Ovni (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração: Daniel Kondo

Ilustração | Daniel Kondo

“Informamos que devido à mudança de posicionamento da aeronave o seu embarque, quando efetuado, será realizado pelo portão 9”.

Eis uma frase que deixa possesso qualquer passageiro. Mas o que a mim incomoda mais nem é zanzar pela sala de embarque. É ouvir “aeronave” em vez de “avião”.

Eu sei, você nem nota. Uma companhia aérea chamar avião de aeronave é a coisa mais natural do mundo. Aposto que de vez em quando você deixa escapar um “aeronave” sem querer.

Quem foi o infeliz que fez isso com você? Provavelmente um mau tradutor de manuais. Os maus tradutores de manuais são os responsáveis pela maioria das palavras mal contrabandeadas para o português.

Esse “aeronave” decerto vem de uma tradução de “aircraft”. Em inglês até dá para entender o porquê de não usarem “airplane” – pode ser que soe “aeroplano”, algo que lembra mais teco-teco do que jato.

Só que em português do Brasil a gente não voa – a gente “vai de avião”. “Aeronave” é algo frio e desprovido de charme – o equivalente aéreo de um “automóvel” ou uma “embarcação”.

Tom Jobim não compôs o “Samba da Aeronave”. Uma mulher – perdão – gostosa não é chamada de “uma aeronave”. Quando você quer fazer o nenê comer o papá, você não fala “Olha a aeronavezinha!”.

Tudo bem – eu sei que muita gente tem medo de avião, e que talvez usar um eufemismo possa ser útil nessa hora. Mas desde que a palavra escolhida não lembre justamente “objeto voador”, concorda?

Além do quê, é impossível não ter medo de uma coisa que o tempo todo é “reposicionada”. Por que não trocam o “devido ao reposicionamento da aeronave” por um simples pedido de desculpas? Sugestão: “Atenção passageiros do voo tal. Pedimos desculpas, mas o seu embarque mudou para o portão 9”. Pronto! Perdi o medo!

Eu mantenho o otimismo, porque sou do tempo em que todas as companhias aéreas falavam “é um prazer tê-lo tido a bordo”. Se o tê-lo tido, que parecia ter estabilidade no emprego, já dançou, não é impossível pensar na aposentadoria da “aeronave”.

Um brasileiro inventou o avião, não a aeronave. Os aeroportos não ficarão prontos para a Copa, mas até lá pelo menos podemos voltar a falar “avião”. Vamolá, Brasil!

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22 comentários

Ha, Riq, ótima crônica. Totalmente de acordo com o seu ponto de vista, inclusive, e infelizmente, da provável e deselegante demissão do ” tê-lo tido “.

Riq,
Aagora imagine como é avião no jargão de quem faz o planejamento de rotas, ele passa a ser um reles equipamento. Assim é comum ouvirmos que não se pode implantar tal e qual rota por falta de equipamento.

Eu já acho que o pior nessa frase é o “reposicionamento” da aeronave … Isso sim dá um certo medo, huehuehue… E é certo que quando anunciam isso você já sabe: o novo portão anunciado não tem finger e você vai ser levado até o meio da pista naqueles microônibus… kkkk E por deus, como é chato ter de pegar aqueles ônibus antes de entrar no avião…

P.S: Se bem que eu já tive experências bem mais surreais, do tipo ir a pé pelo meio da pista mesmo, guiada por aqueles controladores com os bastões luminosos, até um 747 “posicionado” ao lado do antigo terminal do Salgado Filho (o avião era mais alto do que o prédio do terminal, que por sinal, nem figer tinha … huahua… Era minha primeira viagem de avião e eu tive de passar bem na frente daquele monstrengo, e fiquei matutando como é que aquele bicho iria conseguir sair do chão… 🙂

Muito bom! Também não gosto da palavra aeronave. Tenho medo normal de avião, mas aeronave é ainda pior; dá a impressão de que vou entrar numa nave, o que considero mais pavoroso que andar de avião.
“Um brasileiro inventou o avião, não a aeronave.” – perfeito.

Ué? Aqui onde moro todos dizem que foram uns irmaos que inventaram a aeronave 😛

Bom talvez assim, termina-se esta discussao, os irmaos inventaram a aeronave, o brasileiro o aviao 😀

Por falar nisso, está demais a propaganda de cerveja com o Joel Santana falando que a guria é um “aeropleine”.

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