Expedição Katerre Amazônia

Expedição Katerre: visitando a Amazônia

Expedição Katerre: diário de bordo

“I need an adapter!” Foi assim que a elegante senhora italiana cumprimentou o motorista de táxi de Novo Airão que veio nos buscar no hotel em Manaus.

Era um sábado de manhã e tínhamos pela frente um traslado de duas horas e meia que nos levaria a um cruzeiro de quatro noites pelo Rio Negro e afluentes. Ficar cinco dias sem internet pode ser uma bênção, mas como viver sem o secador de cabelos? A senhora italiana estava certa.

Não me lembro mais se o taxista entendeu de cara o pedido ou se eu precisei dar uma ajudinha na tradução. Só sei que ele mandou qualquer coisa tipo um xá-comigo, e partimos — o elegante marido da elegante italiana no banco da frente, para não perder nenhuma foto que se oferecesse à sua portentosa câmera.

Preciso confessar que eu tinha certeza absoluta de que o motora ia dar uma paradinha protocolar numa birosca de conveniência, onde seria rapidamente constatada a inexistência de adaptadores internacionais de tomada no caminho entre Manaus e Novo Airão. Ledo (e naglo) engano.

Antes de pegar a ponte (estaiada, como de repente todas as pontes ficaram), paramos numa dessas superlojas de material de construção. Em pouco mais de 5 minutos a senhorinha saía ostentando o seu adaptador como se fosse uma taça. Placar: Itália 1, Três Pinos 0.

Flor do Luar

Expedição Katerre: visitando a Amazônia 1

Novo Airão, de onde saem os cruzeiros da Expedição Katerre, é uma pequenina cidade do rio Negro situada à altura do arquipélago das Anavilhanas. O ponto de partida é o flutuante Flor do Luar, que fica em frente ao hotel Mirante do Gavião — não por acaso, dois empreendimentos dos mesmos sócios da Katerre.

Katerre Flutuante Flor do Luar

Os flutuantes amazonenses funcionam como bares de praia: você vai para passar o dia, incrementar o consumo nacional per capita de cerveja, almoçar e cair n’água.

Fomos recebidos com caipirinhas, matrinxã na brasa, baião de dois, farofa e banana assada – o trivial amazonense interpretado com delicadeza pela chef Debora Shorn. Choveu, fez sol, choveu mais um pouco e fez sol outro tanto, de modo que quem quisesse poderia alternar banhos de rio e de chuva.

Foi quando conhecemos os demais passageiros da nossa expedição.

Havia um outro casal de italianos que não podiam ser mais diferentes dos conterrâneos no meu táxi: despojados e práticos, dariam perfeitos garotos-propaganda do Lonely Planet (caso o Lonely Planet falasse de passeios de 500 dólares a diária).

Mas os dois casais tinham algo em comum: estavam na sua terceira ou quarta viagem ao Brasil. Sim, essas pessoas existem, e são muito mais numerosas do que se imagina.

Num mundo loteado pelo overturismo, o Brasil continua um oásis – pena que o brasileiro não entenda isso, e seja o primeiro a desaconselhar gringos a vir para cá. (Qualquer dia eu falo mais sobre esse fenômeno.)

Expedição Katerre

Além dos italianos, ainda embarcariam o Ruy Tone — chief executive cacique da Katerre — e um simpático, letrado e viajado casal de jornalistas brasileiros que, assim como eu, estavam viajando a convite.

E la nave va

Katerre Jacaré Açu

No meio tarde, ele chegou, carranca em riste: o Jacaré-Açu, nossa casa pelas próximas quatro noites. Uma beleza de embarcação, toda de madeira, com dois andares e um deck na cobertura.

No piso de baixo, quatro cabines com camas de solteiro; no segundo piso, outras quatro cabines, mas com cama de casal — todas as oito com banheiro privativo. Ou seja: no máximo, viajam 16 passageiros. Cozinha e refeitório ficam embaixo, a sala de estar em cima, e espreguiçadeiras e redes ocupam o topo.

