De Canavieiras a Belmonte, pelo delta do Jequitinhonha

No estuário

O objetivo do meu périplo de ônibus pela Bahia era esmiuçar as conexões pela Costa do Dendê, entre Salvador e Itacaré. Depois de começada a epopéia, no entanto, eu me lembrei um passeio um pouco mais ao sul que eu nunca tinha conseguido fazer por estar sempre de carro nas minhas andanças baianas.

Falo da travessia de lancha voadeira entre os antigos centros cacaueiros de Canavieiras e Belmonte, pelos canais e igarapés que ligam o rio Pardo, em Canavieiras, ao Jequitinhonha, que deságua em Belmonte. Não há balsa para fazer a travessia; quem está de carro precisa dar a volta até a BR 101 e voltar à costa por Eunápolis e Porto Seguro.

Só com uma maletinha e as duas bolsas de equipamento, eu estava suficientemente leve para seguir viagem pelo estuário. Peguei um ônibus de Itacaré a Ilhéus (1h30 de viagem), esperei uma hora na rodoviária, então peguei o primeiro ônibus a Canavieiras (2h50h de viagem). Cheguei ao entardecer.

Canavieiras: pracinha próxima ao porto

Fui arrastando minha malinha da rodoviária ao porto (uma caminhada e tanto; se me lembrasse como Canavieiras era grande, teria pego um táxi) na esperança de combinar a travessia para a manhã seguinte. Quando eu estava me aproximando do cais, um homem já veio em minha direção, perguntando: “Belmonte?” Eu disse que sim, e ele já foi informando: “Amanhã, 6h30 aqui”. Me deu um cartãozinho.

(Na época, custou R$ 20. Em 2022, a passagem está R$ 35.)

No centro histórico de Canavieiras

Canavieiras foi uma cidade riquíssima no auge do cacau. Mas hoje ainda aparenta alguma prosperidade. O centrinho comercial é movimentado, e o centro histórico limpo e, no geral, muito bem conservado. (O casario principal foi restaurado no fim da década de 90 pela Bahiatursa.) A cidade é pólo de pesca oceânica — a região é uma das melhores do mundo para pescar marlim azul — e atrai brasileiros e gringos endinheirados (alguns acabam ficando).

No portoNo portoNo porto

À noite jantei na beira-rio, onde há vários restaurantes (e onde se ouve bastante alemão). Às 6 da manhã eu já estava fora da pousada, para fazer essas fotinhos da cidade. No porto, o dono da minha lancha já estava lá, mas os outros passageiros, ainda não. A maior movimentação era de uma superlancha de pesca que estava sendo carregada com gelo para uma saída.

Pesca oceânica x lanchas de passageiros

A balança do porto

A travessia pelos canais só pode acontecer durante a maré alta. Por isso o horário tão cedo: naquele dia o auge da maré alta seria às 7h30, e a lancha ainda teria que voltar a Canavieiras na mesma maré.

Quando embarquei, estava um pouco arrependido de não ter conversado mais com o cara que me atendeu no porto. Será que, fazendo a travessia de passageiros, eu veria a paisagem mais bonita? Será que eu passaria por trechos realmente estreitos, por igarapés? Não teria sido melhor eu fretar uma lanchinha só para mim e pedir um passeio com tudo a que eu tinha direito?

Saindo...

Agora era tarde. E o começo da travessia não era animador: um rio largo, como qualquer outro que eu já tivesse navegado nesse Nordeste em direção a alguma ilha ou praia.

Na direção contrária

O início da travessia

Mas então, lá pelos dezoito minutos do primeiro tempo, os canais começam a se estreitar.

Afinando...

Afinando...

E então, mais adiante — sim! Me senti no passeio que eu queria fazer.

Estreitou!

Cuidado com a cabeça!

Estradinha boa...

É um deslumbre. A viagem leva uma hora, mas em nenhum momento você se cansa de contemplar o manguezal e ficar curioso com o que vem depois da próxima curva.

