Eu não conheço um lugar

londres

Originalmente publicada em outubro de 2003, na Época. A melhor maneira de não conhecer um lugar é viajar até ele. De longe você pode estudar um lugar o quanto quiser; de perto você só tem tempo de descobrir o quanto ainda falta para conhecer. Quem viaja a Paris apenas para subir a Torre Eiffel, ver a Mona Lisa e andar de bateau-mouche conhece a sua Paris muito melhor do que quem viaja para conhecer Paris a sério. Se você tem 50 carimbos no seu passaporte, então são 50 países que você não conheceu.

Mas quem disse que é preciso conhecer a fundo um lugar para gostar dele? Segundo os psicanalistas, para conhecer a si mesma uma pessoa precisa de quatro sessões de análise por semana. Não, eu não quero levar viagem nenhuma para o divã. Até porque a parte mais divertida de uma viagem são as conclusões apressadas.

Longe de casa nos sentimos verdadeiros antropólogos autodidatas. Depois de 15 minutos em qualquer lugar já elaboramos as mais complexas teorias sobre a cultura e o comportamento dos nativos. “Os parisienses não carregam mais baguetes debaixo do braço!”, concluímos, depois de extensas pesquisas entre as 3 e as 4 da tarde sentados num café em Saint-Germain.

Uma coisa é certa: os países são mais fáceis de decifrar do que as cidades. Países são masculinos – e, assim como os homens, podem ser classificados em no máximo quatro ou cinco tipos, estanques e previsíveis. Você vai a um país agora, e quando voltar daqui a uns anos ele pode ter enriquecido ou empobrecido, mudado de partido político ou de profissão, mas continuará fundamentalmente o mesmo.

Já as cidades são femininas: misteriosas, multifacetadas, dadas a repentes e fases. Enquanto os países nos recebem com formulários, funcionários públicos e cães farejadores, as cidades nos recebem com um “psiu!”. Algumas se revelam de dia, outras só se entregam à noite. Às vezes uma cidade pode parecer feia – mas normalmente é você que não deu tempo para ela se arrumar. Existem cidades que fazem você virar o pescoço na rua, e outras que só mostram a que vieram entre quatro paredes. Mesmo essas, contudo, dificilmente se deixam conhecer, digamos, biblicamente. Cidades são criaturas difíceis, que preferem ficar o tempo todo fazendo charminho.

Voltar a uma cidade é sempre fascinante, porque você nunca sabe o que pode ter acontecido. Cidades engordam, emagrecem, fazem plástica, engravidam, mudam o penteado, se apaixonam e até se divorciam (da população, quando os eleitores resolvem escolher um mau prefeito). Você pode dar azar e visitar uma cidade em plena crise de auto-estima ou no auge da TPM – tempos depois, ela pode estar de novo radiante e bem-amada. Vá saber…

Depois de muitas viagens, você até pode entender os humores de uma cidade. Mas conhecer, conhecer mesmo – não dá. Nem morando a vida inteira lá, sem arredar pé nem nas férias. Mesmo porque, de fato, a única maneira de conhecer de verdade o lugar em que se vive é viajando. Quanto mais lugares a gente não conhece, melhor a gente conhece o nosso.

61 comentários

Olá Ricardo,
Primeiro eu queria te agradecer pelas dicas e dizer que vc é ótimo!!!
Em Maio vou p/ Miami e farei conexão de 9 horas em NY… queria aproveitar bem esse tempo, já que não conheço a Big Apple…
Qual sua dica?
Muito obrigada… um abraço!

    Olá, Vanessa! Aqui quem responde é A Bóia.

    Se você estiver chegando do Brasil, calcule gastar entre 1h e 1h30 com imigração e bagagem, depois separe 1h para ir à cidade, 1h30 para voltar (sempre é bom voltar com folga), mais 1h30 para reembarque (nos Estados Unidos os procedimentos de segurança são fogo), e você terá 3h30, no máximo 4h líquidas na cidade. Você escolhe: ou dá um pulinho para bater perna em Manhattan sem compromisso, ou leva um bom livro para enfrentar a espera no aeroporto.

    Leia:
    https://www.viajenaviagem.com/2012/01/intervalo-entre-voos/

Amei! Amo Paris do meu jeito (mesmo tendo feito o que esta no texto e mais outras coisinhas) e voltarei o mais breve possivel!!

Texto perfeito!! :-))

Adorei o texto.O Xongas, o Efeito Sanfona e o Viaje na Viagem (livro), estão na minha cabeceira.Ontem mesmo li um texto sobre lugares exoticos e fiquei rindo sozinha.Invejo a maneira como voce brinca com o texto. É fora de série.

Eu gostei tanto que coloquei como indicação da semana, lá no meu. E meus amigos que vieram aqui, também adoraram!

affff.. posso dizer? FODA! concordo completamente com tudo que escreveste Riq!
adorei! principalmente depois de 1 ano fora e voltando ao Brasil. Encaixou perfeitamente!
beijão!

eu vou a Londres todos os anos, nos ultimos seis anos. Houve anos que eu fui até 3 vezes, e ainda sei que há muito o que ver, o que descobrir, muitas ruas e destinos a serem desvendados. Tem pessoas que nao entendem porque já fui a Londres umas 13-14 vezes e nunca vi Barcelona, por exemplo.

Oi Riq…
Achei legal vc ter citado Paris em seu texto….Toda vez que vou pra Europa (quase todo ano), eu fico decidindo o roteiro, mas SEMPRE acabo incluindo Paris e mais uma cidade. Já estive lá umas 10 vezes e ainda to tentando conhecer um pouco não só da cidade, mas dos parisienses…Ahhh, to indo pra lá agora dia 17….
Abraços !!!!

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