Ostia Antica - Capitolium

Ostia Antica, a ‘Pompeia’ mais próxima de Roma (por Andre L.)

Este é o segundo post de uma trilogia assinada pelo superleitor Andre L. mostrando passeios fora do centro histórico de Roma. Depois de visitar quatro bairros fora do roteiro básico, hoje vamos pegar um trem até a cidade portuária preservada de Ostia Antica. Vai pelo Andre:

Texto e fotos | Andre L

Ostia Antica, o porto da Roma imperial

Quando Roma era a capital de um enorme império, a navegação era uma das principais vias de comércio e comunicação. A primeira grande cidade portuária que serviu a Roma foi Ostia, a 20 km do centro antigo da cidade.

À medida que o Império Roma foi se expandindo, o que era inicialmente apenas uma área de atracação na foz do Tibre se transformou num enorme complexo comercial, residencial e logístico. Formou-se um entreposto utilizado por barcos levando e trazendo todo tipo de mercadoria, que então era comerciada por ali e transposta para barcaças fluviais menores, ou para as antigas caravanas de transporte pelas estradas pavimentadas de pedras que levavam a todo canto. Com o tempo, portos ainda maiores foram construídos mais longe da foz.

Ostia manteve-se como centro de atividade por alguns séculos. Seu declínio, inicialmente paulatino, acelerou-se depois que algumas inundações alteraram o curso do Tibre — e, aos poucos, foram soterrando Ostia, deixando a cidade longe da nova linha da costa. O resultado foi a preservação, sob solo sedimentar, de um gigantesco complexo da cidade antiga, hoje aberto à visitação. É um sítio arqueológico impressionante e interessantíssimo.

Ostia Antica: banheiro público
Ostia Antica: banheiro público

A visita a Ostia Antica guarda algumas semelhanças com aquela feita a Pompeia, e desde já digo que a comparação é inevitável. Mais à frente escreverei um pouco sobre isso. Antes, porém, digo que o que mais me atraiu em Ostia Antica foi a preservação em larga escala da cidade de acordo com seu planejamento urbano estrito e detalhado dos tempos da Roma antiga, já que quase todo o núcleo daquela época faz parte do parque arqueológico atual, escavado sob metros e mais metros de solo e trazido de volta à vida.

Uma cidade pré-cristã

Ostia Antica: núcleo republicano
Ostia Antica: núcleo republicano

Como toda cidade planejada da época, Ostia tinha dois eixos principais e ortogonais, que se cruzavam no Fórum, o centro da vida cívica. Há resquícios de vários templos, e é interessante entender o papel híbrido desempenhado pelos espaços cultos pré-cristãos em Roma, e sua função no tecido urbano.

Havia também complexos termais, com um intricado sistema para criar piscinas cobertas de água corrente fria, morna e quente. Essa tecnologia de aquecimento de água é impressionante, considerando a época em que foi empregada. É um dos aspectos mais detalhados da arquitetura urbana romana que mais me impressionam, de forma geral. A cidade contava também com um sistema subterrâneo de distribuição de água trazida de um aqueduto.

Ostia Antica: fábricas
Ostia Antica: área das fábricas

Pela sua posição geográfica, Ostia também tinha muitas pequenas indústrias (têxteis, alimentícias etc) e armazéns — um dos lugares mais interessantes, com ruínas visíveis hoje.

Ostia Antica: praça das corporações
Praça das Corporações

Havia também o equivalente a um mercado moderno, onde várias corporações mantinham pequenas lojas dispostas ao redor de uma praça (Praça das Corporações). É fácil imaginar o imenso movimento que havia ali, com mercadores e navegadores andando por todos os lados, escravos carregando mercadorias dos armazéns para as lojas, e tudo mais.

Ostia Antica: termas
Ostia Antica: logomarca nas termas

O efeito é ainda mais impressionante porque enormes mosaicos, com logotipos das corporações, decoravam o chão na entrada dessas lojas. É incrível percorrer esse espaço e compreender como algumas facetas da vida urbana atual são tão parecidas com aquela de dois milênios atrás, a despeito de todas as mudanças tecnológicas, culturais e sociais.

Os mosaicos restaurados são interessantíssimos, e mostram como logomarcas já eram negócio sério muito antes do Corel Draw! Esse foi meu canto preferido de lá, o que mais me impressionou, não necessariamente pela monumentalidade das ruínas, mas por essa sensação de algo tão próximo no espaço conceitual e tão distante no tempo e espaço da vida hoje.

Ostia Antica tem também residências monumentais (as chamadas domus), algumas pequenas instalações militares, uma necrópole, calçamento dos dois eixos principais ainda em pedras originais, e ruínas de muitas outras construções da época.

Um tesouro a salvo do turismo de massa

Ostia Antica, a 'Pompeia' mais próxima de Roma (por Andre L.) 1
Ostia Antica: sem multidões

O audioguia foi absolutamente essencial para minha experiência de visitar o local, já que as placas não têm tanta informação assim. Há um pequeno museu com alguns artefatos mantidos indoor.

Os áudios ajudam a entender a função de vários prédios, sua relação com a cidade, e ainda tem outra informação crucial: os vários usos de prédios que tinham sido reformados com o tempo ganhando novos usos. Tal é o caso de templos convertidos em igrejas após a cristianização, por exemplo.

Algo muito peculiar a Ostia é que o local resistiu como centro urbano habitado por muito tempo, por mais de 400 anos, até ser abandonado. Já era um patrimônio histórico, por assim dizer, no apogeu do Império Romano no começo séc. IV.

