Dengoso (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Filma eu, Galvão!

Não seria necessário nenhum técnico de futebol para fazer esta convocação da Seleção para a Copa. Bastava um técnico em economia. O Henrique Meirelles, por exemplo. Ficaria de graça: é dever do presidente do Banco Central ser coerente, pessimista e conservador em assuntos de interesse nacional.

Deviam também ter dispensado o circo da entrevista coletiva do treinador. Os convocados poderiam muito bem ter sido divulgados numa ata do Copom, que não teria feito a mínima diferença.

O que há de errado com esta Seleção? A total falta de perspectiva histórica. Nada que surpreenda, vindo de um cidadão que admite não saber se a escravidão ou a ditadura foram períodos bons ou ruins para o país.

Apesar de não ser uma professora de história, como a mãe do Dunga, eu vou tentar pôr as últimas Copas em perspectiva.

Em 1994, depois de vinte e quatro anos de jejum, o Brasil precisava de uma Margaret Thatcher, digo, de um Carlos Alberto Parreira. Naquele ano, não interessava como ganhar a Copa. Interessava ganhar, e só. Ainda hoje é meio deprê lembrar da cobrança bisonha do Baggio como o grande momento do Brasil, mas é melhor do que nada.

Em 2002 o Brasil precisava de um Lula, digo, de um Felipão. Um sujeito tosco e carismático, que unisse a Seleção e a nação e pusesse todo mundo em busca do mesmo objetivo. Nem o Romário conseguiu fazer oposição. Ganhamos a Copa com autoridade, e isso nos lavou a alma da amarelada de 1998 na França.

Agora, em 2010, do jeito que as coisas estão, o Brasil não depende mais da Seleção para se afirmar em coisa nenhuma. Somos ponta-de-lança dos Brics. Temos o dólar de R$ 1,80 e o real de 2,20 pesos. Garantimos a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

Ganhar a Copa não é mais a única coisa que pode nos redimir. Passamos de fase. Deveríamos usar o futebol para reafirmar o nosso papel no mundo. Que é o dar espetáculo, evidentemente. O Brasil está para a bola assim como Hollywood está para a tela grande.

Mas daí vem o técnico da Seleção e convoca o time que a Grécia escalaria para acalmar os especuladores do euro.

Dá vontade de reescrever a historinha da Branca de Neve, agora com oito anões. Nome do oitavo: Coerente.

Foto gentilmente surrupiada daqui.

41 comentários

Como disse o Lédio Carmona no seu blog, faltou um pouco de incoerência ao Dunga na convocação 😉

Texto sensacional! Concordo com absolutamente tudo. As comparações estão excelentes. Parabéns!
Ouvi de um amigo que se o Tuma, digo, Dunga perder a copa ele vai ter que se exilar… na República Rio Grandense.

Na minha opinião, a grande dificuldade do Dunga não está na escalação em si, mas na forma como ele se porta nas entrevistas em geral. Se ele soubesse levar de outra maneira as pessoas provavelmente aceitariam melhor. Quanto a escalação em si não me preocupo muito, se ele acha que está sendo coerente com o trabalho dele então vamos dar um voto de confiança e ver no que dá (já que não precisamos da Copa pra nos redimir, não é!). E o Dunga também não é nenhum fracassado.

Agora, eu gostaria mesmo que as pessoas tivessem o mesmo nível de exigência com os políticos e com eles próprios, preocupados em fazer um Brasil melhor pra todos nós, não apenas pra inglês ver de 4 em 4 anos.

    MArlon, eu acho que muitas pessoas têm o mesmo nível de exigência com os políticos e com eles próprios, e estão preocupados em fazer um Brasil melhor pra todos nós, não apenas pra inglês ver de 4 em 4 anos, mas a maioria, o povão, ainda se ilude e contenta com muito pouco, e os políticos conhecem muito bem essa realidade. Pra mudar é preciso muita coisa, educação seria um bom começo.

Expert em viagens, graaandes textos, e agora também uma veia futebolística? Tudo que eu mais gosto, agora reunidos em um só lugar. Djilícia!

    Pois é, agora só falta o Dunga vir dar pitaco sobre viagens aqui no blog.

Excelente, texto! Muito bom, bom mesmo!
Completaria dizendo que o próprio técnico, quando ainda era jogador, jamais se destacou pelo “futebol arte”. Pelo contrário, era limitado em talento e técnica…
Portanto, era de se esperar que convocasse uma seleção com seu perfil, enchendo o meio campo de jogadores limitados, cujo único objetivo é chutar a bola pra frente.
Podemos ganhar a Copa, mas não com futebol arte, e sim com futebol de resultados.

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