O mangue

E daí apareceu o solzinho

Claro que deve haver passeios específicos ainda mais impressionantes, que se embrenhem ainda mais pelas ilhotas — mas adorei saber que essa é a paisagem básica que enfeita o caminho da senhorinha de Canavieiras que vai visitar a prima em Belmonte. Nem no Rio de Janeiro fazem linhas de transporte coletivo tão bonitas…

O mangueO mangueO mangue

À medida que nos aproximamos do Jequitinhonha propriamente dito as águas vão se tornando mais barrentas. Os últimos cinco minutos transcorrem já no rio largo, com a beira-rio arborizada de Belmonte se aproximando lentamente.

Chegando em Belmonte

Chegamos, paguei meus 20 reais, a senhorinha também. Não apenas fiz o trajeto dos moradores, como me cobraram igual 😎

Belmonte

Belmonte é menor e bem mais pacata do que Canavieiras. É uma cidade isolada: não há ligação asfaltada com a BR 101 (é preciso atravessar a balsa do rio João de Tiba para ir a Cabrália e Porto Seguro, e daí sim ir a Eunápolis), e não há os sinais exteriores de riqueza e renovação recente que se vê do outro lado do estuário. Mas é uma cidade que tem aquela beleza melancólica dos lugares que decaíram mas não se corromperam. É uma cidade que dá vontade de adotar; não há quem não fale com carinho de Belmonte.

Belmonte

Não pude ficar muito. Ou eu pegava o ônibus das 11h50, ou depois só o das 16h20 — e tinha trabalho para terminar.

Mas no fim declarei missão cumpridíssima. Não acredito que exista no Brasil outro passeio tão bonito que possa ser feito por 35 reais (preço de 2022).

111 comentários

Diga se não é maravilhoso ser filho de Canavieiras, essa terra encantadora? Vc sabia que Canavieiras era chamada de: a Rainha do Sul? foiu em Canvieiras que fai plantado o primeiro pé de cacau (cacaueiro) na Bahia? O local onde foi plantado esse cacaueiro se chamava Fazenda Cubiclo e quem o plantou foi Antônio Dias Ribeiro. As Cidades de: Camacan, Mascote, Snta Luzia, Pau Brasil e Potiraguá foram desmembradas de Canavieiras? Vc sabia que em canavieiras mora um ex-Governador da Bahia e que um juiz de canavieiras foi Ministro e Presidente do Supremo Tribunal Federal (Min. Aliomar Baleeiro)Sabia ainda que Canavieiras foi a maior produtora de diamantes do Brasil. Canavieiras tem uma história lindíssima. Falaram da festa de São Boaventura, esqueceram de falar da festa da Capelinha no Ano Novo, onde as moças ficam rodando a Praça e os rapazes ficam observando até dar o bote na que lhe interessa. Além do serviço de som (auto falante) que recebe dedicatória para música ser endereçada à alguém que está ali na Praça. Uma das dedicatória (tem muitas) diz assim: alô, alô, fulano de tal, assim como os pássaros tem asas para voar, eu tenho um coração para lhe dar!!! C A N A V I E I R A S terra M A R A V I L H O S A. Quero aproveitar para mandar um abraço para Zairo Loureiro (Prefeito), Perrucho (jornalista dono do jornal Tabú, Raimundo Sena (Raimundão)e Nego Paulo (figura folclórida de Canavieiras. Emfim, um abraço apertado em todos os Canavieirenses.

Olá Ricardo, sou seu ouvinte de todas as manhãs da Band News FM. Só uma curiosidade: Vc passa o ano inteiro só viajando (que servicinho xato né?), mas de onde vem este patrocinio? rs.. Ou vc vende matérias?

    Paulo, o site tem dois patrocinadores-master, Hoteis.com e Gol. Algumas viagens são parcialmente feitas com convites, mas sempre há algum investimento do blog. Não há matérias pagas. Os posts patrocinados são claramente assinalados e fazem parte do contrato dos patrocinadores, apenas.

