Salvador: Jorge e Zélia vivem na Casa do Rio Vermelho
Com excertos surrupiados de Jorje, de Dedé Laurentino
Em 2009, meu multitalentoso amigo André ‘Dedé’ Laurentino desembarcou cedo para uma reunião em Salvador e, ainda envolvido com A Casa do Rio Vermelho, o livro de memórias de Zélia Gattai que tinha lido um pouquinho antes, perguntou ao taxista do aeroporto se era muito complicado fazer um desvio até a rua Alagoinhas, só para fazer umas fotos da fachada. (Como se taxista precisasse de pedido para fazer desvio…)
Antes de voltar ao táxi, ousei subir os degraus decorados com mosaicos de azulejo e posei junto à placa do número 33, com corações que entrelaçam Zélia e Jorje (com J). Desci a escada com minha foto roubada. Estava feliz. Perguntei a um homem ali perto se a casa ainda era da família. O homem disse que a casa estava fechada havia vários anos. Mas que eu podia perguntar ao neto de Jorge, que estava ali, partindo em sua moto. Corri.
O neto de Jorge (e de Zélia!) foi com a cara do Dedé, que ganhou um tour exclusivo e totalmente inesperado — quase um prêmio literário, desses de botar no currículo e tudo.
Desde novembro de 2014, porém, não é mais preciso ter a audácia — ou a sorte — do Dedé para penetrar no universo de Jorge e Zélia. A Casa do Rio Vermelho foi reaberta como um museu-memorial do escritor que inventou a Bahia para o resto dos brasileiros e de sua companheira escritora temporã.
A casa e seu jardim são como um romance de Jorge Amado: tudo gostoso, despojado, natural.
O projeto de Gringo Cardia mantém a função de muitos ambientes — o quarto do casal, um quarto de hóspedes, a cozinha –, enquanto usa outros como salas temáticas para contar a vida e a obra do casal. Mas dá para reconhecer no memorial tudo o que o Dedé viu na visita roubada.
Eu, com a história da casa na cabeça, ia perguntando pelas coisas: a escultura de Exu, o banquinho debaixo das árvores, o limite do terreno antes da ampliação. Vi a famosa varanda, a porcelana de Picasso, sentei-me no banco de cimento e azulejos. (…) Vi os sapos de barro, as pombas de madeira com olhos de bola de gude, os desenhos de Carybé, as prateleiras com etiquetas amareladas. A mesa. Vi o que quis e o que pude. Estive na casa concreta, de cama e móveis de concreto, que havia habitado semanas antes na fumaça de minha leitura. Era segunda-feira, dia de Exu. Era 9 de agosto, véspera do aniversário de Jorge.
O ambiente mais sensacional é o quarto do casal, em que Gringo projeta sobre a cama sombras que fazem (de maneira elegante e sutil) algo que os personagens amadianos sempre se permitiam fazer
O que o Dedé não viu: o emocionante quiosque do jardim com o tema “Jorge Amado e o candomblé”, onde é exibido um lindo vídeo sobre a relação de Jorge com a religiosidade afro-baiana. Não deixe de assistir.
A casa tem uma vendinha com souvenirs e livros de Jorge e Zélia. Tentei comprar um exemplar de A Casa do Rio Vermelho — e assim tapar uma lacuna imperdoável nas minhas leituras — mas o livro tinha esgotado. Mas se você quer ter uma experiência mais parecida com a do Dedé, faça-se o favor de ler as memórias de Zélia antes de visitar a casa. Não haverá melhor guia.
Saí da casa, mas não do transe. Das tantas histórias daquela casa, que li com inveja e ciúme, jamais imaginei que uma delas aconteceria comigo. Nem que Jorge e Zélia estariam lá, no dia de minha visita.
Se for de paz, pode entrar.
Como chegar: a Casa fica numa área residencial do Rio Vermelho, não servida por transporte público. O estacionamento na rua é difícil também. O melhor é ir e voltar de táxi desde o seu hotel ou desde a parte comercial do Rio Vermelho, que é bem servida por transporte público.
Casa do Rio Vermelho
- Rua Alagoinhas, 33 | Tel.: 71/3333-1919 | Abre de terça a domingo, das 10h às 17h. Ingressos: inteira R$ 20, meia R$ 10 (estudantes e maiores de 60 anos); grátis para crianças até 6 anos | Fechado nos dias: 1º de janeiro, Carnaval, 24-25-26 de dezembro
Jorje, de André Laurentino, foi originalmente publicado no Guia do Estadão em novembro de 2012.
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Comentários
É uma verdadeira viagem. Viaje!!! Já fui várias vezes e sempre que volto descubro novidades! Viaje!
Q beleza de texto! Ah, mas q saudade eu tenho da Bahia…