Sonido (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração: Daniel Kondo

Ilustração | Daniel Kondo

Saí de “O som ao redor” estarrecido. Na minha cabeça – que é dada a esse tipo de simplificação grosseira – eu tinha acabado de ver um filme argentino made in Pernambuco.

Saí estarrecido, mas não rendido. Eu sabia que tinha assistido à execução de um roteiro inteligentíssimo, mas ainda era cedo para esquecer as várias vezes em que precisei trocar de posição na poltrona por causa da edição arrastada. A direção tinha grande o mérito de não deixar os atores escorregarem para o overacting típico da televisão, mas será que precisavam ser tão desanimados? O sotaque era pernambucano, mas o tom, escandinavo.

Dormi uma noite, e o filme ficou muito melhor. Há quanto tempo eu não acordava pensando no filme que vi na véspera? Eu sei que a essa altura é ocioso falar de um filme que toda a crítica já elogiou, e que até o New York Times incluiu na lista dos 10 melhores do ano passado (na companhia de “Amor”, “Lincoln”, “Django” e nenhum argentino). Mas dei uma busca no amansa-burro 2.0, o Google, para ver se ia ser redundante demais.

Se o roteiro de “O som ao redor” não for brilhante, pelo menos me enganou direitinho. O que parecia um painel sobre as relações sociais no Brasil (a promiscuidade de classes, as portas dos fundos, os uniformes, as grades, o enclausuramento ) servindo de pano de fundo para uma história de amor blasé era, na verdade, um thriller muitíssimo bem urdido. (Sim, só eu não sabia – ao contrário de você, eu não leio críticas antes de ir ao cinema.)

O que mais me impressionou na hora, e continua me impressionando agora, é a capacidade do diretor Kleber Mendonça Filhode captar a feiúra do universo da classe média alta, a duas quadras da praia. E sem forjar nenhum ângulo, nem cometer nenhum exagero de (des)produção. Confirmei por que acho Recife tão parecida com Porto Alegre. A verdade das locações e dos ambientes é espantosa, e torna ainda mais críveis todos os personagens.

Já não acho mais o filme arrastado ou desanimado. Mas um incômodo persiste. Num filme em que o som é personagem, o sotaque do protagonista não me soou pernambucano. Fui à internet. Gustavo Jahn é catarinense.

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3 comentários

Eu acabei de sair… vamos ver se amanhã melhora, mas por enquanto as impressões são as dos 2 primeiros parágrafos.

Puxa, eu fiquei impactada exatamente como voce se descreve na manhã seguinte. Essa é a melhor crítica que li sobre o filme, que é mesmo muito bom. Obrigada por “viajar” por ele. Ah, eu também só leio as críticas depois… Abraços!

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