A proximidade com Roma também estabeleceu ali uma dinâmica histórica diferente daquela havida em muitos outros centros habitados que rapidamente se tornaram semi-autônomos à medida em que o império se retraiu, ou daqueles se tornaram de difícil defesa.

Ostia Antica: tinturaria
Ostia Antica: tinturaria

Muitas das esculturas e outros artefatos escavados de Ostia Antica lá foram levados para o Museu de Roma, e lá hoje são exibidas. No sítio arqueológico atual dá pra ver muitas ruínas. Tomou-se cuidado especial para demarcar o que foi uma restauração para preservar prédios em pé ou reconstruir partes faltantes de uma coluna, por exemplo, e o que é original – encontrado sob as escavações. Há mosaicos, muitos, além do desenho urbano em si, esse quase todo intacto.

Se Ostia Antica estivesse em qualquer outro lugar que não fosse um subúrbio de Roma, iria ser uma das principais atrações da Itália por si só. A proximidade com a Roma moderna releva Ostia a uma espécie de segundo escalão de ‘lugares a fazer’ (sic) em Roma: não cabe bem em roteiros corridos demais, e há sempre a inevitável comparação com Pompeia.

Mas ao invés de lamentar, eu achei foi ótimo essa negligência das massas: a área arqueológica é gigantesca, e o movimento, relativamente pequeno. Dá pra contemplar vários prédios e ruínas, sentar nas mesmas pedras próximas das fontes onde mercadores antigos estariam tomando água, e aproveitar de forma intensa e sem muvucas a visita. Adorei as horas que passei lá.

Ostia x Pompeia

Ostia Antica
Ostia Antica

Mas é como Pompeia? É redundante visitar Pompeia e Ostia Antica? Essas perguntas são um pouco inevitáveis ao se planejar a visita. Eu, que gosto desse tipo de atração, gostei de ambos (muito!). Todavia, as semelhanças podem deixar duas visitas na mesma semana aos dois locais com a sensação de redundância.

Em termos do que se pode ver e fazer nos dois parques arqueológicos, há semelhanças no tecido urbano e nas várias ruínas espalhadas, em diferentes estados de conservação e restauração. Todavia, em Pompeia foi uma explosão vulcânica que dizimou a cidade, enquanto em Ostia Antica o que ocorreu foi um abandono progressivo e declínio da área habitada seguida por soterramento natural aluvial.

Na Idade Média, a região próxima de Ostia virou um pântano com concentração de malária e seu mosquito transmissor, insalubre, evitada pelos habitantes do Lázio, o que explica a relativa preservação. Tanto em Ostia Antica como mais ainda em Pompeia, os artefatos artísticos avulsos foram retirados das escavações e são exibidos em museus longe dali.

Ostia Antica era um local portuário dependente de Roma, Pompeia era uma ‘colônia’ mais auto-suficiente. De forma prática, em Ostia Antica há mais sombra, e a cidade é plana.

O tamanho dos dois parques arqueológicos é parecido. Conquanto Ostia Antica tenha tido 350 mil visitantes anuais recentemente, e Pompeia 2,5 milhões — a sensação de ter muito mais espaço e pouca muvuca é insuperável em Ostia Antica comparada a Pompeia.

Informações práticas

Ostia Antica: dicas práticas

Ostia Antica: trem suburbano
Trem metropolitano

Como chegar

Chega-se a Ostia Antica com muita facilidade, de trem metropolitano pela linha Roma-Lido (trens sentido Ostia-Cristoforo Colombo), descendo na estação Ostia Antica. Os trens partem a cada 15 minutos do complexo metroferroviário Piramide (linha B do metrô)/Porta San Paolo/Ostiense.

Todos os bilhetes urbanos válidos na ATAC em Roma são válidos para o trecho, incluindo Roma Pass. A viagem leva 22 minutos; ao chegar à estação Ostia Antica, basta sair, atravessar a passarela sobre a rodovia adjacente, caminhar uns 300 metros na mesma direção e já se chega à entrada do parque. A maioria dos trens que operam na linha tem ar-condicionado.

Duração da visita

Para visitar Ostia Antica e aproveitar a oportunidade, programe idealmente 3 a 4h. Se você realmente gostar do assunto, vai precisar mais tempo – para completar o roteiro extendido sugerido pelo mapa que acompanha o audioguia, são projetadas 9 horas (isso mesmo)! O local exige um certo esforço físico e as distâncias são grandes.

Audioguia faz toda a diferença

Não seja muquirana e pegue o audioguia – será essencial para sua visita. Leve um mapinha gratuito que entregam na recepção com a numeração das ruínas, pois muitas ruínas não tem placas externas e o mapinha tem o código para o áudio correto.

Em setembro/2018, inexplicavelmente, o quiosque que cuida da entrega e devolução de audioguias fechava meia hora antes do horário de fechamento do parque, e você precisava voltar a tempo para devolver o aparelho e retirar seu documento deixado como caução.

Quando ir a Ostia Antica

Numa visita a Roma, o ideal é deixar Ostia Antica para um dia de tempo bom. No verão, em dias de sol forte, prefira visitas de manhã, pois deve cansar andar pelas ruas de pedras irregulares com sol a 35 graus. Por não ter muito movimento, não é preciso reservar horário antecipado. É indispensável levar sua garrafinha para tomar água nas bicas – tem um café honesto numa das extremidades do parque, mas é bem longe da entrada.

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