Quando o Brasil vai ser um Bric do turismo?

Cristo Redentor, Rio de Janeiro

O país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza nunca esteve tão por cima. E desta vez nem é por causa do futebol. Alguém se lembra de algum outro momento em que fôssemos tão respeitados lá fora? Sucesso econômico retumbante, o Brasil é saudado como a próxima potência emergente. Será que algum dia o Brasil vai ocupar, no cenário turístico internacional, um lugar semelhante ao que está conquistando na economia global?

Não será fácil. Segundo os relatórios da Organização Mundial de Turismo (o mais recente se refere a 2009; o relatório de 2010 deve sair nas próximas semanas), faz muitos anos que o número de visitantes estrangeiros ao Brasil está estagnado em torno de 5 milhões (incluindo os visitantes a trabalho). O México recebe quatro vezes mais turistas do que nós; a Tailândia, três vezes mais; a África do Sul (que não tem nenhum vizinho emissor), o dobro. Temos apenas 25% mais turistas estrangeiros que a República Dominicana. Até o pequeno Uruguai (do Chuy ao Prata, com uma sazonalidade fortíssima) consegue receber quase metade dos visitantes internacionais que chegam ao Brasil inteiro (do Oiapoque ao Chuí, em verão permanente).

O mercado doméstico, que tradicionalmente tem sustentado a indústria do turismo, está em rota de fuga. Em 2011 os brasileiros gastaram US$ 16 bilhões no exterior (contabilizadas apenas as divisas obtidas por cima do pano) e foram os campeões mundiais em aumento de despesas em viagens internacionais; gastamos lá fora 52% a mais do que em 2009. Em segundo e terceiro lugares no campeonato do esbanjamento  vieram os árabes sauditas e os russos – que entretanto se contentaram em gastar respectivamente 28% e 26% a mais. Em contrapartida, os visitantes estrangeiros deixaram no Brasil pouco mais de um terço do que gastamos lá fora: US$ 6 bilhões. O aumento com relação a 2009, de 11%, apenas acompanha a valorização do real. Os dados são da Organização Mundial do Turismo, confirmados pelo governo brasileiro.

A força do real explica em parte esses números – mas, como veremos a seguir, ajuda a encobrir nossa falta de interesse em ver o turismo internacional acontecer de fato no Brasil.

O melhor do mundo. Os relatórios de competitividade no turismo internacional editados pelo Fórum Econômico Mundial (a entidade que está por trás dos encontros de Davos) são reveladores das qualidades e deficiências do Brasil na área do turismo. O mais recente foi divulgado na semana passada, e traz o Brasil em 52º lugar no ranking da competitidade turística internacional – seis posições abaixo do relatório de 2011.

O 52º lugar não seria de todo mau – afinal, continuamos na frente de mercados vizinhos turisticamente mais evoluídos, como Chile (56º) e Argentina (60º) – se não fosse por um detalhe: a nota do Brasil é inflada por uma espetacular primeira colocação no item “Recursos naturais”. Pasme: os senhores sisudos de Davos concordam com a afirmação de que moramos num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Mas agora pasme ainda mais: o país nº 1 em recursos naturais não consegue fazer com que visitantes gastem mais do que um terço do que seus moradores gastam no exterior.

Falta de prioridade. A classificação dos países é dada pela ponderação de 75 indicadores, divididos em 14 pilares importantes (“recursos naturais” é um desses pilares). Destrinchando o boletim do Brasil, o país oscila entre a 65ª. e a 85ª. colocação na maioria dos itens. Duas notas bastante baixas, porém, chamam a atenção.

Uma é no item “prioridade governamental para o turismo”, em que o Brasil ocupa a 104ª. posição entre os 160 países pesquisados. Não é culpa exclusiva do governo. A falta de prioridade ao assunto apenas reflete uma mentalidade bem estabelecida entre as classes educadas de que esse negócio de turismo internacional é para república de bananas, não para um país industrializado. (Tenho consciência de que boa parte dos leitores que chegaram até aqui estão achando esse texto um desperdício de papel e tinta.) Enganam-se. O turismo é um setor econômico importantíssimo também em países desenvolvidos. A Espanha está em 14º lugar no item prioridade governamental ao turismo. A França, em 17º. A Suíça, em 21º.

A outra nota decepcionante é a que ganhamos no item “efetividade de marketing e branding” – não fomos além do 95º lugar. O país dos jogadores de futebol, de Gisele, de Paulo Coelho e das Havaianas – que espalham bandeirinhas pelo mundo inteiro – não consegue se comunicar como destino de viagem.

