Garrancho (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Meu computador escreve a mão!

Quatro pênaltis perdidos? Faxina nos Transportes? Doença de Chávez? Nada disso. Para mim a notícia mais interessante da semana foi a que saiu no Estadão de segunda-feira: nos Estados Unidos o ensino da escrita cursiva está prestes a ser banido das escolas.

Já há algum tempo é dispensável ter letra bonita, de agora em diante vai ser ocioso simplesmente ter letra. Compreende-se: letra de mão é uma coisa que a gente usa sobre papel em branco. E papel em branco hoje em dia é algo que só se vê em gaveta de impressora.


Pena. Mais uma habilidade humana que vai ser extinta, feito pregar botão e fazer pipoca na panela. Escrever a mão vai ser uma atividade tão exótica quanto é hoje desenhar letras góticas. Não demora e até os médicos vão parar de garranchar suas receitas – basta inventarem uma família de tipos chamada Zgryftsblufx, que só possa ser descriptografada pelo scanner do farmacêutico.

As novas gerações não sentirão o prazer de usar o seu primeiro caderno universitário. Que, como o próprio nome não indica, aparecia na sua vida na estréia do ginásio (titio traduz: ensino médio), mais ou menos junto com o seu primeiro pelo pubiano. (Sim, dava um comercial da Valisère para garotos.)

Atire a primeira espiral quem não passou por aquela fase constrangedora de botar bolinha no lugar do pingo do “i”. Ops – tem gente que ainda não superou essa fase, perdão.

O que mais intriga nesse fim da letra cursiva é o fato de isso levar inevitavelmente ao fim da assinatura. Quem não escreve não assina. Estou errado?

O que virá por aí? Assinaturas eletrônicas, leitores de digitais e de íris não são a mesma coisa. Tudo isso pode até identificar você, mas não expressa quem você é.

Talvez a assinatura do futuro seja esse avatar fuleirinho que criamos para botar a nossa cara na internet. Um avatar é mais do que uma assinatura: é um logotipo pessoal. O meu é uma bóia amarela (desculpe).

De repente um dia a escrita a mão volte a ser valorizada. Pelo sim, pelo não, continuar escrevendo uma ou outra coisa a mão para não perder a letra. E não vou jogar fora minha pipoqueira.

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38 comentários

Eu li um artigo na internet, salvo engano na The Economist (que é óbvio que não mais consigo encontrar, o grande mal da net), falando justamente o contrário: que apesar de haver muita gente falando do final da necessidade de ensinar letra cursiva, isso era uma impossibilidade. Isto porque as pessoas obrigatoriamente fazem as suas próprias anotações e observações, personalizam os livros que lêem, querem adicionar suas notas. E a letra cursiva nada mais é que uma forma estandartizada de escrever rápido. A conclusão é que os alunos iam continuar a escrever e, se não lhes fosse ensinado o padrão de fazê-lo com rapidez, iriam fazer adaptações do alfabeto de “letra de forma”, juntando as letras de qualquer jeito, e o resultado final seria uma coisa ininteligível possivelmente até para quem escreveu. Obviamente que a escrita pessoal é imprescindível ao menos por enquanto – ou como se vão fazer provas e concursos?
Eu só sei que tenho um orgulho danado da minha letra bonitinha, e faço questão de ensinar pro meu filho a desenhar suas letrinhas…

Nunca tive letra “bonita”! Mas to achando que já sou exòtica com o que tenho, mesmo sendo tortinha. rsrrss Agora meu objeto do desejo é um caderno de caligrafia! Imagina!!!?? Se eu voltar no tempo e contar pra mim mesma na 2 série, eu ia rir de mim do Futuro!” Caderno de caligrafia? Tá doida!!!”
PS: Se alguém souber onde encontrar os tais objetos de tortura da infancia, atuais objeto de desejo, avisar aqui! =)

Também fiquei horrorizada com essa notícia. Sou das que acredita que um tipo de aprendizado ensina uma maneira de pensar. Aprender química pode ser inútil se você quer ser advogado, mas te ensina um tipo de raciocínio diferente do que aprender história ou matemática. Por isso acredito que deixar de aprender a escrever em letra cursiva vem junto com deixar de adquirir uma certa destreza com as mãos, uma habilidade que pode influenciar muitas outras… Uma pena! Sem falar que eu acho que é meio natural. Minha filha vai fazer 3 anos e ela garrancha uma letra cursiva fictícia que eu nunca ensinei e diz que está escrevendo o seu nome. E olha que ela me vê muito mais no computador do que escrevendo à mão.

