Vale a pena comprar dólares canadenses

“30 países onde o real vale mais que a moeda local”: não caia nessa!

Dólar x real

Esta semana circulou nas mídias sociais o artigo de viagem mais sem-noção dos últimos tempos. Obra-prima de algum blogueiro do Skyscanner, 30 destinos onde o real vale mais foi distribuído como press release e repostado na íntegra por publicações que deveriam entender do riscado, como o site de notícias econômicas Infomoney e o jornal do trade turístico Panrotas.

Segundo o artigo, países ainda baratos para brasileiros são aqueles em que 1 real vale mais do que 1 ‘dinheiro’ local. Assim, o Uruguai está barato porque 1 real vale 8 pesos uruguaios (de fato, qualquer pessoa que tenha ido a Punta del Este recentemente pode atestar como tudo é baratinho). O Chile, então, é uma pechincha: 1 real vale 180 pesos chilenos! (Não importa que um sanduíche custe 40 reais; o que vale é que 40 reais compram 7.200 pesos chilenos em sanduíche!) E agora tome essa: entre os destinos mais baratos do mundo para brasileiros, graças à força que resta do real, estão as… Ilhas Seychelles, onde o nosso indômito real vale 3,82 rúpias seychelentas (sei lá como se escreve). E ainda faltam 40 dias para o 1º de abril!

OK: qualquer pessoa em pleno uso de dois neurônios, ao chegar ao parágrafo das Seychelles (à guisa de informação: uma villa neste hotel sai por 10.000 dólares por noite em agosto, acabei de cotar), nota que tem alguma coisa errada com o raciocínio. Mas quem não ler o artigo inteiro (em se tratando de internet, uns 90% do público) vai apenas reforçar as suas concepções errôneas sobre câmbio — as mesmas do autor do post.

Aqui no Viaje na Viagem todo dia aparece uma alma perdida querendo levar dólar australiano para os Estados Unidos, só porque o dólar australiano é mais barato que o dólar americano. Um sem-número de turistas brasileiros tem perdido dinheiro ao comprar no Brasil moedas aparentemente baratinhas (peso colombiano, peso mexicano) sem se dar conta de que estão sendo vendidas por aqui com 15% a 20% de ágio (até usar cartão de crédito valeria mais a pena!). A superstição de não comprar dólar “porque está caro” faz com que muita gente leve reais a lugares onde o real, ao contrário do que a matéria sugere, não é nada valorizado. (Se você chegar com reais nas Seychelles, não vai conseguir nada por eles, além de uma acusação formal de querer introduzir a zika no arquipélago.)

Essa ignorância do brasileiro em matéria de câmbio para viagem nunca foi atenuada pela nossa imprensa de economia, porque a nossa imprensa de economia não consegue dar uma dentro quando o assunto é viagem. Até hoje os cadernos de economia ainda não entenderam sequer os conceitos de alta temporada e baixa temporada, e continuam comparando preço de Réveillon em resort na Praia do Forte (altíssima temporada em hotel 5 estrelas) com Réveillon em Buenos Aires (baixíssima temporada em hotel marromenos), ou preço de Carnaval no Rio (altíssima temporada, tudo lotado) com preço de carnaval em Paris (baixíssima temporada, hotéis tendo que cobrar as tarifas mais baratas do ano para atrair hóspedes no frio). Como esperar que esse pessoal eduque o público sobre as idiossincrasias do câmbio para viagem?

Eu tento fazer o que posso, mas sinto que cada vez que a Bóia responde, na caixa de comentários, “Leve dólares”, os leitores entendem “Tome óleo de rícino de bacalhau”, ignoram solenemente e passam no caixa eletrônico para retirar reais para levar à Costa Rica.

Está na minha lista de tarefas encontrar um economista que viaje com freqüência e que consiga explicar os conceitos do câmbio que um turista precisa entender para fazer câmbio com consciência (e não só movido por superstição de que dólar dá choque e cartão de crédito é cancerígeno).

