São Luís bumba meu boi

Bumba meu boi em São Luís: que bonito é

Bumba-meu-boi em São Luís: a expectativa

São Luís bumba meu boi

Assisti ao bumba-meu-boi em São Luís por acaso. Eu precisava ir aos Lençóis Maranhenses antes de julho para ver a situação dos transportes por lá, e aproveitei para programar dois dias em São Luís e atualizar o guia da capital — sobretudo a seção Onde comer, que estava defasada (agora já está em ordem). Só depois de definir a data da viagem é que a ficha caiu: 24 de junho! Mas isso é São João!

Achei que ia ser difícil conseguir passagem e hospedagem, porque já era o começo de junho, e São João em São Luís é uma época importantíssima — é a temporada do bumba-meu-boi, a festa junina do Maranhão. Mas não foi difícil. Emiti a ida com milhas (Congonhas-São Luís, 14.000 milhas no Smiles). O hotel que eu queria no centro histórico, o Grand São Luís, estava uma pechincha, mesmo no fim de semana mais importante do ano na cidade: R$ 165 a diária. Ué?

Foi quando eu comecei a descobrir que o bumba-meu-boi de São Luís é muito menos explorado turisticamente do que poderia. É uma festa local. Meu hotel não estava cheio de turistas que tinham vindo para ver as apresentações; meu hotel estava cheio de turistas esperando pelas vans em que embarcariam para os Lençóis. O que será que eles estavam perdendo?

Bem, até eu desembarcar em São Luís no meio da tarde do dia 24 de junho eu imaginava (‘fantasiava’, hoje eu sei, é uma palavra mais adequada) que o bumba-meu-boi fosse um evento de rua, feito um carnaval. Bois cruzariam o centro histórico como os blocos de frevo em Olinda, os turistas se empoleirando onde desse para ver as coreografias. Onde eu vi fotos disso? Num banco de imagens da minha cabeça, certamente. Password: imaginacaofertil, tudo junto e caixa baixa.

Já que eu ia alugar um carro (precisaria dele para fazer as atualizações do guia), tomei inclusive o cuidado de ligar para o hotel perguntando se daria para eu chegar com ele até o estacionamento, ou se haveria alguma interdição de trânsito no centro histórico por causa do São João. O espanto do recepcionista ante a minha pergunta foi tamanho, que deu para perceber a sua expressão de perplexidade pelo telefone mesmo.

Bumba-meu-boi em São Luís: a chegada

São Luís bumba meu boi

Não, o bumba-meu-boi de São Luís não é um desfile e não acontece pelas ruas do centro histórico. Existe um arraial montado na praça Nauro Machado, no coração turístico do bairro (quase defronte à Casa das Tulhas), com um tablado onde os bois se apresentam nas noites de sexta e sábado de junho. Mas justo no fim de semana específico de São João, a programação ali só previa shows de forró (culminando com uma apresentação de Amelinha). Ou seja: não dava para descer do hotel para o meio da festa.

Aonde ir, então? Ao desembarcar no aeroporto, recebi um folhetinho com a programação de São João nos principais arraiais da cidade. Os nomes não faziam sentido nenhum para mim — ‘Maria Aragão’, ‘Ipem’, ‘Nauro Machado’. Ao chegar ao hotel, botei no Google Maps e descobri que ‘Nauro Machado’ era esse do centro histórico, mas que naquele fim de semana não haveria bois, só forró. Descobri também que ‘Maria Aragão’ era uma praça grande bastante perto, numa área contígua à parte mais turística do centro histórico. A programação de todos começava às 19h.

Peguei o meu celular reserva (o ‘do ladrão’), o RG, o cartão do plano de saúde, um trocadinho, e fui. Em 2017, a Arraial da Maria Aragão previa apresentações diariamente de 14 de junho a 2 de julho. No sábado dia 24, se apresentariam o Grupo Piaçaba (de danças folclóricas diversas), os bois Mocidade Axixaense, da Maoiba, do Pindoba e da Orquestra de Bequimão, intercalados por um show da banda As Sirigaitas. Minha intenção era assistir ao boi da Mocidade Axixaense, sair para jantar (por causa do dia) e assistir a mais bois na noite seguinte.

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Bumba-meu-boi em São Luís: minha primeira noite

São Luís bumba meu boi

Ao chegar, percebi que minhas preocupações com segurança eram infundadas: o arraial é cercado, policiado, freqüentado por famílias com crianças pequenas, que aproveitam também as barraquinhas de comida e o parquinho infantil. A aglomeração em torno do tablado, pelo menos até as 21h, não era demasiada. Claro que não seria recomendável andar com carteira no bolso de trás, mas eu não teria receio de levar câmera boa (chegando e saindo do arraial de táxi).

