Tecla SAP (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração: Daniel Kondo

Ilustração | Daniel Kondo

Todo mundo tem um parente (no mínimo, um amigo) que, quando vai ao exterior, consegue se comunicar com naturalidade com falantes de qualquer idioma, usando o velho e bom português – tendo apenas o cuidado de falar ALTO e PAU-SA-DA-MEN-TE. Pessoas assim nascem equipadas com um aplicativo natural, uma espécie de Google Translator ativado pelo volume da voz. Todas costumam voltar vivas das viagens, então deve funcionar.

Eu nem preciso sair do Brasil para que isso aconteça comigo. Não que eu domine a técnica. Eu entro no papel de alvo – sempre do outro lado da interlocução.

Os cenários mais recorrentes desses episódios são as atrações turísticas. Quando chega a minha vez, solto um “Quanto é?”, e a resposta vem pronunciada à custa de intensa ginástica facial: “CIN-CO RE-AIS”. Passo pela entrada, pergunto o de praxe: “Pode fotografar?”. Sou então informado: “PÓ-DE, SEEEM FLÉÉÉÉ-CHI!”.

Minha gestallt de mochileiro velho alemão e meu sotaque indefinido levam atendentes e ambulantes a crer que eu decorei com muito esforço algumas frases em português, e não estou devidamente aparelhado para entender a resposta. Deve acontecer com freqüência com mochileiros velhos alemães autênticos. Viajantes bem-informados têm consciência de que estão vindo para o único lugar do mundo onde os vendedores de souvenirs não sabem dar preço em inglês. Os mais espertos fazem aulas com brazucas antes de viajar.

Muitas vezes travo longos diálogos sem que meu interlocutor se dê conta de que está falando com um súdito de Roberto Carlos que nem ele. O causo mais engraçado me aconteceu há uns dez anos, em Pernambuco.

Peguei um táxi em Olinda para voltar ao Recife. Eu sabia que o trânsito da praia de Boa Viagem tinha acabado de mudar, e imaginava que um taxista olindense pudesse não estar a par. Do banco de trás, fui dando as instruções: “a Conselheiro mudou de mão, então o senhor vá pela Domingos Ferreira e vire à altura do Segundo Jardim”.

O taxista ouviu, aquiesceu, ouviu mais um pouco, seguiu em frente. Lá pelas tantas, não se agüentou. Virou-se para trás e perguntou:

– Mas o senhor fala português mesmo?

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32 comentários

O importante é a comunicação. Com um pouco (ou muito mesmo) de boa vontade, ninguém fica com fome, sede, deixa de visitar os lugares. E comprar então? Mais importante que a pronuncia é ter o dinheiro para pagar. E, pelo que o Governo anda divulgando, o brasileiro está gastando no exterior com vontade.

Comigo sempre acontece o contrário. Em qualquer lugar que eu vá sempre me reconhecem como brasileira. Não sou bunduda, tenho os cabelos curtos, sou bem magrela, não falo alto, enfim, nenhum esteriótipo. Mas, até na Turquia os vendedores (sempre eles, claro) se dirigiam a mim em uma tentativa de português. Nunca entendi isso.

Tenho um conhecido que gostava de receber estrangeiros em casa (amigos de amigos…), mas não falava idiomas. Comunicava-se assim como descreve o Riq. Até um dia receber um cara da Alemanha que não aguentava mais ouvir o dono da casa falando português MUI-TO BE-EM EX-PLI-CA-DO e AL-TO. Tascou um “Felipe, eu não sou surda, eu sou alemão!!!” Atenção para o “surdA” 😀

Sou um baiano branco. Trabalhei um tempo num escritório próximo ao Pelourinho e almoçava sempre no bairro histórico. Agora pense o que é passar pela mesma pessoa quase todo dia e ser abordado com uma tentativa de espanhol: “hola amigo, un regalo”.
No começo eu até me divertia. Dizia apenas, “não quero fita do Bonfim, obrigado”. O tempo foi passando, um, dois, três meses. O sujeito, chato e grudento, teimava em não me reconhecer. A paciência foi esgotando, até que larguei um baianíssimo “que p****, todo dia é isso, se saia!”
Ele não incomodou mais.

Dei muita risada, principalmente pq ja vi muito brasileiro falando portugues bem alto, achando que assim os americanos entendem. É muito engraçado.

    Eu trabalho muito, mas muito proximo da Apple Store da 5th Ave em NYC. Ja vi varias vezes brasileiros falando aqui bem alto: “TRES
    AI-PEH-DIS, POR-FAVOR” e os funcionarios ficarem perdidos, primeiro por estarem falando um idioma que nao entendem e tambem pela pronucia da bugiganga, hahaha.

Sou paraense, em São Paulo, por causa do sotaque, acham que eu sou carioca. Na Espanha, me perguntaram se eu era italiana e na Itália, se eu era espanhola… Enfim, tenho muitas nacionalidades!

Um amigo utilizou a técnica do FALAR ALTO E PAUSADAMENTE com um atendente de uma loja no Paraguai que sapecou, em alto e bom TOM:
Hablo portugues y no soy sordo!!!

Já aconteceu comigo em Jeri, de perguntarem se eu falava português e, mais engraçado ainda, em Lisboa, quando um taxista cismou que a gente era um casal americano e só falava em inglês conosco, mesmo a gente insistindo em falar português! E nem temos o estereótipo americano…

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