Eu já tinha entrado nesse barco dois anos atrás, de carona numa visita técnica de agentes de viagem. Desta vez, porém, o Jacaré-Açu me pareceu incrivelmente mais luxuoso.

A sensação me sobreveio aos 2 minutos do primeiro tempo, quando abri a porta da minha cabine e… tcharam!, estava gelada. Tiveram o cuidado de ligar o ar condicionado antes dos passageiros subirem no barco. Naquele momento eu intuí que a expedição sairia melhor do que o esperado.

E lá fomos nós.

Expedição Katerre

Novo Airão é tão diminuta que, no tempo que você leva para acenar um tchauzinho para quem ficou, já não vê mais nada além de floresta. Passamos o fim daquela primeira tarde no deck, contemplando o verde sem fim e a total ausência de wifi.

Katerre comida

Depois do jantar (a primeira de uma série de deliciosas refeições caseiras preparadas por cozinheiras de mão cheíssima), nos reunimos na sala de estar para a preleção do Ruy. Aprendemos sobre a Amazônia e repassamos o roteiro da expedição.

Nosso destino: o Parque Nacional do Jaú, uma área da bacia do rio Negro compreendida entre três rios — o Carabinâni, o Jaú e o Unini — e que desde 2003 está catalogada pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade.

Nos próximos dias, além de penetrar na área mais preservada da floresta, visitaríamos as ruínas de uma cidade-fantasma amazônica, veríamos petróglifos, visitaríamos comunidades ribeirinhas, nos embrenharíamos na selva em busca de cavernas, tomaríamos banho de cachoeira e soltaríamos tartaruguinhas mantidas no berçário de um projeto de conservação.

Dia 2:Rain forest

Expedição Katerre

A atividade inaugural, na manhã seguinte, foi uma incursão a pé de quase quatro horas à selva. Fomos conduzidos pelo Josué, nascido e criado na floresta, descendente de índios tukano e de japoneses (por parte de vó). Josué também leva turistas por expedições de vários dias mata adentro.

A caminhada é um pretexto para que Josué demonstre as técnicas de sobrevivência na selva: como usar os recursos da floresta para fazer fogo, cicatrizar ferimentos, retirar água potável de cipós, fabricar lanças e enjambrar uma cinta que permite escalar o tronco das árvores.

Ah, sim: a primeira seringueira que encontramos no caminho serviu para uma aula prática de como extrair o látex para fazer borracha.

Sem querer, Josué também demonstrou outra formidável habilidade de sobrevivência na selva dos guias amazônicos, que é a de se comunicar em qualquer idioma aprendido de orelhada. Josué costurava italiano com inglês com admirável destemor. Na próxima encarnação quero ser assim.

A chuva torrencial que nos pegou na metade do caminho pareceu encomendada para proporcionar a experiência completa. Rain forest, capisci?

Chegamos encharcados às Grutas do Madadá, que eram o destino da caminhada, e ali nos refugiamos até a enxurrada arrefecer. Durante uma boa meia hora, aquele acidente topográfico se tornou, para o nosso grupo, as Marquises do Madadá.

Na Angkor do Negro

Katerre Airão Velho

Novo Airão tem esse nome porque existiu um Airão Velho. No auge do ciclo da borracha, floresceu à beira do Negro, perto do rio Jaú, um vilarejo todo arrumadinho no entorno do casarão dos Bezerra, aristocratas do látex. A decadência da economia da borracha (explicação real) e um ataque de formigas furiosas (explicação mitológica) decretaram o abandono da vila.

O que restou do casarão dos Bezerra está invadido por troncos, raízes e cipós, numa versão cabocla (e bonsai) da cidade perdida de Angkor.

Hoje o lugar é cuidado por um senhorzinho japonês, Shigeru Nakayama, que já ganhou perfil no New York Times e volta e meia dá entrevistas para documentários e programas de TV gringos. Pode pedir autógrafo, o cara é uma celebridade internacional.