Vou relembrar alguns pontos de outros posts que escrevi sobre o assunto. Aceito colaborações e correções de economistas que viajem 🙂

Dólar não é mais caro no Brasil que no exterior

Dólar não é iPhone, que em outros lugares custa menos porque incidem menos impostos. Em termos relativos, o dólar custa a mesma coisa no mundo inteiro — é a moeda que medeia o mercado de moedas. Quando o real desvaloriza sozinho frente ao dólar, o real desvaloriza frente a todas as moedas na mesma proporção. Quando o dólar se valoriza igualmente frente a um grupo de moedas que inclua o real, o real não se desvalorizará frente às outras moedas desse grupo que sofreu a mesma desvalorização frente ao dólar.

Mas o preço do dólar vai variar conforme o estabelecimento onde você comprar e onde vender a moeda. Bancos, corretoras e casas de câmbio estão livres para fixar o preço que quiserem. Aqui no Brasil, os dólares das corretoras famosas que entregam em casa são os mais caros. No exterior, as casas de câmbio próximas a atrações turísticas ou que funcionem em shoppings ou em fins de semana vão ser as que vão pagar pior pelo seu dólar (ou qualquer outra moeda que se disponham a cambiar).

Já começam a aparecer sites que fazem a comparação do varejo de dólar no Brasil, como este (se você conhece outros, deixe na caixa de comentários). Compre o dólar menos caro que você encontrar na sua cidade, e você terá feito uma boa compra.

O mundo não está tão afim dos reais que você está levando

Para trocar bem os seus reais no exterior, você precisa ir a lugares onde haja um mercado local para a nossa moeda. Isso acontece basicamente no Uruguai, na cidade de Buenos Aires e na cidade de Santiago.

Fora desses lugares, os seus reais vão sofrer um deságio maior do que se tivessem sido trocados por dólar aqui e recambiados lá (ou usados diretamente para pagar serviços turísticos). Sem contar que, ao viajar com reais, a sua moeda pode desvalorizar durante a viagem. Eu estava no Peru em setembro, na fatídica semana em que o real caiu quase 20% com relação ao dólar, e vários lugares em Cusco simplesmente pararam de aceitar reais até que a situação se estabilizasse. (Nenhuma casa de câmbio deixou de aceitar dólar, e os cartões de crédito emitidos no Brasil continuaram perfeitamente válidos.)

Em alguns lugares, o cartão de crédito pode ser a melhor alternativa

Casas de câmbio não oferecem cotação uniforme. Variam de cidade para cidade (numa cidade grande o dólar vale mais do que numa pequena), dentro de uma mesma cidade (perto de um lugar turístico o dólar vale menos do que numa rua de bancos), e também conforme dia e horário (uma mesma casa de câmbio oferecerá cotação mais favorável em dia de semana durante o horário bancário e uma cotação mais desfavorável quando abrir no fim de semana). A moeda que você leva para trocar no outro país vai encontrar variação de até 10 ou 15%, dependendo de onde você trocar. A cotação na Cidade do México tende a ser melhor do que em Cancún (onde a oferta de moeda estrangeira é maior que a procura, e o turista está longe dos bancos). Da mesma maneira, o câmbio em Bogotá será sempre mais vantajoso do que em Cartagena.

Já o cartão de crédito, tão instável na hora de pagar aqui no Brasil (porque o real pode desvalorizar entre o gasto e o vencimento da fatura), é perfeitamente estável no quesito taxa de câmbio do dólar. A compra que você fizer na Cidade do México num dia de semana às 14h será convertida de pesos mexicanos para dólar pela mesma cotação que você receberia ao fazer uma compra em Cancún às 11 da noite de um sábado. Todas as compras usarão a mesma taxa-referência nacional (que pode até variar ao longo da sua viagem conforme o mercado de moedas, mas não conforme o dia, o horário ou o local da ‘troca’). Ou seja: não se espante se os gastos em cartão de crédito em lugares como Cancún ou Cartagena obtenham cotação melhor do que trocas em casas de câmbio (mesmo levando em conta o IOF). Só é preciso, claro, que o real não desvalorize até o vencimento da fatura.

O IOF de 6,38% é fixo, mas existem muitas outras variáveis…

Muita gente se recusa a usar cartão de crédito até mesmo em situações em que seguramente vão sair ganhando (até mesmo se o real desvalorizar até o vencimento da fatura).