O tablado se justifica: só assim é possível acompanhar a coreografia do boi. A praça Maria Aragão tem também uma vantagem topográfica: a escadaria (e o barranco) que levam à igreja de Nossa Senhora dos Remédios proporcionam uma arquibancada para quem quiser ter ainda melhor noção do conjunto. Assisti à apresentação do primeiro grupo (estava excelente, com demonstrações de várias danças folclóricas preservadas em diferentes pontos do Maranhão), mas quando o boi da Mocidade Axixaense entrou, percebi que meu equipamento não daria conta do espetáculo: as luzes usadas na apresentação tornavam imprestáveis as fotos feitas no meu celular velhinho. Chacoalhei um pouco ao som da orquestra, tentei entender o que se passava no palco, mas ao dar 9 da noite tirei o time para ainda dar tempo de passar no hotel, trocar de roupa e jantar.

Bumba-meu-boi em São Luís: boi de dia

Bumba meu boi em São Luís: Boi Brilhoso

No dia seguinte, um domingo, fiquei trabalhando de manhã no hotel até a hora de sair para almoçar. Ao cruzar a praça da catedral, a caminho do Cafofinho da Tia Dica, surpresa: tinha um boi (o Boi Brilhoso, depois descobri) se apresentando na praça, dentro da Feirinha São Luís, que acontece nas manhãs de domingo. Os turistas não eram muitos, o que facilitava ficar na fila do gargarejo e tirar fotos.

Aproveitei que tem um posto de informações turísticas na praça e perguntei sobre horário e periodicidade daquelas apresentações, já que aquilo não constava do meu folhetinho da programação oficial. “Ah, a gente também não sabia que ia ter isso não, ninguém avisou”, me disse a moça do posto. Falta de divulgação, o problema do turismo brasileiro é. Bem-vindo ao maravilhoso mundo do turismo sem turista. Nem no meu hotel, que ficava do lado, sabiam que isso estava acontecendo.

Parintins

O boi do Amazonas

Bumba-meu-boi em São Luís: minha segunda noite

São Luís bumba meu boi

Na noite anterior, nas minhas andanças (de carro) pela parte mais burguesa de São Luís, pesquisando restaurantes, passei por uma travessa da avenida Colares Moreira que estava entupida de carros. Achei que fosse um clube que tivesse uma festa junina. Chegando de volta ao hotel, descobri que ali funcionava o Arraial do Ipem, outro arraial que em 2017 tinha prevista programação diária entre 14 de junho e 2 de julho. Resolvi que era ali que eu iria na noite seguinte (até para facilitar o jantar e a continuação da pesquisa de restaurantes).

São Luís bumba meu boi

Foi uma ótima decisão. Ao contrário do arraial da Maria Aragão, o entorno do arraial do Ipem não dá nenhum receio. O flanelinha pediu R$ 5, para pagar na saída. O lugar não tem o barranquinho do arraial do centro, mas a densidade demográfica ao redor do tablado (pelo menos até as 21 horas) era folgadíssima; parecia haver mais gente nas barraquinhas do que assistindo aos bois.

Assisti a dois bois, ambos de orquestra. (Os bois têm ‘sotaque’, que é o jargão para ‘estilo’: podem ser de orquestra, de zabumba, de matraca, da Baixada; calhou de eu só ter visto bois de orquestra.) O primeiro foi o boi de Presidente Juscelino, com música e visuais incríveis, e o boi Meu Tamarineiro, que era mais simplesinho, mas me impressionou pelo gingado dos brincantes e pela beleza de um boi de capa vermelho-sangue.

São Luís bumba meu boi

Como neófito em bois do Maranhão, senti falta de um narrador, como há em Parintins. Se por um lado é ruim ver a apresentação sem estar por dentro de todos os detalhes, por outro é divertido sair supondo coisas. Resolvi não fazer um pós-google para poder registrar essas impressões, mesmo que equivocadas. Mas por favor, não confie em nenhuma informação aqui que pareça técnica.

Pelo que entendi, não há a preocupação de fazer a encenação completa do auto do boi, como em Parintins. (Pronto, pareço o sujeito que vai estudar italiano mas fica o tempo todo comparando com o espanhol.) Pelo jeito, todo mundo no Maranhão está desprovido de cabelos de saber o que se passa. Mas dá para perceber que os brincantes têm marcações básicas e não saem dos seus personagens.

São Luís bumba meu boi

Há uma linha de peões que normalmente guardam os flancos, como num tabuleiro de xadrez visto de lado, mas que de vez em quando saem em grupo para dançar pelo palco. Dá para reconhecer Catirina, a escrava grávida que queria comer língua de boi e que causou o abate do bichinho (posteriormente ressuscitado), mas não percebi em nenhum dos grupos um personagem equivalente à Sinhazinha da Fazenda na versão parintinense, que é a mais afeiçoada ao boizinho. Em São Luís, o boi interage com a índia mais bonita no palco (algo difícil de processar pela mente suja de um forasteiro que caiu na festa de pára-quedas).

Tem sempre mais de um boi no tablado, não consegui deduzir por quê. Fico imaginando que haja uma série de movimentos e gestos com significados que escapam ao leigo, mais ou menos como as dançarinas indianas que, se juntam o polegar com o anelar estão contando uma situação complicadíssima que a platéia toda entende. OK, menos, Ricardo Freire, menos.