Alegrias da vazante

Eu costumo recomendar passeios à Amazônia durante a época das águas mais altas, entre maio e setembro, quando a floresta está mais alagada. Com os rios cheios, dá para entrar mata adentro de canoa ou voadeira, passeando pelos igapós quase à altura da copa das árvores.

Esta expedição ao parque do Jaú, feita no fim de janeiro, ainda encontrou o nível das águas baixo. Em compensação, tivemos algumas experiências que não são possíveis na cheia.

Katerre petróglifos

A primeira delas foi a saída para ver de perto os petróglifos pré-colombianos existentes perto de Airão Velho. Se passássemos um mês mais tarde, a água já teria coberto essas incríveis gravuras, que parecem aparentadas com as inscrições rupestres da Serra da Capivara.

Katerre cachoeira do Carabinâni

A outra atividade que só a vazante proporciona foi o banho nas cachoeiras do Carabinâni. Pedras estrategicamente colocadas por Tupã no leito do rio formam uma corredeira com nichos para cair n’água — mas só enquanto as águas não sobem. Um momento Brotas no meio do seu passeio de selva.

Katerre praias amazônicas

E finalmente deu para encontrar as últimas nesgas de areia que criam as praias amazônicas. Depois, só no segundo semestre…

Homens e mulheres da floresta

Expedição Katerre

A diferença entre os cruzeiros pelo Solimões e pelo Negro é nítida. As águas barrentas do Solimões, carregadas de sedimentos, são ótimas para a agricultura — por isso, há muita ocupação ribeirinha, para cultivar a várzea na época da vazante.

Já as águas ácidas do Negro, além de repelir mosquitos, não ajudam quem quer plantar. Por isso o sistema do Negro é mais preservado e normalmente escolhido para os cruzeiros amazônicos.

As expedições da Katerre, no entanto, nunca perdem de vista a vida humana na floresta, mesmo no rio Negro.

Expedição Katerre Cachoeira

O roteiro do Jaú inclui uma visita à comunidade de Cachoeira. Pudemos acompanhar a produção da farinha de mandioca (ou ‘farinha d’água’) que, além de constituir a base da dieta tradicional local, é também a principal fonte de renda dos ribeirinhos.

Vimos a mandioca em diversos estágios de transformação — sendo ralada, fervida, transformada em tucupi e torrada. Também provamos castanha-do-pará recém-tirada do pé e aberta na nossa frente. A consistência é incrivelmente mais tenra do que a da castanha que chega ao mercado.

Expedição Katerre

Nossa visita coincidiu com um acontecimento importante: aquele seria o dia em que seriam introduzidas no rio 300 tartaruguinhas mantidas num berçário.

O Projeto Quelônios, patrocinado pela Katerre, remunera as comunidades pela preservação da tartaruga-da-amazônia. Os ovos são recolhidos das praias em que são enterrados pelas tartarugas e então removidos para um berçário central.

Ali as tartaruguinhas nascem e são alimentadas até ficarem com o casco mais duro, para que se tornem menos indefesas a seus predadores naturais. Ajudar a conduzir as bichinhas para a água foi um dos momentos mais emocionantes do passeio.

Em casa na Amazônia

Expedição Katerre

Eu já tinha me hospedado em hotéis de selva de diferentes perfis: o finado (e já foi tarde) Ariaú, o charmoso Anavilhanas Jungle Lodge e a turisticamente correta Pousada Mamirauá.

Também já tinha feito o cruzeiro superfamília do Iberostar pelo rio Solimões. (Para ler sobre essas viagens, clique aqui.) Mas estava faltando um tipo de aventura amazônica para fazer a comparação completa: uma expedição em grupo pequeno. E por isso aceitei o convite da Katerre, de que já tinha ouvido falar muito bem.

