Portuñol (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Puerto Madero, Buenos Aires

Sempre pensei que não existiria nada mais difícil do que um argentino conseguir aprender a falar português. Os exemplos estão à nossa volta. Quem não conhece um hermano que more há anos – às vezes décadas – no Brasil mas continue se comunicando em castelhano com amigos, colegas, cara-metade, filhos?

Não dá nem pra chamar o dialeto que eles usam de portunhol, porque o portunhol pressupõe um mínimo esforço de procurar se expressar no idioma do vizinho. É a nossa tentativa de falar portunhol fluente que nos leva a inventar Cueca-Cuelas. Já eles podem passar a vida inteira por aqui sem jamais esboçar a intenção de pronunciar um “ão”.

Tenho um amigo que se dedica a dialogar em portunhol capenga com qualquer argentino radicado no Brasil que não se expresse em português (ou seja, todos). Dificilmente o argentino nota que ele está tirando sarro da sua cara.

Nas minhas últimas idas a Buenos Aires, no entanto, descobri que a incapacidade dos nossos argentinos de articular frases inteiras em português não se deve a nenhuma limitação de ordem física. Quer dizer: os nasais, as vogais abertas e o som de “z” são meio impossíveis para os hispanoparlantes (assim como é, para a gente, pronunciar aquele “l” no céu da boca que já vem de fábrica na língua deles). No mais, pasme: em Buenos Aires todos falam português.

Ou pelo menos todos que lidam com turistas brasileiros. Se você se garante no castelhano, esqueça: quase não vai ter oportunidade de praticar. Você pede o “postre”, o garçom vem com a carta de “sobremêça”. Solicita “la cuenta”, ele traz “a conta”. Só de birra, você pede “la factura”, e o cara aparece dois minutos depois com “a notchiña” (rima com “caipiriña”). Onde já se viu?

Na última semana, ouvi “boa tardji”, “frángo”, “cartáo dji crêdjito”, “reais”. E travei inúmeros diálogos de surdos: eu tentanto falar na língua do sujeito, e o outro tentando falar na minha. “Increível”, diria um argentino com CEP paulistano.

Os argentinos da Argentina que aprenderam português ainda não se deram conta de um excelente campo de trabalho à sua espera no Brasil: vir ensinar seus compatriotas que moram aqui a falar português tão bem quanto eles.

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67 comentários

Prezado Ricardo, bom dia.
o que pode ferir aos argentinos que lêem sua nota, acho que é a generalização da sua Constatação 1 = “argentinos não se preocupam em aprender português” … tal vez se fosse “conheço varios argentinos que” a coisa mudaria. Você nota perfeitamente que eu não domino sua língua e quando quero expressar o que sinto aparece pleno o espanhol, se podemos chamar assim a linguagem dos argentinos. MAS O GRANDE ASSUNTO SEGUE SENDO QUE PARA OS BRASILEIROS FAZER PIADAS SOBRE ARGENTINOS NÃO TEM MALDADE E É SÓ DIVERSÃO, E NOS, QUE SOMOS ORGULHOSOS E DRAMATICOS FICAMOS BRAVOS, mas com boa vontade podemos superar todas nossas diferenças. Em três anos aqui fui tão bem tratado e comprendido, com tanto carinho, que me ajudaram muito a seguir para frente longe da minha querida Buenos Aires onde moram meus filhos, minha mãe e meus irmãos.
Caro Ricardo, aceite minhas desculpas se estou falando demais ou se de algum jeito estou ferindo você. Grande abraço

Como sempre, adorei a crônica.
O bonus depois dessa confusão toda foi a piada que o Eduardo Vigo conta da guerra Argentina x China. Rsrs, vou espalhar, adorei!

Como rendeu essa Crônica né…

Eu ri! Simples assim, pq na minha escola eu aprendi o conceito de crônica, humor e divertir-se.

Imagina viajar com uma galera dessas?!?! Prefiro vibanear com os colegas daqui.

Em Ushu (íntima assim), também rola solto um portunhol bacana. No htl em que fiquei, fui atendida por um cara que falava português, a gerente é brasileira e achei estranho que só eu falei desayuno! Só rolava café da manhã!
Bjos, trips!

Nas minhas muitas andanças a Buenos (íntima assim) já fui muito bem e mal tratada, dependendo do humor – meu e deles na hora. Estudei um pouco de espanhol prá me comunicar melhor pelas vizinhanças – acho feio a portunholada. Hoje, penso que falo espanhol com argentinos que pensam que falam português. Cheguei ontem de Ushuaia (Ussuaia, dizem eles), onde conheci um hermano bem humorado que queria me convencer que oX cariocaX não são brasileiros, pensando que tava falando “português do Rio de Xaneiro” o tempo todo. Divertido demais isso.
Tá mesmo começando a rolar uma fala híbrida no mundo do turismo brasil-argentina, qq que seja a onda econômica, prá lá ou prá cá.

Creio que os tempos de real forte estão começando a subir à cabeça dos brasileiros… sou brasileiro e estou começando a ter vergonha! O fato de os argentinos estarem tentando aprendendendo português seria mais motivo para elogios, e não para uma crônica ao estilo bullying, parece até que voltamos ao colegial.
Ricardo adoro seu blog, leio sempre, continuarei lendo… me desculpe se não entendi o “humor” dessa crônica em particular.

