Cruzeiro em Noronha: precisa?

Cacimba do Padre durante cruzeiro

Na semana passada dei um pulinho em Fernando de Noronha. Programei a minha viagem de modo a coincidir com a chegada de um dos navios de cruzeiro que toda semana durante o verão ficam 36 horas ancorados por lá. Cheguei um dia antes, para ver a ilha sem os cruzeiristas e ter mais condições de comparar. Confesso que viajei cheio de ideias preconcebidas; tinha certeza de que Fernando de Noronha viveria um caos durante a passagem do navio.

O navio ancora longe do porto

Não foi bem assim. Ainda que os 600 passageiros desembarcados dobrem temporariamente a população de turistas na ilha, sua presença é bem menos notada do que eu supunha. A movimentação se restringe à estrada, a alguns mirantes, à praia do Sueste e a uma área de mergulho na Baía do Sancho, longe da areia. Quem passar o dia aproveitando a Praia do Leão – a melhor da ilha nesta época do ano – ou acompanhando as manobras dos surfistas na Cacimba do Padre e na Conceição talvez nem perceba que está dividindo o paraíso com o dobro de visitantes.

No Sancho: três barcos ao mesmo tempo

A opinião geral dos ilhéus também é bem mais favorável aos cruzeiros do que eu gostaria de admitir. Com os navios chegam oportunidades de trabalho simultâneas para todos os bugueiros, guias, donos de barco e marinheiros em atividade. Os passeios oferecidos aos passageiros são de meio dia, o que aumenta a produtividade e gera ganhos de escala. Os únicos que têm seus negócios prejudicados pelos navios são as pousadas mais simples, já que os cruzeiros tendem a absorver o tipo de turista que costumava vir de avião nos pacotes mais baratos (aqueles que combinavam dois dias na ilha com cinco dias no continente).

A favor dos cruzeiros também se deve dizer que seus 600 passageiros não consomem a água e a eletricidade da ilha, e não pressionam ainda mais a demanda por novas edificações.

Crowd no Sueste

Mesmo com essas constatações positivas e esses argumentos favoráveis, no entanto, continuo achando os cruzeiros a Fernando de Noronha pouco interessantes tanto para o passageiro quanto para a ilha.

VELOCIDADE DE CRUZEIRO

Trinta e seis horas em Noronha satisfarão apenas ao turista que só esteja interessado em ‘ticar’ um destino da sua lista de lugares não-visitados. Você passa quase tanto tempo a bordo de um bugue ou de um jipe quanto na areia ou dentro d’água. Para degustar a ilha de verdade será preciso voltar.

Leão: fotografar, pode; descer, não dá tempo

A versão de meio turno do ‘ilha tour’ é tão enxuta que não é permitido aos passageiros sequer descer à praia do Leão, a mais cristalina da ilha durante o verão. “A parada para banho é no Sueste”, responderão os guias a quem pedir para ficar. A parada no Sueste se justifica pela possibilidade de nadar com tartarugas – mas enquanto esperam a sua vez, os turistas precisam se contentar com uma praia de águas turvas e padrão bem inferior ao que Noronha oferece. Ali ao lado, a praia da Atalaia—aquário natural da ilha – permanece fechada durante a estada do navio, por não comportar tantos visitantes.

A época em que os cruzeiros operam é a menos indicada do ano para chegar ou andar de barco pela ilha. O mar está revolto – é quando os surfistas vêm aproveitar o swell. De vez em quando um navio simplesmente não consegue desembarcar seus passageiros – nesta temporada, aconteceu em dezembro. Os passeios de barco podem ser sofridos; e com três barcos chegando ao mesmo tempo, o ponto de mergulho da praia do Sancho vive seus momentos de Maragogi.

O estacionamento do Forte do Boldró

À noite, quando acontecem as ótimas palestras sobre ecologia e vida marinha na sede do Projeto Tamar, os passageiros estão todos de volta ao navio, para aproveitar os restaurantes e bares do sistema all-inclusive.

BUGUISMO

O maior impacto dos cruzeiros é conceitual. O navio ancorado ao longe confirma a opção da administração da ilha pelo turismo de massa. O cruzeiro leva ao paraíso quem não quer passar pelo purgatório das pousadinhas domiciliares (nem comprar a salvação da hospedagem de luxo). Em terra firme pratica-se um ecoturismo sem trilhas nem bicicletas, que faz uso intenso de uma frota de bugues e jipões ecologicamente incorretos. Muitos dos visitantes – vindos de navio ou de avião – saem da ilha com a impressão de que ecoturismo é isso: subir num bugue e comer poeira.

Pôr-do-sol no Forte do Boldró

Só aprende a conservar a natureza quem tem contato intenso e prolongado com ela. Na minha opinião, Fernando de Noronha não deveria estimular a vinda de quem vai só vai passar correndo pela ilha.

Publicado também na minha página Turista Profissional, que sai toda terça no suplemento Viagem & Aventura do Estadão.

