Deadline (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração: Daniel Kondo

A editora manda um email para dizer que o horário em que eu costumo enviar minhas crônicas é perfeito. Diz que o ideal é que eu mantenha exatamente o mesmo horário, desde que mande dois dias antes.

twitter

Tentei explicar que, assim como acontece com as flores, os frutos e as estações, os textos… não. Tentei nada. Se nem com você, que tem essa condescendência toda comigo, isso ia colar, imagina com ela, que está escaldada.

Poesia de powerpoint à parte, o fato é que todo texto tem, sim, a hora certa para sair. E a hora certa do meu texto é sempre a mesma: a última.

Na década de 70 o meu time, o Inter de Porto Alegre, tinha um jogador chamado Escurinho que ficava no banco até os 25 minutos do segundo tempo – quando então entrava em campo para desempatar o jogo com um gol de cabeça numa cobrança de escanteio. Devo ter aprendido a escrever com ele.


Nesses anos todos em que me revezo na última página, só me lembro de ter mandado o texto adiantado uma vez. O pessoal da Redação estranhou tanto, que a crônica saiu assinada pelo meu companheiro de revezamento André Laurentino. Juro!

Mas eu prometi tentar. Quer dizer: prometi pra mim mesmo, porque pros outros eu sei que não devo.

Procurei me convencer de que o tempo é uma convenção. Lembrei aquela noite fria de primavera do meu mochilão de 1985, quando fui apresentado ao conceito – então inédito no Brasil – de horário de verão. Como assim, adiantar o relógio em uma hora?

Anos mais tarde, me hospedei num hotel nas ilhas Maldivas que atrasava o relógio em duas horas, para que o sol equatorial nascesse às oito e se pusesse às oito, permitindo aos hóspedes dormir e aproveitar o sol.

Se o horário pode ser arbitrado, por que não os dias da semana? Acordei no sábado mentalizando que já era segunda-feira. Dessa maneira, quando chegasse a segunda, minha crônica pensaria que já era quarta, e sairia na hora pedida pela editora.

Quase deu certo. Desde segunda de manhã o texto já estava 90% formado na minha cabeça. Só faltava um final.

Até que hoje, quarta, aos 25 do segundo tempo, Escurinho, digo, a editora me manda outro email: “Você faz piada comigo no Twitter – eu vi! Me dá notícias?”. Pronto. Enviar!

Ilustração do grande Daniel Kondo, gentilmente surrupiada da edição impressa

Assine o Viaje na Viagem por emailVnV por email
Visite o VnV no FacebookViaje na Viagem
Siga o Ricardo Freire no Twitter@riqfreire
Siga o Viaje na Viagem no Twitter@viajenaviagem


15 comentários

Pois é, eu me lembro do Escurinho. Veio jogar no Palmeiras e marcou um gol contra o Inter dando vitória ao verdão. Só não sei se foi depois dos 25 do segundo tempo.

Você é muito bom, mesmo aos 25 do segundo tempo. Não, nada disso… Você é bom em qualquer tempo!!!

Também vivo nesse sufoco. E sempre que tô no aperto fico com aquele verso do Cazuza na cabeça “por que que a gente é assim?”

Uma das minhas funções e receber anúncio, e sempre respondo para os angustiados funcionários de agência que o timeline pra mandar o mesmo é impreterivelmente até ás 4 da tarde. Mas que eles não saibam que na verdade eu posso receber até as 8 🙂

Acho que muitas pessoas funcionam sob pressão, eu sou uma delas 😉
Incrível sua “estratégia” de enganar o próprio cérebro, e ainda fazer humor hilário sobre si próprio :mrgreen:
Ontem à noite, me peguei rindo sozinha, lembrando de um post durante sua longa viagem à Europ, numa cabine de fotos fazendo as caretas mais hilárias e nós às gargalhadas 😆 😆
Uso bastante a prática de adiantar o relógio 😉
Excelente crônica, as always !

Esta, como outras tantas, muito interessante.Tenho aproveitado seus textos para trabalhar com meus alunos universitários (com os devidos créditos). E essa última hora, tão fértil, não?

Atenção: Os comentários são moderados. Relatos e opiniões serão publicados se aprovados. Perguntas serão selecionadas para publicação e resposta. Entenda os critérios clicando aqui.

Assine a newsletter
e imprima o conteúdo

Serviço gratuito