Há quem perca a chance de comprar passagens de trem na Europa com 30, 50 e até 70% de desconto só para não pagar 6,38% de IOF. Dá pra por favor parar e fazer a conta?

Tem gente que não paga hotel em dólar ou cartão de crédito no Chile e no Peru, e deixa de ganhar 19% e 18% de desconto de IVA, respectivamente — só para não comprar “dólar caro” ou pagar 6,38% de IOF. Caramba, é quase 20% de desconto!

No Uruguai, o desconto de 18,5% para quem paga restaurante com cartão (e que é válido até 31 de março) cobre os 6,38% de IOF e ainda faz sobrar os 10% da gorjeta. Mesmo se o real desvalorizar 10% até o pagamento da fatura, vai dar elas por elas. Não vale a pena apostar no desconto certo em vez da desvalorização incerta?

Enfim, sempre que você compra moeda fraca no Brasil, aparentemente baratinha, mas que é vendida por aqui com 15%, às vezes 20% de margem, você perde muito mais do que se usasse cartão de crédito direto…

Vai viajar levando dinheiro vivo? Faça sua poupança em moeda forte

Bastaram cinco anos de valorização constante do real frente ao dólar para o brasileiro se esquecer que, salvo períodos excepcionais (eu diria: irreais) como a gente viveu, a melhor poupança para viagem ao exterior é aquela que a gente faz diretamente em moeda forte. Compre dólares (ou euros, se vai para a Europa, ou libras, se vai para o Reino Unido) aos pouquinhos, e garanta seu poder aquisitivo nas viagens seguintes.

Se o Skyscanner fosse fazer um post “Países em que o dólar ainda vale muito”, teria que incluir o mapa-múndi inteiro.

Como diminuir seus gastos em viagens ao exterior

Esse videozinho se refere a viagens à Europa, mas você pode adaptar as dicas para qualquer destino.

Leia mais:

122 comentários

Simplesmente perfeito! Tem que prestar atenção pra não cair na publicidade! Só por curiosidade, percebo também que quase todo post/vídeo/vlog sobre a Disney é patrocinado, por que será?

Isto é relativo.
Não dá para comparar o custo de uma viagem padrão econômico na Romênia com outra similar no Reino Unido ou Escandinávia, por exemplo.
O leste europeu da Schengen Area em viagem econômica é barato sim assim como a Ucrânia e os países bálticos .
Mas há de se ter em mente que tirando a Transilvânia e a região próxima ao mar Negro não há muito o que fazer na Romênia (minha opinião )pois Bucareste é uma cidade sem grandes ou mesmo médios atrativos. Não é uma Budapeste que possui n opções de turismo para todos os bolsos.
Assim penso que além do custo e da forma de viagem de cada um há de se ter em mente se aquele destino combina com seu propósito de viagem ou corre o risco de ter gasto pouco mas gasto mal.

Estranho.
Usei normalmente o Itaú para saques de conta corrente e até saque do cartão de crédito.
No hotel também foi tranquilo. Nem usei os dólares e euros que levei.
O único lugar que deu problema foi na Disney mas depois que liguei para a Central o cartão de crédito passou.
Em Macau e Shenzen também funcionou normalmente.
Era cartão Itaú e ele mesmo já me deixou em perrengues em outros locais , sobretudo no meio-oeste dos USA em destinos não turísticos.

No Paraguai o Real vale hj em dia 1.500 Guaraníes. Muitos amigos do Brasil acham que o Real eh mais valorizado que o Guaraní. Mas pra mim sai muitas coisas mais baratas no Brasil por causa da desvalorizaçao do Real.
Parabéns pelo artigo! Vou compartilhar!