91 comentários

Concordo. Acho que Noronha não combina com viagem “drive-thru”. É uma ilha tão especial, que merece que o turista reserve, no mínimo, uns 5 dias para apreciá-la.
Nos últimos 10 anos estive em Noronha por 3 vezes, e nas 2 últimas vezes, presenciei cenas que me fizeram desenvolver uma certa aversão pelos navios de cruzeiro que passam pela ilha. O turista típico e apaixonado por Noronha preza as belezas naturais da ilha, a preservação ambiental (pagamos a TPA sorrindo!), aproveita cada momento que passa explorando a ilha, fazendo suas trilhas, descobrindo seus mirantes, mergulhando nas suas águas mornas cor-de-esmeralda. Amamos a sensação de paz e liberdade ao sentar na areia de uma de suas praias desertas e ficar observando o mar, ouvindo somente o barulho das ondas, se esquivando das mabuias (rss), enfim. O turista que chega pelo navio não tem o mesmo perfil. De forma geral, ele não tem a mesma sintonia com a ilha, é mais expansivo, chega nos lugares fazendo tumulto, o que por si só já afasta animais e perturba os outros turistas.
A cena mais triste que presenciei aconteceu em 2005. Foi quando um grupo de turistas do navio Pacific chegaram na Baía dos Porcos aos gritos, trazendo latas de bebidas, copos descartáveis, etc, e entraram na água (com máscaras de snorkel) fazendo tanto alvoroço que em menos de um minuto toda a diversidade de peixes, tartarugas e arraias que nadavam por ali se escondeu. Pouco depois sairam da água reclamando que não viram nada (por motivos óbvios…), foram embora fazendo o tumulto costumeiro e – pior – deixando para trás copos descartáveis espalhados pela areia e pela água. Nunca vi tamanha falta de bom senso e de consciência ecológica! Desde então, tomei uma certa aversão à passagem de navios pela ilha.
Estou com viagem marcada para novembro deste ano. Espero não ter o desprazer de rever cenas grotescas de turistas mal educados naquele que, na minha opinião, é o canto mais lindo do Brasil, e onde as praias são mais perfeitas.

Quero ir em Janeiro 2011 para Noronha. É possivel saber as datas que os cruzeiros estarão presentes na ilha? Quero evitar.

    Entre no site da CVC e procure em cruzeiros se já há datas para 2010. Mas, conforme eu te disse, é bem menos estressante para quem está na ilha do que eu imaginava.

Momento Celebridades: quem aparece na quarta foto de cima para baixo é a Malu Mader, de colete laranja e biquini preto. Ela estava lá com o marido e os filhos. Foram muito simpáticos, atenderam aos que pediram para tirar fotos com eles. Falaram que estavam hospedados na Pousada Maravilha.

Legal o tópico, discussão quente e com bons argumentos. Nunca fui a FN, mas concordo plenamente com a idéia de dificultar o acesso, e não facilitar. Não em termos financeiros. Vejam que eu usei o verbo dificultar, e não elitizar. Dificultar no sentido de deixar o lugar para os apreciadores da natureza, na sua plenitude. Ou seja, quanto menos conforto ( no sentido de ataques ao meio ambiente, pouca uso de eletricidade, pouca ou nenhuma produção de lixo, etc.), melhor. Massificar o turismo nessa região serve apenas para “ticar” o destino, como bem neologisou o Ric, não para considerar o local como um santuário ( e temos tão poucos ainda…) e tratá-lo como tal. Se o perfil do viajante não é o do contato pleno com o local, melhor ir para outro lugar. E precisamos de turismo minimalista sim. Menos é mais. Sem ecoxiísmo ou ecofobismo.

Olá.
Eu conheci Noronha fazendo esse Cruzeiro em dez/2006. E posso dizer que foi uma otima experiencia. Conheci o que queria na ilha, é obvio que não eh pssivel conhecer tudo, e outra discordo dos comentarios que dizem que se nao quer mergulhar fazer trilha ect não va pra Noronha. Calma ai. Cada um visita onde quer do jeito que quer e também faz o que quiser oras bolas. Eu mergulhei, via as tartarugas, os golfinhos. E pelo menos qdo fui não teve nenhuma “farofa” nenhuma. E para o saber de tds TODAS as embarcações despejam dejetos e etc qdo estao em alto mar, tds são assim senaum como fariam não? A consiencia é de cd m presevar a ilha e se fosse prejudicar de alguma maneira a fiscalização nai iria autorizar mais cruzeiros no local.
E a população de Noronha adora receber os turistas do cruzeiro mais trabalho para eles. E qdo fui teve varias pessoas q a noite voltaram para jantar na ilha.

Para visitar Atalaia você tem que reservar o passeio com algum guia/agência. Tem limite de pessoas por dia. Pelo que me informaram, não dá pra ir sem guia…

    O esquema de visita à Atalaia mudou de um ano para cá. Não dá mais para entrar de bugue; só indo pela trilha. E para ir pela trilha é preciso ter guia.

Riq,estava lá quando um cruzeiro chegou e tive a mesma impressão que você. Só fiquei curioso prá saber onde o navio despeja dejetos e etc., e os riscos para o meio-ambiente marinho. Outra coisa: era noite de lua cheia, e o barco todo iluminado ao longe quebrou o climão do luau na praia…

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