Como nascem as viagens 1

Como nascem as viagens

Petra

(Reciclado do Viaje na Viagem de papel)

À primeira vista, a coisa funciona como numa corrida de espermatozóides de comercial de TV. Milhares de sementinhas de viagens estão prestes a sair em disparada para ver qual consegue fecundar as suas férias. Cada uma contém uma viagem distinta, de características únicas. Todas enfrentam um mesmo obstáculo: a incrível lentidão do ciclo de produção de férias. Indivíduos adultos que trabalham, coitados, não têm mais do que 30 dias férteis para viagens durante o ano – fora um ou outro espasmo em feriadões e fins de semana.

À diferença dos espermatozóides, que gozam – perdão – de uma certa igualdade social, as viagens obedecem a uma hierarquia fortemente estabelecida. As mais poderosas acabam determinando as feições das férias de populações inteiras.

Algumas delas – as clássicas: à Europa, às Pirâmides, a Foz do Iguaçu, ao Taj Mahal – são tão antigas, que já vêm impressas no DNA de qualquer candidato a viajante. Outras viagens, de tão repetidas, acabaram incorporadas à cultura específica de povos, tribos e bandos: a migração para o litoral no verão e para a serra no inverno, a lua-de-mel em Veneza (ou em Poços de Caldas), os ritos de iniciação à Disney e a Nova York, o réveillon na praia da hora da Bahia. Existem também as viagens que não são ditadas pelo instinto nem pelo meio ambiente, e sim pelo mercado: de repente desencavam um destino, inventam um pacote, convidam dez jornais e revistas para colocar o lugar no mapa e, quando você percebe, está quase embarcando. Todas essas viagens têm algo em comum – foram concebidas à sua total revelia.

Além delas, ainda existe uma outra categoria, que oferece um infinito de possibilidades: as viagens que nascem inteiramente na sua cabeça. Se bem que… conceber é uma coisa. Dar à luz são outros quinhentos (reais, dólares ou euros – você decide).

Olhando sob um ponto de vista prático, toda viagem que consegue efetivamente vir ao mundo é fruto do relacionamento – passageiro, por definição – entre Tempo e Dinheiro. Às vezes o Tempo fica aí, sobrando, mas quem diz que o Dinheiro comparece? Outras vezes (mais raras, vamos ser sinceros), o Dinheiro está fogoso e cheio de idéias, mas o Tempo diz que está com dor de cabeça e se vira para o lado. Quando acontece de Tempo e Dinheiro se encontrarem dispostos e cheios de amor para dar, então o negócio é caprichar na música, na iluminação e no cardápio, para que dali nasça a melhor viagem que o seu tempo e o seu dinheiro possam encomendar.

Não que tudo precise ser assim tão papai-mamãe. Alguns dos melhores viajantes do mundo – os mochileiros, os aventureiros e toda a admirável cambada de vagais itinerantes – costumam ter muito tempo e quase nenhum dinheiro. (Por outro lado, uma ínfima minoria consegue fazer viagens em que a escassez de tempo é compensada pelo excesso de dinheiro. Mas como não é o meu caso e também não deve ser o seu, vamos prender este comentário entre parênteses.) Para nossa felicidade, ueba!, o encontro entre Tempo e Dinheiro só é necessário para deslanchar os procedimentos finais. Uma viagem pode (deve!) ser gerada muitíssimo antes de você saber quando o seu tempo e o seu dinheiro vão poder sair de férias juntos.

Voltemos, pois, às circunstâncias da concepção. Viagens podem ser desejadas ou indesejadas. (Podem ser abortadas, também.) Podem ser arranjadas. Podem ser adotadas, podem ser clonadas ou mesmo roubadas. Podem ser prematuras. Viagens podem até ser gêmeas (junte duas viagens numa só, e você saberá do que estou falando).

A viagem mais risonha e mais parecida com você, não há dúvida, é aquela que você concebe num acesso de curiosidade, euforia e rendição que um escritor mais romântico talvez descrevesse como “paixão”. Nada se compara àquela viagem que você engravida de uma foto, de um filme, de uma comida, de um pensamento que passou perto. A gestação pode durar meses, anos, décadas – até você conseguir que Tempo e Dinheiro se encontrem para os finalmentes. Mesmo se demorar uma eternidade, não importa. Pode ser que você não tenha saído do lugar, mas seu pensamento já embarcou.

Uma coisa é você viajar a Paris porque precisa ter o carimbinho da aduana francesa no seu passaporte. Outra coisa é você ir a Paris porque não pode mais viver sem saber o que é atravessar o Sena pelo Pont-Neuf, entrar na fila do sorvete de casquinha na île Saint-Louis ou pedir um expresso no café onde filmaram Amélie Poulain.

Num primeiro momento, as viagens que nascem na sua cabeça têm exatamente esse mérito – o de dar um significado pessoal a viagens que todo mundo faz. Num estágio mais avançado, as viagens que nascem na sua cabeça acabam levando você a cantos do Brasil e do planeta que não estão no mapa dos outros.

Clássicos serão sempre necessários. As viagens que todo mundo faz na mesma hora têm o seu porquê. E nem todo destino novo é marketing puro. Mas quando você perceber que uma viagem diferente das de todo mundo se instalou na sua cabeça, trate dela com carinho. Vá atrás de informações. (Você vai descobrir que muita gente já teve a mesma idéia.) Espere a hora certa. E vá.