    Ai meu saquinho de filó!

    Quer que eu desenhe? Eu desenho.

    Constatação número 1: argentinos que moram no Brasil há anos não se preocupam em aprender o português porque são perfeitamente entendidos. Fato generalizado para render uma crônica.

    Constatação número 2: argentinos que atendem turistas em Buenos Aires aprenderam a falar português. Algo não só elogiável, como devidamente elogiado. Fato generalizado para acabar de compor a crônica.

    É só isso. Não tem fla-flu, não tem anti-semitismo, não tem racismo, não contém crítica a orientação sexual, não fala mal da política econômica nem condena decisões soberanas do eleitor argentino.

    Que um argentino cansado de rivalidade boba ache, porque não conhece o que eu escrevo, que eu estou fomentando essa rivalidade boba, eu até consigo entender.

    Mas que um brasileiro enxergue isso… me poupe.

    😆
    😆
    A Marta , a Medeiros , estes tempos escreveu sb a dificuldade/impossibilidade de ironizar e/ou escrever com humor.
    Não adianta , o politicamente-correto subiu pra cabeça e ninguem entende mais nada.Cada vez mais é preciso representar uma piada, contar duas vezes a meesma estória e ainda ouvir: não endendi.
    Eu vejo assim : não endendeu ? Então tá.. deixa assim 🙁 e junte-se aos seus semelhantes, que nunca vão entender mesmo.

    Sylvia,
    Eu também li a Marta Medeiros e concordo com ela. Para mim, não existe nada mais hipócrita e ofensivo que o excesso do “politicamente correto”.

Vamos !!!! deveríamos tomar Skol por causa da publicidade, ne ? kkkk; não, qualquer uma será ótima, imperdivel/inacreditavel, hahaha

Gente, isso é uma prova da passionalidade de nossos hermanos…. e estou falando isso num ótimo sentido, pois conheço na carne esses rasgos de paixão. Tenho ex-namorado uruguaio, ex-cunhado boliviano, bem como toda a sua familia e sei que eles nao tem o senso de humor que nós temos, é diferente e as vezes a própria linguagem atrapalha entender a piada (eu que o diga depois de inumeras briguinhas por brincadeiras bobas), sei que eles nao conseguem falar V, mas sim B, sei que nós nao diferenciamos os J, L e LL deles.. mas esse é a graça das relaçoes além fronteiras. Acho que o primeiro Eduardo nao quis ofender nao, ele apenas se expressou diretamente, o que é normal pra eles, nós brasileiros somos da política do deixa disso nao é? entao, nada de enrosco pípol…. somos irmãos e temos que aprender com nossas diferencas, curtí-las, brincar com elas… afinal, nao vamos deixar a Baca ir pro brejo nao! (ehehe). Vamos pra cerveja?

Prezado Ricardo, bom dia; não sei se será pelo meu nome (rsrsrsrs), mas também ia escrever sobre seu preconceito, pois são argentino, moro no Brasil a 3 anos e tento escrever e falar “brasileiro” mas não consigo direitinho (nem perto), mas lendo todos os comentários entendi seu humor e fico muito agradecido, é verdade que os argentinos temos que aprender dos brasileiros esse humor que é só para ficar feliz e não para herir, nos levamos tudo ao exagero e fazemos das mostras de amizade uma tragédia grega. Mas isso eu só o aprendi morando aqui ( e olha que moro em São Paulo, imagina se morase em Rio, Minas ou Bahia !!!!! Acho que o outro Eduardo Antonio, meu compatriota, é um namorado de vocês, sem dúvida nossos hermanos, sobre todo que me contaram que nos chamam assim por ficar perto e não ser escolhidos, hahahahaha. Eu adoro as piadas sobre nossa arrogância e falsa superioridade, nosso exagero e dramatização = isso é o resultado de misturar um espanhol com um italiano, kkkk. Nos não temos piadas sobre brasileiros, é assim mesmo, mas adoro algumas sobre nos (a melhor que já ouvi: o governo argentino declara a guerra á China assim= chineses, temos 200 barcos, 150 aviões e 15.000 soldados, os declaramos a guerra. O governo chinês responde: aceitamos sua proposta de guerra, nos temos 4.000 barcos, 15.000 aviões e 14.500.000 soldados. Os argentinos respondem= mudamos de idéia, desistimos da nossa declaração de guerra, não temos tanta comida para tantos prisioneiros !!!!!). Acredite que tentamos falar português, mas não é tão fácil assim, viu ? Palavras e atitudes como as de Isabel, Fran e todos daqui fazem me emocionar, estou aprendendo muito deste querido e abençoado pais, quero dizer= de nossos hermanos e hermanas brasileiras; acho que aqui no Brasil, ao igual que na Argentina, a amizade entre argentinos e brasileiros e muito fácil de se dar. Abraços para todos e muito obrigado !!!

    Eduardo Antonio Vigo: vc já está convidadíssimo pra cerveja proposta pela Mariana Merel, viu!!! Quilmes ou Bohemia, vamos dar o abraço da amizade, galera!!!!:-)

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