Cuidado com a síndrome do ‘overplanning’

Estação St. Pancras, Londres

Quem cunhou o termo foi o Ruy Mendes, um trip que comenta pouco mas comenta bem. Eu estava tentando convencer alguém a planejar com menos rigor uma temporada… na praia (!), quando ele tascou, preciso: “temos aqui vários clássicos de overplanning, doença que acomete muitos comentaristas deste blog”. Bingo!

Veja bem: não é culpa sua. De uma certa forma, somos levados a planejar atividades demais por uma questão até cultural. As excursões nos ensinam a viajar assim, oferecendo a logística para uma overdose de atividades. As operadoras de pacotes nos ensinam a viajar assim, nos colocando em hotéis mal-localizados e então compensando com uma overdose de passeios. E, finalmente, a internet nos leva a viajar assim, com a overdose de informação que nos oferece.

Por isso é necessário a gente parar um pouquinho e organizar os pensamentos. Eu proponho que na sua viagem — para qualquer lugar — você programe aqui e ali um tempo livre para descobrir coisas, um tempo livre para mudar de idéia, um tempo livre para entender o que está vendo.

Se você tiver um tempo livre agora, leia isto que publiquei ontem na minha página Turista Profissional, que sai toda terça-feira no suplemento Viagem & Aventura do Estadão.

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É difícil evitar: quanto mais você planeja uma viagem, mais coisas surgem para fazer; mais lugares parecem imperdíveis. Na era dos blogs, dos fóruns de viajantes, do conteúdo de turismo distribuído de graça por guias e jornais na internet, quem busca informação pode acabar soterrado por uma avalanche de dicas.

Tentar encaixar todas essas descobertas no seu roteiro é fatal para qualquer viagem. Pouco do que parece factível no papel costuma resistir aos contratempos da vida real. Saiba como não acabar numa dessas categorias de turistas overplanejadores:

O turista 30 horas. Saímos de férias para descansar do trabalho – mas quando nos damos conta, estamos com uma agenda ainda mais apertada do que no escritório. Acordar várias vezes de madrugada para tomar o primeiro voo, pegar praia a 200 quilômetros de distância, cabular refeições, prever uma sequência de visitas a lugares com filas intermináveis – parece que precisamos pagar as férias com sofrimento.

Como evitar: hierarquize os passeios. Eleja um evento importante por dia; faça os outros só se der tempo e você não estiver cansado. Durma bem e pense nas paradas para almoço e jantar como programas. Evite fazer bate-voltas a lugares que fiquem a mais de uma hora e meia de distância.

O turista nunca-chega.
Muita gente encara um lugar apenas como um trampolim de onde pular a outro. Você sabe que sofre disso quando chega a Maceió e só consegue pensar em Maragogi. Roma? É uma cidade de onde se vai a Capri. O maior exemplo de nunca-cheguismo que presenciei foi durante um cruzeiro ao Prata. O navio aportou em Punta del Este durante um lindo dia de verão. Teríamos o dia inteiro para explorar o local. Mas boa parte dos passageiros optou por pegar o passeio de um dia inteiro a… Montevidéu.

Como evitar: antes de pesquisar sobre lugares próximos, abasteça-se de informações sobre o lugar onde você vai desembarcar primeiro. Parece óbvio, mas será útil em muito casos.

O turista já-que
. Variação mais popular do nunca-chega: ao descobrir que está perto de algum outro lugar interessante, arranja um jeito de passar por lá. “Já que estou do lado…” Quando percebe, o roteiro virou um pinga-pinga infernal, e metade do tempo é perdida entre check-out, deslocamento e check-in.

Como evitar: monte bases. Passe vários dias num mesmo lugar, e faça bate-voltas a lugares próximos apenas depois que der o lugar por esgotado. Transforme o já-que: “Já que estou aqui, vou descobrir coisas que eu não sabia que existiam aqui mesmo”.

O turista enciclopédico. Este reverencia todos os verbetes que encontrem registro na sua memória. Viajar é “ticar” todos os lugares sobre os quais já tiver lido. Qualquer nome conhecido vira uma fixação que precisa ser conhecida tête-à-tête, mesmo que saia completamente do caminho. Toda cidade antiga vira tão importante quanto Veneza. Qualquer praia parece tão bonita quanto o Sancho ou o Espelho.

Como evitar: não se impressione tanto com os lugares dos quais você já ouviu falar. Na maioria das vezes, os lugares mais interessantes serão aqueles que não faziam parte do seu repertório. Diminua o ritmo da sua viagem, e esses locais vão aparecer bem no seu caminho.

Estude. Priorize. Relaxe. Pesquisar e planejar são essenciais ao sucesso de uma viagem — mas é preciso saber processar os resultados para não sofrer uma overdose de informação. Apure suas escolhas: separe o realmente imperdível do meramente complementar. E deixe tempo livre na agenda: com o dever de casa feito você vai identificar com clareza a hora de mudar os planos.