São Luís bumba meu boi

As grandes estrelas em cena são os miolos, os brincantes que evoluem dentro dos bois. Eles transformam os bois em carros alegóricos que percorrem o tablado em todas as direções e criam movimentos de enorme beleza plástica. Em alguns desses movimentos o boi é elevado a uma altura que revela a cara do artista — nada mais justo.

Pena que eu ainda tinha que sair para jantar e terminar minhas pesquisas noturnas; se não fosse isso, ficaria até o último boi. O ritmo é delicioso, o figurino é riquíssimo (é essa a escola que produziu um Joãosinho Trinta) e há muita coisa acontecendo no palco para acompanhar. Leve um binoclinho, se tiver.

Se você está planejando ir aos Lençóis Maranhenses no ano que vem, programe a viagem para coincidir com o São João em São Luís. É grátis, é seguro (dentro dos arraiais) e, mais importante: é um deslumbre.

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Alcântara

44 comentários

Olá tudo bem? Vcs sabem informar se as festividades de São João no NE ocorrem ao longo do mês de junho ou apenas no FDS 24/06?

    Olá, Maria Dória! Varia conforme a cidade. Alguns locais, como Aracaju, começam um pouco antes e continuam depois do São João.

    De todo modo, o ápice sempre é entre Sáo João e São Pedro – 24 e 29 de junho.

    Mas este ano – que eu saiba – ainda não saiu a programação de nenhum lugar.

Cara!
Parabéns! Sua página é fantástica!
Já é minha quarta viagem que planejo seguindo suas dicas! Perfeito!

ja assisti por 4 anos consecutivos as festa juninas de sao luis, ipem , naura machado maria aragao, muito lindo e cultural falta mas divulgaçao

Muito obrigada pela reportagem e por todos os comentários. Seu site tem me ajudado muito a programar minha viagem pelo norte do Brasil.
Eu estava ponderando ir para Parintins, mas quando me dei conta da dificuldade que é conseguir hospedagem por lá e do preco dos ingressos, estou com mais afinidade em mudar os rumos e ir para Sao Luis.
As festas nos arraiais de Sao Luis cobram entrada? Ou é mesmo uma festa popular, aberta à todos?

melhores fotos e comentarios referentes a essa festa que adoro….Gratidao Ricardo….deu a maior vontade de voltar lah

Há uns 10 anos eu apareci numa caixa de comentários de um post do VnV sobre o São João (de algum lugar mais “conhecido”) justamente pra dizer que o São João de São Luís do MA era o melhor e mais original do Brasil.

Uma pena você ter tido pouco tempo pra ver os bois, e não ter assistido a nenhum boi de matraca. Aliás, o termo mais usado pelos maranhenses nem é assistir: é BRINCAR!

Nos locais onde os bois se apresentam no chão, no mesmo nível da “platéia”, o curso natural das coisas é a apresentação terminar com o povo se misturando aos brincantes do boi, dançando junto, entre eles. No boi de matraca, aliás, é comum o povo levar de casa as próprias matracas e TOCAR junto. Aquilo sim é “som 3D” 🙂

Nenhum vídeo do youtube vai conseguir transmitir todas as sensações de estar ali ao vivo.

Olá Ricardo. Sou jornalista e Estive em S. Luís na mesma época que vc, inclusive te vi no hotel. Pena vc não ter ido ao Boi de Matraca do bairro do Maracanã. A devoção com que os moradores participam da festa é impressionante. É uma festa genuinamente popular, linda. Começa a meia-noite e vai até o dia clarear, com o batismo do boi na igreja e várias paradas para dança em diversos pontos. Tudo no chão. Matraca e pandeiro. Os tocadores de pandeiro esticam o couro do instrumento na beira da fogueira. Se quiser te mando as fotos. Fomos num grupo e temos ótimas fotos, com câmera profissional. Quando for de novo não deixe de conhecer o Centro Cultural Vale Maranhão. Ele abriu há uns dois, três meses no máximo. Uma casa do centro histórico restaurada. Tá linda! Tenho fotos tb.

Estive em São Luís na mesma época. Chegamos no dia 22/6/2017 e fomos para os Lençóis no domingo, 25. A cidade foi uma gratíssima surpresa.

O Grand Luis é um bom hotel, bem no magnífico centro histórico. O centro histórico é muito bonito. Não é extremamente bem conservado, mas não está em estado precário. Em particular, há imóveis vazios (se eu morasse em São Luís não deixaria de morar num deles), que ficam mal conservados. Mas o centro histórico é magnífico. Tem vida, sem ser muito movimentado, o que dá um ar e um ritmo verdadeiramente colonial ao lugar.

Ao contrário de Campina Grande, aonde também estive em junho passado, há vários arraiás pela cidade, com diferentes bois. Vimos o boi Maracanã num bairro rural, o boi Santa Fé em Maria Aragão e o boi Guimarães no arraial do seminário de Santo Antônio. Só em Maria Aragão era num palco. os outros foram na rua.

A festa é da cidade. Não tem muito turistas, o que a torna especial.

A visita foi muito facilitada pela companhia de pessoas, que embora do Rio e de São Paulo, conhecem bem a cidade e pessoas dela. De qualquer forma, São Luis é uma capital que vale conhecer.

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