O país do evento. O maior sucesso do turismo internacional brasileiro está na captação de eventos. Neste item, estamos no primeiríssimo time: o Brasil é o número 8 do mundo. E vamos continuar bem: nos últimos anos, o Brasil captou os dois maiores eventos do planeta: uma Copa do Mundo e uma Olimpíada. Brasil 2014 e Rio 2016 têm a responsabilidade de fazer o turismo internacional pegar no tranco. Será que dessa vez vai?

É possível. Mas o Brasil não pode mais continuar bom apenas no atacado. É preciso saber atuar no varejo.

Na grande arena onde se dá o corpo-a-corpo pelo turista independente, a internet, o Brasil ainda está na idade da pedra. O site oficial do turismo brasileiro – Braziltour.com – é confuso, incompleto e, em alguns momentos, ilegível. Há trechos em que a versão para o inglês parece ter sido feita pelo tradutor do Google, de tão macarrônica. No plano regional, há muitos sites de cidades que sequer oferecem a versão em espanhol.

O que estamos perdendo. O prejuízo do Brasil com a escassez de turistas internacionais vai muito além do rombo de US$ 10 bilhões entre o que os viajantes brasileiros gastam lá fora e os estrangeiros deixam aqui. O turismo é a última indústria que emprega mão-de-obra intensivamente. Recomendo a todos os que acham que esse assunto é uma tolice que façam o que fiz ano passado: passem uma semana em Punta Cana, onde todos os resorts permanecem com lotação considerável mesmo na baixa temporada, gerando um sem-número de empregos visíveis a olho nu, e depois percorram os resorts brasileiros – a maioria deles dependendo de convenções de empresas para ter alguma lotação fora das férias escolares.

2011 vai ser um ano particularmente duro para as pousadas – a escassez de feriados (que este ano caem em dias que não permitem pontes) vai minguar ainda mais a receita na baixa temporada. Enquanto isso, o turismo de negócios vai ótimo, obrigado, com aviões lotados e falta de quartos de hotel em muitas capitais.

Nem o Ministério do Turismo nem a Embratur são culpados pela valorização do real e pela vontade do brasileiro de viajar para o exterior. Mas as duas autarquias não deveriam tapar o sol com a peneira, usando números fora do contexto para que pareçam tão positivos quanto os dos demais setores da economia. A presidente Dilma Roussef, que já demonstrou ter os dois pés na realidade, bem que poderia intervir no mundo do faz-de-conta do turismo internacional no Brasil. Este é um setor em que há muito o que crescer, e rapidamente. A capacidade instalada é adequada, a ociosidade é tremenda, a baixa temporada é interminável. Um pouco mais de vontade de receber visitantes (que tal despolitizar a flexibilização do visto de entrada para canadenses e americanos?) e uma presença competente na internet trariam bons resultados muito antes de 2014.

Publicado originalmente na minha página Turista Profissional, que sai toda 3a. no suplemento Viagem & Aventura do Estadão.

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64 comentários

Bela regiao do litoral carioca!!!! aliás Rio de janeiro tem um litoral maravilhoso… também para o sul do Rio, Angra, Paraty e suas ilhas sao recomendáveis.. ohhh Brasilll!! se por acasso tem alguem indo para Paraty (cidade que adoro) pode se informar aqui https://www.paratyonline.com sobre tudo que esta rolando por lá!! eventos, promocoes, atividades, balada, etc ..abss

Eu acabei de voltar de Paris e me chocou muito a quantidade de turistas por lá. E parece ser assim o ano todo. Morei anos no Rio, mais precisamente quase em frente ao bondinho do corcovado. Fiquei só imaginando metade dos turistas que vão à Versailles (por exemplo) tentando subir o bondinho… Bem, nem vou falar da Torre Eiffel…rs Seguindo o bordão: E na Copa, como faz?…rs. Mas numa coisa, a gente ganha fácil, viu? Em que lugar do mundo, o povo é tão simpático e interessado no turista como no Brasil? A sensação que tive em Paris foi de que o parisiense não tá nem aí pra gente. Eles ficam como que num aquário, sendo observados, e agem como se fossemos invisíveis. Ah… saiu da linha… esporro!!!! Em quem quer que seja, branco, preto, japonês, etc…
Aqui, não, é só ver alguém falando inglês que todo mundo se interessa, puxa papo, dá dicas, oferece ajuda… Será que estou errada?

Como um norte-americano que viajou bastante pelo Brasil, e que continua amando o país, eu gostaria de compartir a minha perspectiva com o grupo.

