Castejano (minha crônica no Guia do Estadão)

castejanoNo meu vôo para Buenos Aires, o vizinho estava com um livro tipo Aprenda Espanhol aberto numa página intitulada “Falsos amigos”. Mais do que simplesmente disseminar a desconfiança entre povos irmãos, o capítulo tinha por objetivo alertar para os “falsos cognatos” – palavras iguais às que temos no português com significados diferentes.

Depois de décadas exposto aos falsos amigos, já sei reconhecer quase todos os cognatos traiçoeiros do castelhano. Você também deve estar pelado, digo, careca de saber quais são. Mulheres embarazadas só ficam sem jeito se tiverem engravidado de quem não deveriam. Se alguém do lado de lá do tratado de Tordesilhas te extraña, é porque sente muita saudade de você.

Mas o que estou aprendendo nesta viagem são palavras que não guardam absolutamente nenhuma relação com o português. Durante um cruzeiro pela Terra do Fogo fui exposto a palavras que eu jamais compreenderia fora do contexto. Você já ouviu falar de hembras? Pois são fêmeas, coitadinhas. Como podem se referir a elas com uma palavra tão pouco feminina?

Ainda no âmbito da ciência, demorei um tempinho para entender o que seria um tal efecto invernadero – que nada mais é que o nosso efeito estufa, dublado. O problema é que o efecto invernadero acaba tendo conseqûências nefastas para o calentamiento global. Desculpem, mas a impressão que dá é que em castejano o mundo não aquece, mas entra no cio.

Algumas palavras são quase iguais – só muda a sílaba tônica. Com o acento no lugar errado, porém, parecem tiradas de algum dicionário ET. Como assim, atmósfera? O que está calentando o planeta não é o invernadeiro, mas esse acento agudo fora do lugar, apontado para a camada de ozônio dos países de língua espanhola.

Talvez a expeessão mais engraçada foi a que eu vi outro dia em Bariloche. O cardápio informava que o restaurante servia chopp de cerveza. É que chopp, em idioma maradônico, quer dizer caneca.

Só não consigo me conformar mesmo é com o fato de não haver iogurte natural em hotel nenhum da Argentina. Só yogurt de vainilla. Eles dizem “xogur de bainixa”. E é exatamente esse o gosto que tem. Uy!

55 comentários

Numa visita a um amigo em Buenos Aires, ele me recebeu soridente e feliz dizendo :” Hoy mama nos ha preparado un estofado!” Fiquei olhando pra cara dele, meio sem graça, querendo dizer que eu não comia sofás!! Passeiparte da noite tensa e quando serviram o jantar eis que suge uma carne assada de panela deliciosa! Cai na gargalhada de alivio. que falta de educação a minha, desde daquele dia a mãe dele sempre me oferece raviolis ao sugo!!! kakakakaka

Lembrei agora de um prato que vi no Uruguai uma vez. Era um “Lomo Desgraciado”
Um colega meu comeu só por causa do nome… que ao final nada mais era que o Lomo sem Gordura (grasa em espanhol).

Tenho uma xara aqui! Raridade!
O nosso pessego que vemos traduzido nas embalagens do mercosul como durazno, na Espanha vira melocoton!
Mais divertido, apesar da facil deducao de significado foi ver no chile o sanduiche virar emparedado de queso, sapateiro como sanatorio de sapatos, no Paraguai, escalera mecanica para escada rolante.Desculpem a falta de acentos mas ainda nao aprendi a usa-los no teclado americano.

É curioso também o uso do pronome vós pelos hermanos, e só por eles. Lá pras bandas da Colômbia ninguém usa esse “vós”, como nós usamos o você…

    Meilin,

    O “voseo” ( em contraposição ao “tuteo”, usado pela maioria dos hispanohablantes) é utilizado somente pelos argentinos, uruguayos e parte do Paraguay. Embora possa parecer uma aberração gramatical, é defendido com unhas e dentes pelos seus usuários. É mais ou menos como a gente, que usa o você ( antigo “vosmecê”, portanto 2a. pessoa do plural) concordando com a 3a. pessoa do singular.

    Acho legal a forma imperativa do “voseo”. Simplesmente se tira o “r” final da forma original do verbo e voilá… Pará, Pará!!
    Mais simples impossível 🙂

    JB, posso fazer um aparte para esclarecimentos lingüísticos? Tanto o “você” quanto o “vosmecê” tem a mesma origem, que é o “vossa mercê” – embora apareça a palavra “vossa”, é 3a.p. do singular mesmo, e não 2a.p. do plural. O curioso, no caso do português do Brasil, é que conjugamos os verbos referentes a você na 3a.p. do singular, mas usamos o pronome com valor de 2a.p. do singular – aquela COM quem se fala, e não aquela DE QUEM se fala… Daí os imperativos “errados”: dizemos “vai!” e continuamos a frase usando “você” em vez de “tu”, e por aí afora…

    Mas o “vos” portenho, Meilin, não tem o valor do “vós” em português, não… Ele seria mesmo mais parecido com o “você”. O nosso “vós” equivale ao “vosotros” espanhol, que acho que não é usado em nenhum país da América Latina…

    Verdade! Em Bogotá uma pessoa me perguntou de que parte do Brasil eu era. Ao ouvir que eu era do sul, ela respondeu: “é por isso que falas como argentino”. É que no espanhol uso “vos”, embora no português utilize “tu”.

aguacate na Espanha, palta na America Latina… como várias outras palavras – coche na Espanha, auto na American Latina, conducir na Espanha, manejar na America Latina e por aí vai.

Riq – adoro cronicas de “lost in translation”
bjo

By the way, a foto que ilustra o post foi tirada na Argentina. Se fosse no Chile, estaria escrito ‘lomo de toro’…. só muda o animal 🙂

Muito boa esta crônica! No carvanal eu e minha mulher fomos para Buenos Aires. Um dia fomos almoçar num restaurante qualquer na região dos outlet da Av. Córdoba, depois da compras, e a garçonete que nos atendeu disse que o prato do dia era uma tal de “machoneza” de frango. Perguntamos que prato era, mas ela não conseguia explicar. Como estávamos com muita fome e na outra mesa tinha um grupo com uns dez brasileiros, com o único cardápio em português, falei para minha mulher – Vamos pedir isso mesmo porque é o prato do dia e vem rápido.
Quando ela trouxe a comida, era umas batatas mal-cozidas cortadas, misturadas com um pouco de frango desfiado e maionese industrializada. Uma coisa intragável. A nossa conhecida maionese de frango, só que mal preparada.
Se tivesse lido o cardápio em espanhol veria que maiosene se escreve mayonesa!

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