Ricardo, faltou falar os países em que, com a alta do dólar, ainda ficam razoáveis de ir, que, afinal, eh o motivo pelo qual as pessoas abriram a fatídica reportagem! Países em que o real vale mais q a moeda local são países em q, comparativamente, conseguimos comprar mais do q compraríamos aqui convertendo…da pra entender? Vou explicar! N adianta ir para um pais onde 1 moedinha local vale 0,15 centavos de real se pra comprar um refrigerante vc precisa de 250 moedinhas, ou seja, quase 38 reais! Mas e se vc n bebe refrigerante e lá a agua custar apenas 12 moedinhas, menos de 2 reais, aí vale! Eh claro q esse eh um país fictício q acabei de criar, mas o q quero dizer eh q devemos analisar nossos hábitos de viagem e aí sim comparar os preços para chegar ao real valor do “vale a pena”. Recentemente fui à Romênia, país que freqüentemente eh citado em reportagens como essa…já deixando de lado a perda da dupla conversão (troquei euros aqui e troquei por leis romenos lá) um refrigerante custava aproximadamente 2,50 reais. Uma refeição custava 15 reais por pessoa, uma garrafa de um vinho regular custava uns 20 reais! Aí eu vi vantagem!!!! Londres n vale mt a pena pq um refrigerante custa 20 reais, uma refeição 100 reais por pessoa e uma garrafa de vinho? Sinceramente? Não quis nem calcular!! Claro q nem tudo será vantajoso, na própria Romênia eu pagava aproximadamente 8 reais no chopp…fora q passeios turísticos e hotéis eram pagos em euro! Achei q no final das contas valeu a pena, pois no total paguei menos do que pagaria se tivesse escolhido um destino no próprio Brasil. Para saber se um destino vale realmente a pena pra vc, vc tem q avaliar os seus hábitos de viagem, pesquisar preços no local e aí sim fazer a conversão. Pra mim, por exemplo, mt vale a pena a Europa, ainda q com o real desvalorizado! Pq na Europa, por exemplo, eu entro em qquer pocilga e compro um salgado de um euro pra matar a fome, meu objetivo eh não ficar cheia pq ando mt, só paro mesmo pra jantar, geralmente gastando uns 10 euros sem bebida, o q, no fim do dia me faz gastar uns 50 reais. Agora, já se eu fico no Brasil, numa praia por exemplo, eu vou querer almoçar aquele peixinho esperto, gastando, em média, só pro almoço, uns 40 reais…fora q rego minhas tardes à cerveja…na Europa, num descanso entre uma andança e outra, eu tomaria um choppinho e olhe lá! Aí eh soh uma questão de “qnt ta a passagem e qual a média de preço de um hotel lá”. Mas se vc eh daquelas pessoas q faz questão de almoçar, mas qnd vai à praia n tem fome, faz um almojanta e ta td certo, não sei se indicaria a Europa pra vc! Eh tudo uma questão de analisar seus hábitos e comparar! Da um trabalho danado, mas no final vale à pena.

    Ola Roberta, concordo totalmente com voce. Viajo muito e meu raciocinei é exatamente o mesmo. Não deixo de fazer algumas extravagancias gastronômicas, mas isso quando é final de viagem e se sobrou algum dinheiro com alguma folga. De resto, viajo para conhecer e não para comprar.

    Concordo totalmente. Quando li o título da matéria achei que isso seria abordado, mas o texto trata, em sua maior parte, apenas do óbvio.

Eu na minha ignorância e primeira viagem internacional caí nessa! Achei que seria rainha em Buenos Aires, porém gastei quase o triplo do que “planejei”!
Adorei o artigo!

O tal do “aifone” não é mais caro no Brasil por causa de impostos. É mais caro porque o brasileiro acha lindo e paga o preço que pedem.

Na Suécia aceitam o Real e o custo é mais baixo do que o do Brasil.

Pura verdade. Foi a punta del leste Janeiro /2016. Lugar super bacana, porém, as coisas são caras :hospedagem, restaurantes e etc. Essa história que o Real vale mais e etc é balela realmente.

Mas Alessandro, o câmbio também tem conceito de nominal e real (ignorando os preços, como o usado pelo autor do artigo que o Ricardo critica, e levando em consideração os preços, respectivamente). O Ricardo usou câmbio real para fazer a crítica no artigo. E fez a comparação no mesmo momento do tempo.
O cara que você está criticando sugeriu usar o câmbio real para comparar dois momentos do tempo. É muito justo, desde que ele lembre que tem que usar inflação daqui e dos EUA. Do ponto de vista de análise econômica faz todo sentido.

Ave Ricardo! O César das viagens. Sempre esclarecendo os incautos e ensinando os desavisados. Mais um post magistral, como sempre

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