baffo” significa bigode e “burro” é manteiga! E “fede” é tão simplesmente “fé”. :mrgreen:

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