219 comentários

Adorei o post de hoje- logo me fez lembrar minha primeira viagem pra Europa que eu fiz em 1997 e que foi super overplanning – em cada lugar que eu chegava eu queria conhecer tudo e muito mais. Fui com uma amiga que quando viu meu frenezi foi logo me dizendo que nao ia comigo pra nenhum lugar no outro dia – porque ia passar o dia caminhando, ia ao shopping ou ia sentar num café. So na minha segunda viagem que eu entendi ela e aprendi a relaxar nas viagens.
Quanto ao planejamento eu sou super a favor – agora mesmo estou no planejamento da minha viagem de quase 3 meses pela Europa – e ja me sinto viajando desde janeiro quando comecei a organiza-la. Quando eu chego nos lugares eu fico deslgumbrada com tudo que li a respeito e agora estou vendo ao vivo. E um prazer incalculavel – escolher o cidade, hoteis e os passeios. Agora eu realmente curto cada momento sem me preocupar de fazer todos os passeios.
Parabens Riq pela materia, me trouxe muitas lembrancas.

kkkkk tou rindo aki sozinha, pois, quando descobri o VnV tava no inicio do planejamento da minha viagem (com meu marido) pra europa central, e nao sei quantas noites passei com insonia, pois ficava lendo ate tarde e ia dormir com toda a ansiedade do que ainda tinha pra planejar, os hoteis a reservar, etc. Agora ja reservei quase tudo: passagem de aviao, hoteis, e ate algumas passagens de deslocamento… tem tanto site sobre os lugares nos meus favoritos, que antes de ir, vou so dar mais uma olhada para anotar as principais atraçoes… antes eu queria imprimir tudo pra levar e poder seguir! agora tou me esforçando pra relaxar, pois o estresse q em q eu tava era um sofrimento! viagem é pra curtir, mas tb pra relaxar!

Realmente planejar é tudo, o problema é escravizar. Ficar escravo de um planejamento é horrível e você sofre.
Como muitos, depois de algumas viagens, se aprende, como tudo na vida.
Me dá arrepio quando alguém diz que vai 15 dias pra Europa com Roma, Florença, Paris, Londres e aí vai, não entendo, mas tudo tem seu mercado.
Uma verdade é a seguinte, pesquisando a viagem começa antes, você já vai entrando no clima, vai sonhando com os lugares, acho muito importante esta parte.

Agora, trips, haja argumento para ficar respondendo às questões do tipo: _Nao acredito que vc não foi à Praia do Francês. Só ficou em Maceió? Perdeu a melhor parte…(Argh!) Ou até, _Mas o que você ficou fazendo 5 dias em Pipa?

Ora essas, diplomaticamente posso continuar respondendo que fiquei descansando de papo pro ar, tomando café até às 11h, ido pra praia, voltando pra piscina, procurando ursinhos nas nuvens?

🙂

    Tô com você, Léo! Quando fiz a Expedição Brasil Express pelo Matraqueando (nos dois últimos meses) eu só tinha um ou dois dias inteiros no destino (por isso, express…) Você precisa ver como teve gente que ficou magoado porque eu não fiz o passeio de buggy nas dunas de Genipabu em Natal e preferi o Forte dos Reis Magos… ou porque passei por BH e fui direto para o Instituto Inhotim e não visitei nenhum bar da capital mineira ou porque fui ao Rio e fiquei enfurnada no curso da Roberta Sudbrack… e nem dei um passeiozinho por Santa Tereza! Enfim, quando eu definitivamente consigo definir UMA prioridade nos meus destinos, todo mundo cobrou porque eu não abracei o mundo! 🙄

Eu me “overplanejo” não para ter uma programação rígida, mas para me informar ao máximo sobre meus destinos. Faço uma lista de coisas a se fazer na cidade e não me obrigo a ticar tudo, apenas tenho sempre diversas opções de coisas a fazer a cada dia – se amanhece chovendo, melhor ir a um museu do que àquele mirante com vista panorâmica da cidade. Se tem 900 japoneses na minha frente na fila pra entrar na Sagrada Família, melhor aproveitar o sol pra caminhar pela praia de Barcelona até o Aquário e tentar chegar mais cedo na igreja do Gaudí no dia seguinte. (E como costumo viajar sozinho, só preciso negociar meu roteiro do dia comigo mesmo.)

Oi pessoal. Tb sou adepto do planejamento e acho que pesquisar as atrações e novidades de um lugar já é uma forma de iniciar a viagem, além de diminuir a ansiedade quando ainda faltam alguns meses para o tão esperado dia (rsrsrs).