Muita gente vai estranhar. Mas quando você voltar e mostrar as fotos, todos vão concordar: essa viagem é a sua cara.

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45 comentários

Fantástica reflexão.
Ótima maneira de se encantar com uma viagem.
Deu vontade de programar a próxima com outra ótica, outra visão, de curtir o planejamento e o sonho tanto quanto a viagem.
Muito bom texto.

Texto maravilhoso! To toda chorosa aqui só de penser como minha prox eurotrip será só em maio. Tenho muito dinheiro e tempo pra contar….

Acho que queria a vida de vocÊs… viver disso… Fui querer ser estatística….

Simplesmente Maravilhoso. Esse texto, sim, é uma Brastemp.

Vou guardar e ler sempre que o tempo, ou o dinheiro, insistirem em sair de cena.

Ricardo e Boia, desculpe se o assunto já foi abordado em algum comentário (não consegui ler todos!), mas vcs têm alguma consideração a fazer sobre fazer um pré-pago em empresa no exterior (não abrir um conta em um banco, só fazer um cartão pré-pago, numa casa de câmbio ou em alguma empresa especializada). É viável? Acham que vale a pena? Na Veja dessa semana apareceu uma nota bem pequena comentando sobre isso e fiquei curioso (espero que dessa vez não tenham tirado a nota daqui tb… hehehehe).
Obrigado!
Abcs!

Quase chorei com esse texto! Eu vivo “grávida” de viagens! Mal volto de uma e já estou planejando a próxima.
E toda vez que estou planejando uma viagem, a música que vem a minha cabeça é:
“E o pensamento é o fundamento
Eu ganho o mundo sem sair do lugar
Eu fui para o Japão
Com a força do pensar
Passei pelas ruínas
E parei no Canadá
Subi o Himalaia
Pra no alto cantar
Com a imaginação que faz
Você viajar, todo mundo”

Assim como a Erika, atualmente fiquei grávida de trigêmeos, mas perdi 2 filhos e tive que escolher apenas um deles! =)

Vou para Punta Cana em abril, mas antes de realmente tomar a decisão e comprar as passagens, eu já estava planejando uma nova viagem a Europa e também para Cancun. “Viajei” para esses lugares sem sair do meu lugar, meu coração já disparava só de pensar em estar em Paris novamente, conhecer Amsterdam e Barcelona, mas depois de tanto tempo sem caribe(fui em LRoques em 2011) meus olhos pedem um mar azul bebê e uma água calma e quentinha.

Gosto tanto de uma praia, que quando estava na França fui a Nice pensando em terminar meus dias de férias pegando uma praia(já que era verão). Que decepção! ;( A praia é sim bonita, mas a água extremamente gelada, nem com o calor que fazia era possível suportar aquela água. rs Além de tudo, era muito caro, só pra sentar nos cobravam mais de 20 euros.

Minha viagem para a Itália foi a gestação mais longa, nem sei desde quando eu tinha vontade de conhecer, e na época parecia impossível, principalmente financeiramente, já que os preços de passagens áereas há alguns anos atrás eram exorbitantes. Quando tive a oportunidade e comprei as passagens, mal conseguia dormir de ansiedade nos 4 meses que faltavam para a viagem. E quando pisei naquela terra tinha aquela sensação de déjà vu em vários lugares.

E quando você tem MUITA vontade de alguma coisa não dê ouvidos a outros viajantes que foram e não gostaram, você tem que ir e comprovar você mesmo. Assim foi com Veneza para mim(alguns amam e outros odeiam) e eu ouvi muitos relatos de “ódio” em relação a Veneza. Para mim foi incrível, além das minhas expectativas. E mesmo com todos os aspectos negativos que estamos sujeitos a passar em vários lugares(atendimento ruim, pessoas grosseiras), nada disso foi capaz de estragar a minha viagem. Pisar meu pezinhos em Veneza, andar por suas vielas ouvindo música fez eu me sentir dentro de um filme antigo. =)

E Paris por incrível que pareça não era um lugar dos meus sonhos, principalmente por sempre ver/ler tanta coisa sobre a Torre e pontos turísticos, mas sou eternamente grata a meu marido, que me obrigou a passar por Paris na nossa viagem para a Europa. Gostei tanto daquele lugar que não queria mais ir embora, pelo contrário, só aumentou minha vontade de ir lá mais vezes, simplesmente pelo fato de ter amado andar por aquela cidade. Eu viajo e me emociono novamente só de pensar em voltar lá e poder ficar o maior tempo que eu possa ficar!=)

Viajar é a melhor coisa do mundo!
ps: me empolguei no texto, imagina o quanto eu não viajo na viagem de verdade.

Muito bem texto ,mas no quesito : Tempo Dinheiro eu adicionaria Companhia.Complicado pra quem é SEX agenária e sozinha.

Meu marido costuma dizer que tenho “ejaculação precoce”…Quando estou voltando de uma viagem, ainda no aviao, ja estou tentando convence-lo de “uma viagem maravilhosa para tal lugar”, que, ou ainda nao conhecemos, ou quero retornar pq amei ter estado lá…
Assim se pari uma nova viagem! Se nao sonharmos, nao planejarmos, voltamos à rotina da vida e do trabalho e quando nos damos conta o tempo passou e a gente simplesmente nao foi!
A vida e a grana são curtas mas o mundo e o prazer de viajar sao ENORMES…!!!

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