Meryl (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Ilustração: Daniel KondoIlustração | Daniel Kondo

Não sou de chorar em cinema. Eu sou de chorar é em show.

Já foi pior. Teve época em que, se eu não chorasse três ou quatro vezes durante um show, é porque eu não tinha gostado. Chorava até em show do Paralamas. Hoje estou mais comedido. Só me desidrato mesmo quando é Bethânia. Ou Chico.

O cinema, porém, não me toca da mesma maneira. Não consigo chorar só porque estou emocionado, cativado pela beleza. Se eu choro no cinema, é porque o filme me deixou triste demais. E antes que isso aconteça, eu fecho a torneirinha que mareja a vista. É só um filme, puxa vida. Me recuso a sofrer. E de mais a mais, lágrima respinga no óculos e prejudica a leitura das legendas.

É muito difícil o filme que consegue me pegar desarmado. A última vez que chorei no cinema foi no finzinho de “Central do Brasil”. Mas acho que ali fazia parte do script você se levantar da poltrona e dar de cara com todo o resto do cinema soluçando.

Lembro de ter chorado compulsivamente apenas uma vez. Foi há trinta anos. A culpada? Mery Streep, em “A escolha de Sofia”. Eu não sabia que a personagem ia precisar escolher entre dois filhos para salvar do campo de concentração. Estrebuchei.
Tempos depois vim a saber que a cena foi gravada num take só. Meryl não tinha condições de passar por aquilo de novo. Eu também não.

Depois disso, a cada novo papel Meryl Streep vinha diferente, até no sotaque. Parecia nunca interpretar a si mesma – até porque a gente nunca soube direito quem ela é. Como uma mulher com carisma pessoal próximo de zero pode ser uma atriz tão melhor do que qualquer outra? Talvez exatamente por isso.

Levei um susto quando ela ganhou o Oscar por “Dama de Ferro”. Não pelo prêmio, mas porque só ali percebi que era o seu primeiro Oscar desde “A Escolha de Sofia”. É como se a Academia admitisse que a Meryl Streep é tão superior, mas tão superior, que não precisa desse souvenir do Teatro Kodak na estante.

“Eu sei que nunca mais vou subir aqui”, disse a melhor atriz viva no discurso de aceitação, revelando uma calculada nesga de rancor. Em seguida, marejou o olhar. E foi então que uma lagrimazinha furtiva escapou do meu olho direito.

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55 comentários

Minha estréia na choradeira: O Campeão (aquele do menininho com o pai boxeador).

    Eita!!! Acho que esse também foi minha estréia (na época tinha acento).

    “Mary Lou, Joe” foi a frase do século…

Fico pensando que todos nós sabemos que muitos prováveis “nunca-mais faremos, iremos ,sentiremos … ” podem ser verdadeiros ;
e não há como não chorar por esta perda .

Difícil eu chorar em cinema, com música. Me emociono (essa crônica me emocionou!), mas não me desidrato. Já “meu marido Oscar”… passo até vergonha! Sou eu que tem que avisar, “Raul, é só um filme”! Rá! 🙄

Riq
Concordo com você: A Meryl é insuperável. Só para falar dos mais recentes, ela é uma mulher em “O Diabo…”, outra em Mamma Mia, outra em Simplesmente Complicado. Aliás, este último, não canso de assistir no telecine, pois apesar de não ter nenhum apelo mais forte, a atuação dela é demais.
Merece, muito. E olha que eu ainda nem vi a Dama de Ferro.
E sobre chorar… qq filme que assistiomos aqui em casa, assim que começa alguma cena mais forte, todo mundo já olha imediatamente prá mim e rindo, esperando eu chorar. Dá até raiva.

    … E só complementando: sem querer ser chata, mas ser ator nos EUA é bem diferente do que ser ator aqui no Brasil – os caras cantam, dançam, interpretam… e não é qualquer “cantam”, é cantar muito bem!
    A gente vê na Broadway, (e até naquela lanchonete Ellen Star qq coisa), qualquer um que quer ser ator tem que saber fazer de tudo, os caras são bons, não é como aqui que basta ter um rosto bonito e preferencialmente um corpão para virar ator…

Choro muito! Cinema, seriados, televisão, uma coisa!
Mas prefiro chorar em casa, não gosto de ver filme triste no cinema, primeiro fico tentando segurar e depois aquela cara vermelha!!! E em casa se eu tiver chorando muito posso simplesmente parar de ver.

Eu sou super chorona, nem dá para relatar em quais filmes chorei porque é quase rotina.

Agora, eu tinha certeza que a Meryl Streep iria sim levar esse Oscar para casa porque a atuação dela nesse filme está perfeita. Não tinha é como não ganhar! Boas atrizes de verdade não tem que ter carisma pessoal, vide a grande Fernanda Montenegro. Nada deslumbrada, pessoa normal. Da mesma forma, Meryl Streep.

Cinema Paradiso, A Escolha de Sofia, À Espera de um Milagre, Tão Forte Tão Perto, Menina de Ouro, Gran Torino, E.T., Regras da Vida, As Pontes de Madison, Adoráveis Mulheres… Ah, como eu choro, rsrsrsrs!

Pois eu fico triste mesmo é quando eu assisto a um drama e não consigo chorar…BTW,apareceu uma lágrima furtiva aqui durante a leitura da crônica! 🙂

Nem passa pela minha cabeça assistir filmes com criança e animais. Tristeza total. Nem vou.

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