Volta (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração: Daniel Kondo

Ilustração | Daniel Kondo

Nos encontramos em Paris. Mas não foi amor à primeira vista. Eu estava à procura de outra, mais famosa. Só que o preço estava impraticável; então, depois de muito hesitar, acabei levando a segunda opção.

Nunca cheguei a saber o seu nome. No entanto, ela tinha tudo o que um homem pode procurar numa mala: quatro rodinhas giratórias independentes, alça retrátil com duas alturas, casco levíssimo de última geração. Possuía apenas um defeito meio grave: uma única divisória interna. O que você pusesse na metade desprotegida ficava sambando lá dentro — e quase sempre pulava para fora assim que a mala fosse aberta.

Mas desde o início relevei esse detalhe, e rapidamente me afeiçoei à bichinha. Ela era bonita. Tinha presença. No dia a dia, revelou-se superparceira. Rodas potentíssimas, equilíbrio nota 10: praticamente andava sozinha. Só não subia escada.

Para todos os efeitos, era a companheira perfeita. Googla lá: “A mala ideal”. Você vai nos ver em ação. (Eu sou o careca.)



Juro que nunca contei para ninguém esse lance da divisória. Isso era uma coisa entre nós dois. Imagino que ela também fosse discreta e não saísse por aí falando do monte de camiseta preta repetida que ela tinha que carregar.

No fundo, porém, acho que ela percebia que não era a mala da minha vida. E então aconteceu. Semana passada, numa conexão mal-enjambrada entre Nova York e Amã, ela resolveu ficar pelo caminho. Onde? Ora: em Paris. Me reembarcaram via Frankfurt, mas ela ficou lá na cidade em que começamos a nossa vida em comum.

Por quatro dias perambulei maltrapilho pelos cafundós da Jordânia, já que não podia desviar o tour de convidados para uma tarde num shopping da capital. Ela conseguiu se esconder por 48 horas, e então foi localizada, ainda no aeroporto. Mas até agora não houve força que fizesse a danada sair do lugar.

Desencanei. Ela que fique com as minhas camisetas pretas, que eu vou partir pra outra.

Só que de vez em quando penso nela, coitadinha, extraviada num depósito do Charles de Gaulle, e na vida inteira de viagens que ainda teríamos pela frente.

Dona Lufthansa, quer por favor convencer minha mala a voltar pra mim?

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32 comentários

Gente, fiquei fã da mala! rsrs Adoro esta história e vamos acompanhar. Será que vai ter reencontro, cada um de um lado, correndo pros braços (rodas) um do outro? Imagina a foto-legenda em um site de fofocas: “O turista profissional Riq Freire é flagrado maltrapilho na Jordânia depois da separação causada pela Lufthansa. A mala, nem aí, resolveu morar em Paris”.

Ai, genial o texto! Quem já fez uma viagem todinha sem a mala por causa de extravio sabe bem dessa dorzinha no peito pensando em onde/como estará a bichinha.
Tenho certeza que vcs ainda voltarão um pro outro. Talvez não seja mais a mesma relação, talvez vc já esteja com outra até lá e ela tenha que se contentar com canto de armário ou ser passada adiante como segunda mão, mas estou segura que haverá um reencontro 😀
(e a ilustração do Kondo tá liiiinda!)

engraçado ouvir que foi a Lufthansa, pois minha vizinha voltou com eles este ano de Budapeste, também teve uma conexão trocada, e também ficou a ver navios com a mala.
menos mal que foi na volta, mas mesmo assim todos os presentinhos e a maquiagem ficaram na mala extraviada. daí ela não sabia se comprava mais maquiagem ou aguardava – sabia-se lá quando a mala iria aparecer novamente. acho que demorou mais de um mês, mas chegou no Brasil.
é, parece que o departamento de malas extraviadas da Lufthansa deixa desejar (ou deve ser criado ainda!).

Ainda tenho esperança de que vocês se reencontrem e viajem muito juntos. E se isto não acontecer, este terá sido um lindo tributo a ela. 😉

Ricardo, Bóia e demais leitores do blog,

Sou advogado em Curitiba, tenho atuado bastante com ações judiciais contras as Cias. Aéreas: cancelamento de voo, overbooking, perda de bagagem (temporária ou permanente), atraso de voo, perda de conexão, entre outros!

No seu caso específico, a situação é muito simples, e aí vai a dica para todos: chegou ao seu destino, a mala não veio no seu voo, sem problemas, compre tudo que é necessário até sua bagagem aparecer!

Caso encontrem sua bagagem 1, 2, 3, 10 dias após sua chegada, ou, sendo pessimista, tenham perdido em definitivo sua mala e seus pertences, procure um advogado de sua confiança e processe a Cia. Aérea por danos morais e danos materiais, é causa ganha!

Abraço e boa sorte!!

    Um acréscimo: como danos materiais devem ser comprovados e não há inversão do ônus da prova que altere isso, aconselho a todos que forem viajar que tirem foto de toda peça que for colocada no interior da mala, durante a montagem, até que ela esteja pronta.

    Isso facilita na hora de comprovar o que tinha no interior da mala e, apesar de não ser um comprovante de pagamento/recibo/nota fiscal, já funciona como indício de prova na hora de comprovar os seus danos materiais.

    Abraços,

    Lucas

    Oi Lucas, com certeza ajuda e facilita muito, principalmente para produtos que foram perdidos sem nota fiscal, aqueles itens que o viajante leva de casa já na viagem de IDA!

    Além das fotos, o que também deve ser feito é apresentar orçamentos dos objetos pessoais perdidos para pedir o ressarcimento perante as Cias. Aéreas!

    Abraço a todos e boas viagens!

Atenção: Os comentários são moderados. Relatos e opiniões serão publicados se aprovados. Perguntas serão selecionadas para publicação e resposta. Entenda os critérios clicando aqui.

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