Suposições (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

do Aurélio

É paranóia minha, ou não existe mais notícia que não contenha a palavra “suposto”? De repente, tudo virou “suposto” – de esquema de corrupção a assassinato seguido de ocultação de cadáver.

Eu sei que dar ao suspeito o benefício da dúvida é o ponto de partida de qualquer processo de justiça. E acho louvável que a imprensa não saia mais condenando todos os suspeitos da primeira página.

O meu problema é com a palavra que escolheram para usar como padrão. “Suposto” é péssimo. Está ali ali com “risco de morte”, “diferentemente” e outras bobagens que os revisores têm imposto ao público.

Atenção, burocratas padronizadores do idioma: muito antes de “suposto” entrar para o jargão do jornalismo, já era usado pelos brasileiros – com um sentido totalmente diferente do que os senhores querem imprimir.

Na vida real, quando falamos de um “suposto” isso ou aquilo, não estamos concedendo o benefício da dúvida; estamos apostando todas as fichas na falsidade da suposição.


“Suposto” já vem tão impregnado de ironia, que é como se fornecesse aspas para o que vem depois. Uma suposta namorada, por exemplo, é um óbvio golpe de marketing: o cara é gay. Se a prefeitura supostamente fiscaliza, é porque duvidamos disso com veemência.

Daí quando a repórter da TV vem falar na “suposta morte” da amante do goleiro, eu tenho vontade de mandar uma suposta bomba ao suposto editor que obrigou a suposta criatura a falar desse jeito.

Sugestão: que tal, enquanto não acharem o corpo da pobrezinha, usar a palavra “desaparecimento”? Pronto. Ninguém se compromete, mas também não zoa com o espectador.

Posso pedir um favor? Da próxima vez que vocês pegarem alguém transportando dinheiro na cueca, pondo dinheiro em meia ou combinando empresas de fachada por telefone, dá para não usar a expressão “suposto esquema de corrupção”? Que tal, no lugar, empregar locuções como “acusado de” ou “suspeito de”? Ou aqueles lindos verbos no condicional, por que não? Fulano “teria” recebido, a quadrilha “agiria” no ministério… O futuro do pretérito vem com o benefício da dúvida do tamanho exato que esse pessoal merece.

Ou, pelo menos, é o que eu suponho.

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15 comentários

Bom mesmo é quando vem como legenda: foto de aloprado em quarto de hotel, lotado de dinheiro, negociando compra de dossiê e a legenda – “acusado da suposta compra de dossiê” 😯

Pois é!!!!!!

O suposto deve fazer parte do autoritário e demagógicamente irritante Manual do Como Ser Politicamente Correto. Não sei onde ele é distribuido ou mesmo vendido, mas parece que seu contéudo se propaga na velocidade da luz, ou sei lá do que. Os físicos de plantão que me ajudem!

Perfeito Ric, difícil também é suportar esses gerundismos que atacam a mídia, onde apresentadores e jornalistas lembram operadores de telemarketing. Parodiando uma música é tudo muito “….jocoso, impreciso, diria misterioso, indecifrável….”

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