Expedição Katerre

O passeio confirmou todas as vantagens óbvias de viajar em petit comité: desembarques e embarques descomplicados, guias mais próximos, atenção aos gostos e peculiaridades de cada passageiro. Os dois casais de italianos, tão diferentes entre si, me pareceram igualmente satisfeitos ao longo da viagem.

Expedição Katerre

Mas a experiência também evidenciou a maior qualidade da Katerre, que é a de mostrar uma Amazônia com que está plenamente envolvida — do uso de taxistas de Novo Airão para os traslados, até o custeio de uma escola para crianças no Alto Rio Negro.

Ruy Tone tem sócios locais em todos seus empreendimentos; o próprio comandante do barco, o Tito, é um deles. A bordo do Jacaré-Açu não me senti um intruso na Amazônia: fui levado por quem é de casa.

Expedição Katerre

Back to Novo Airão

Novo Airão

A última manhã de passeio já nos traz de volta a Novo Airão. Há duas atividades finais.

Expedição Katerre Flutuante dos Botos

A primeira é uma visita ao Flutuante dos Botos, o pioneiro em interação com botos cor-de-rosa no rio Negro. Ali morava a família de Marilza Medeiros, que tinha por hábito dar peixe aos botos que passavam. Com o tempo os bichinhos ficaram dóceis e passaram a interagir com a família.

O lugar ficou famoso e virou atração turística, inspirando o surgimento de outros flutuantes. Os botos de Novo Airão são de casa: têm nome e são reconhecidos pela alimentadora.

Expedição Katerre Fundação Almeirinda Malaquias

A segunda atividade é uma passadinha na Fundação Almeirinda Malaquias, uma ONG apoiada pela Katerre. A fundação atua na educação infantil e na formação profissional de adolescentes, ensinando o ofício da marcenaria.

A oficina trabalha apenas com sobras de madeira usadas na construção naval e outras madeiras nobres descartadas. Os meninos da fundação transformam esse refugo em belas peças de marcheteria e também simpáticos bichinhos de madeira.

Veja todos os roteiros da Katerre aqui.

Mirante do Gavião: Amazônia design

Expedição Katerre Mirante do Gavião

Não é preciso sair correndo do barco para o aeroporto. O desfecho mais bacana para um cruzeiro pelo rio Negro é uma noite no Mirante do Gavião, o hotel da Katerre em Novo Airão.

O Mirante do Gavião tem aquele tipo de design petulante que a gente vê em muitos hotéis do Chile, por exemplo, mas que por aqui é praticamente inexistente. É um hotel que não depende da paisagem do entorno para ser fotogênico — mas que ainda assim está completamente integrado ao lugar.

Mirante do Gavião restaurante Camu Camu

Da primeira vez que eu visitei (na tal carona com os agentes de viagem), achei estranho que um hotel tão escandalosamente bonito estivesse colado na vila de Novo Airão, e não isolado na floresta.

Depois de viajar com a Katerre, porém, entendi. É que a Amazônia do Ruy e dos seus sócios não prescinde da presença humana. Gente também faz parte da natureza. Só é preciso aprender a usufruir sem destruir.

Ricardo Freire fez o roteiro do Parque do Jaú e se hospedou no Mirante do Gavião a convite da Expedição Katerre.

Leia mais:

Expedição Katerre: visitando a Amazônia 2

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    41 comentários

    Gostaria de saber se crianças de 7 e 9 anos “aguentam” a expedição Katerre ou se para eles apenas o cruzeiro Iberostar. Obrigada

    Olá Ricardo. Não viajo sem consultar o seu blog, além do que o seu texto é ótimo. Agora estou com uma dúvida. Vou a Manaus e estou entre fazer a expedição de 7 dias da Katerre ou do Iberostar. O que você me diz? Senti que a Katerre tem uma imersão maior.

      Olá, Silvia! Os dois passeios são excelentes. Têm estilos distintos, claro. Pense no Iberostar como um resort e a Katerre como um lodge de selva.

    Gostaria de ter uma experiência mais cultural e inexplorada possível. Com trabalhos voluntários e de inclusão social !

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