Outra notícia que li dia desses que me deixou chocada foi a de que algumas escolas em SP iam incluir o iPad na lista de material. Socorro!

Beijos a todos.

Espero que a família não descubra que eu li antes! Que belo exemplar de Xongas!!
Pior que não escrever (ou igual) é não precisar usar a memória pra mais nada!! Tá tudo no Google e derivados.

Um dia eu já achei que fazer um f era a coisa mais difícil do mundo. Era o maior desafio da minha vida. Fazer um f. Aquele f bonito, quase na forma de um laçarote na vertical.

Achava que nunca ia aprender.

Aprendi.

Mudei de escola, e um dia o Frei João foi lá na sala, viu os livros de caligrafia um a um. Eu tinha uma das letras mais bonitas da turma. E todo mundo tinha medo do Frei João.

Pois o Frei João elogiou a minha caligrafia. Com uma ressalva – a perninha inferior do meu f não chegava até a linha de baixo.

Sempre soube que era difícil.

Hoje o meu f é assim, quase que nem o que a gente digita. Minha letra ainda é bonita, quando quero caprichar. Mas onde fica o charme?

Fica perdido, lá na escola, nos cadernos de caligrafia inspecionados pelo Frei João.

    Há semanas, deixei um recado para minha faxineira (a gente raramente se vê, por isso é só por escrito) com minha letra cursiva e ela me ligou perguntando o que eu tinha escrito – “Dona Cristina, por favor escreve com letra GRANDE que eu não estudei tanto como a senhora e não entendi”. Eu fazia da minha agenda, meu diário, e hoje ela ainda atende ao propósito de caderno de anotações. Para que carregar 2 coisas se posso usar 1 só? Minha letra é muito ruim, mas é muito mais rápido para anotar. Eu tenho blackberry no máximo e para anotar, ter o prazer de ticar a tarefa cumprida não tem preço! Estou chocada com a notícia do post. Obrigada, Riq.

    Há semanas, deixei um recado para minha faxineira (a gente raramente se vê, por isso é só por escrito) com minha letra cursiva e ela me ligou perguntando o que eu tinha escrito – “Dona Cristina, por favor escreve com letra GRANDE que eu não estudei tanto como a senhora e não entendi”. Eu fazia da minha agenda, meu diário, e hoje ela ainda atende ao propósito de caderno de anotações. Para que carregar 2 coisas se posso usar 1 só? Minha letra é muito ruim, mas é muito mais rápido para anotar. Eu tenho blackberry no máximo e para anotar, ter o prazer de ticar a tarefa cumprida não tem preço! Estou chocada com a notícia do post. Obrigada, Riq. X

    Arrepiei, Merél…saudades da menina que eu era, aquela que escrevia com letra cursiva…

Aqui em casa pipoca é só no fogão. E sempre é aquela festa quando alguém tem a feliz idéia e vai pra cozinha. De escrever à mão não abro mão. Apesar de também utilizar meios eletrônicos não dispenso minha agendinha de papel que uso diariamente.Se vai cair em total desuso, não sei,enquanto isso continuo com os bilhetinhos pra mãe, marido, filho, empregada, listinha de supermercado,…

As vezes me pego fazendo bolinha em cima do “i” até mesmo quando escrevo em letra de forma.
Meu costrangimento agora foi enorme, mas foi um constrangimento legal!

:~(
que triste…
outro dia fui escrever um cartão à mão e percebi como estava destreinada. me deu uma saudade do meu caderno de caligrafia!

Rindo muito! 😆 Da crônica e dos comentários!!

Arrumando gavetas esta semana, encontrei uma caixa linda de papéis de carta, que não uso há séculos!(Mas cartões ainda escrevo também 😉 ) E meu oftalmo digita receitas há séculos!

Sobre a pipoca, morro de saudades de ver minha mãe estourando pipoca na panela e cantando: “estoura pipoca, maria sororoca!” E fazendo saquinhos com papel-manteiga pra gente 😉 Sinto saudades e ponto, porque na hora de estourar, coloco o saquinho no microondas 😉

    Corrigindo: antes do advento do computador, meu oftalmo datilografava recitas! Esqueci de reparar se ele já se livrou da Olivetti 😉

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