Olá pessoal;
Já fiz este passeio de Belmonte à Canavieiras e vice-versa. Realmente é deslunbrante a paisagem e as aves que se pode ver. Atualmente existe em construção uma via de acesso de belmonte à Canavieiras, porém será em parte uma travessia de balsa. morei em belmonte por três anos e fiz bons amigos lá. toda opertunidade que tenho vou visitar a cidade e rever os amigos. Moro em Salvador e não vejo a hora de mudar-me novamente para o sul do estado, pois a qualidade de vida é outra.

pois e galera eu sou de belmonte, e sei que essa região e muito linda mesmo, pena ñ temos infraestrutura na cidade. mais garanto quem vem não deixa de voltar, pois ñ temos pousada cinco estrelas mais temos muitas outras coisas belas , espero que algum dia vcs venham conhecer essa linda cidade .. abraços de um morador que ama sua cidade

Aprocveito também para mandar um abraço para Mauro Gottardi, que mora em canes desde 2001. Grande marujo, pescador de Marlin nesta linda cidade. valeu.

Adorei sua matéria. Me deu uma saudade…

Venho de uma família tradicional de Belmonte, onde tenho casa e parentes, mas nunca havia feito este passeio. Há cerca de 12 anos, fiz uma matéria para a revista Geográfica Universal, da Bloch Editores, percorrendo este caminho fluvial encantado, que parece mesmo intocado, original. Dempsey Gaspar era o fotógrafo – numa era pré-digital, usando ainda filme 35mm. Consegui alugar baratinho o barco para ficarmos com ele o dia todo. Seria o ideal, para você melhor explorar recantos incríveis! Dos igarapés às largas enseadas (que surgem de surpresa), onde “touceiras” de ostras se amontoam quase nas raízes dos imensos pés de mangue, fotografadas do barco sobre as águas transparentes, como num aquário. Pássaros e todas as qualidades de caranguejos, siris, guaiamus, aratus pintam por todo lado no percurso. Há também curiosidades: sítios de areias alvíssimas, imprensados entre o mar e o mangue, com saída para ambos. Num deles, criam-se jacarés! E tem a singela comunidade do Peso, onde até hoje se fabricam artesanalmente maravilhosos beijus de tapioca e puba, embrulhados em folhas de bananeira e de patioba, atividade que entrega as raízes indígenas de seus habitantes.
Vale repetir a aventura, com mais calma.
Abraços!

Belmonte é realmente um lugar impar.
Mantem alguns dos antigos casarões da epoca áurea da grande riqueza que foi o cacau.
É uma cidade pacata e plana o que fez ,quando fui pela primeira vez, meus filhos ainda pequenos adorarem. Tinham liberdade de passear o dia inteiro de bicicleta. Tem um povo hospitaleiro, o que proporcionou que eles logo fizessem amizade e se enturmassem com a galera local.
O passeio até Canavieiras é realmente divino. Quando o fizemos até peixes pulavam aos montes na frente da “voadora”, sendo que dois cairam dentro do barco.
Recomendo a todos que vão a costa do descobrimento dedicarem pelo menos dois dias para conhecer Belmonte e Canavieiras, fazendo o passeio de “voadora”.

Q coincidencia este post sobre Canavieiras. Só foi aqui na Alemanha q eu ouvi falar desta cidade. Tem um programa aqui sobre alemaes que vao para outros paises e ficam por lá mesmo e uma familia alema montou um barzinho na praia lá o q nao deixa de ser um bom “marketing” para o local. Aguardem a “invasao alema” 😉

Me lembra o rio Itanhaém quando se vai no sentido da Lagoa da Boa Cica, onde após 1 hora de viagem através dos mangues voce descortina uma lagoa de aguas transparentes uma vegetação densa e muitos animais diferentes.Paissagem linda tanto a urbana como a do rio, e muito legal a sua investida nestes pontos turisticos tão regionais e desconhecidos da maioria.Deu agua na boca!

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