Concordo com o Riq qto à grande quantidade de informações que temos hoje disponíveis, especialmente pela Internet. Eu mesmo tenho vários links de blogs e revistas nos meus “favoritos”. Faz até com que os guias impressos se tornem desnecessários.

Também não entendo esses roteiros malucos previstos em pacotes turísticos que mostram dez países em 20 dias. É uma coisa que não entra na minha cabeça. As pessoas passam mais tempo subindo e descendo do ônibus do que realmente vendo as cidades. Fora o fato de que vc se cansa de tanto fazer e desfazer as malas e carregá-las de um lado para outro. Na primeira vez que fui à Europa, fiz Paris, Londres e Barcelona por conta própria e depois peguei um pacote de seis dias pela Itália. Nessa ocasião pude comparar os dois estilos de viagem e vi que pacotes realmente não são para mim. Mas isso depende da filosofia de viajar e do orçamento de cada um.

Mas voltando ao tema do overplanning, concordo que não devemos e nem temos condições de ver tudo o que os guias recomendam. Acho que devemos fazer um planejamento diário do que queremos ver por área da cidade. Mas estando aberto a novas experiências no meio do caminho. Na minha opinião, não vale a pena ir naquela boutique moderninha ou naquele restaurante da moda se aquilo vai tomar uma manhã ou uma tarde inteira de deslocamento para um bairro distante.

Gostaria de te cumprimentar pelo site e pelo conteúdo da sua coluna no Estadão. É muito bom ver um tema que nos interessa seguido de várias opiniões de leitores. Isso faz com que viajar continue sendo um dos grandes prazeres da vida!

É um assunto interessante. Dá pano prá manga! Concordo com o Arnaldo em gênero, número e grau. Há turista, como já foi dito aqui, que fica dois dias em Paris e diz que “conhece” Paris. Para ele, talvez, os dois dias tenham sido suficientes e não tenha mais interesse em voltar. Quantas vezes muitos aqui já foram a BsAs? Várias. Querem voltar? Quantas vezes forem possíveis. Eu, por exemplo, já fui a Cuzco. Fiquei 3 dias. Conheço? Digo que sim e não tenho intenção de voltar. É questao de gosto, interesse. Sei também que se ficarmos no “tudo é relativo”, não há mais conversa. Mas, planejamento acho essencial.

    Já eu sou diferente… Acho que eu não conheço nem a cidade onde eu moro… 😉

post super pertinente.
Tem uma outra coisa que também noto, principalmente quando vou pesquisar posts mais antigos: a repetição das perguntas, algumas são exatamente o assunto do post! Quer dizer, a resposta da pergunta é o próprio post!!!! isso acaba dificultando um pouco a vida de quem tá relendo os comentários, onde normalmente a gente acha dicas maravilhosas. É bom lembrar que a caixa de comentários também é um instrumento de pesquisa super útil e precisa ser mais valorizado.Vamos zelar pela sanidade do blogueiro que acaba respondendo infinitas vezes as mesmas perguntas…

    VAI PRA BÍBLIA!

    Eu estou planejando um elenco de FAQs pra ter links prontos pra responder a quem pergunta o que já foi respondido ou, o pior de tudo, o que está escrito com todas as letras no post. Muita gente acha que é frescurite minha, mas não é só isso: é que é realmente importante manter as caixas de comentários enxutas para quem vai pesquisar depois. Estou pensando em implantar um sistema em que as perguntas respondidas com esses links prontos sejam removidas depois de 24 ou 48 horas (para dar o tempo para a pessoa ler).

    Riq, já pensou em colocar um pequeno disclaimer quando a pessoa abre o Comentódromo? Esse comportamento é comum em alguns portais específicos de um tema que participo e são abertos: a pessoa trata caixas de comentários de artigos e posts como se fosse um balcão de informações sem se dar ao trabalho de ler ou fuçar no índice.

Negócio é se preparar, cobrir algumas bases como principais estadias e alguns traslados, conhecer os roteiros possíveis, E DEU. Vai. Sai. Caminha. Olha. Olha pra cima (turista sempre se reconhece porque ele caminha olhando pra cima com um semi-sorriso no rosto). Conversa. Come. Bebe. O mundo é grande demais, diverso demais. Considero até um desrespeito não se permitir uma maior liberdade nas trips.

Abraço
Geraldo Figueras

Planejar é maravilhoso. Na minha opinião, estudar o destino é fundamental para aproveitar a viagem.

Mas isso não é overplanning – pelo que entendi, overplanning é se escravizar a um roteiro engessado e cumpri-lo a duras penas, custe o que custar… 😉

Atenção: Os comentários são moderados. Relatos e opiniões serão publicados se aprovados. Perguntas serão selecionadas para publicação e resposta. Entenda os critérios clicando aqui.

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