Fiquei apaixonado pelo Brasil faz 15 anos, quando cheguei em fevereiro e conheci Rio de Janeiro, Salvador e Arraial d´Ajuda. Eu tinha 20 anos, e curti a festa no Arraial, a beleza natural do Rio e a cultura de Salvador. Passei 3 semanas, de mochileiro na época quando um real valia um dólar, e fui inspirado aprender portugues, e voltar várias vezes ao país. Por que? O Brasil tem praias belas, mas não são as mais belas do mundo. Tem natureza exuberante, mas não é a mais dramática do mundo. Tem cidades belas, comida boa, mas não o melhor do mundo. Mas o que tem, de primeiríssimo no mundo, é uma cultura e o povo. É por isso que eu volto sempre. Mas como se vende isso ao turista potencial? Como disfrutar do bate-papo no boteco se vc não fala portugues?

Tenho mil historias muito legais das minhas viagens pelo Brasil, mas hoje estamos falando das difculdades. Então:

O Brasil sim é caro. (Não era sempre assim. Me lembro da época faz 9 anos na qual o dólar beirava 4 reais, e o Brasil era bem barato mesmo. Aproveitei muito nessa época, então não sente tão ruim que hoje o país está caro. Acho que com o dólar à mais ou menos 2 reais, as coisas ficariam bem mais razoáveis.) Mas como foi comentado muitas vezes, o maior problema não é só o real alto. Tampouco é a relação preço x qualidade, mas isso também é um problema sério. Para mim, o problema maior é que viajar no Brasil é difícil mesmo pelos estrangeiros, muito mais ainda se vc não fala portugues. Quem é do exterior frequentemente se sente obrigado comprar uma viagem com uma agencia, porque não se sente confortável planejando tudo sozinho. Aí o preço sobe mais. Requer mais pesquisa, mais preparação. O turista casual desiste. E sim, essa dificuldade contribui muito à imagem negativa do Brasil como lugar de turismo, muito mais do que a requisição do visto. Isto é mais penoso ainda, porque a imagem geral do Brasil no exterior é muito positiva.

Falando do visto, concordo que o Brasil perde muita competitividade ao exigir o visto com anticipação, e não no aeroporto. Outro problema é que hoje, muitas empresas que trabalham com vistos aqui nos Estados Unidos – poderiam se chamar despachantes – tem interesses fortes em que a situação não melhore.

Outras coisinhas:
– a falta da regulamentação e falta dum sistema de reclamação quanto as empresas de turismo. A lei brasileira é ótima quanto à proteção do consumidor, mas quais são os recursos que tem o turista internacional quando uma empresa não faz o que promete, e já ficaram com seu depósito bancário? (e sim, é muito, mas muito muito chato ter que fazer um depósito para reservar uma vaga quarto num lugar que vc nunca viu ou num serviço que vc nunca provou)
Por que é que a maioria das pousadas não coloca suas tarifas nas suas páginas de internet? Dá muita preguiça escrever pedindo preços. Meu favorito é que te dão a oportunidade de fazer uma reserva, sem revelar em lugar algum qual seria o preço. Realmente tem gente que reserva sem saber quanto vão pagar? O efeito é negativo em dois sentidos: primeiro, deixa a impressão de que o dono não respeita muito o consumidor. Segundo, muito pior, dá a impressão de o preço depende de quem quer saber. Se eu escrevesse em ingles ou frances, receberia um orçamento diferente?
– Por que no Rio de Janeiro, em muitos restaurantes, só se vende pratos para duas pessoas a preços absurdos. E se estou jantando com alguém que quer comer alguma coisa diferente, que fazemos? Prefiro não jantar no seu estabelecimento. Perdeu o negocio.

Mas não quero terminar meus comentários sem oferecer pelo menos uma teoria ou explicação da situação do turismo no Brasil também. O Brasil é um país do tamanho dum continente, uma democracia, com um povo que tem muitas necessidades, como qualquer país do seu porte. Então exigir que o governo priorize o turismo no Brasil, ou bem a infraestrutura pelo turismo, é muito mais difícil que, por exemplo, num país menor como a Republica Dominicana, que depende do dólar do turista. Com tanta desigualdade, é políticamente difícil justificar a inversão de recursos no desenvolvimento do sistema de parques nacionais, mesmo que seja boa ideía. Além disso, separados dos seus vizinhos pela amazonia e os llanos (as populações dos países vizinhos tampouco tem muitos recursos para realizar viagens de turismo), separado do resto do mundo pelo mar, falantes duma língua bela mas pouca comum no resto do mundo, não é surpreendente que os principais capitais brasileiros não desenvolveram mecanismos pelo turismo internacional. Me lembro da primeira impressão que tive do Rio de Janeiro, faz 15 anos: este lugar não parece a nenhuma outra parte da America do Sul, nem dos Estados Unidos, nem de Europa. O Brasil parecia totalmente único, pouco preocupado com o resto do mundo. (Até diria que Rio de Janeiro, a pesar de ter as olimpíadas, continua assim.) Essa característica faz parte do seu charme, mas também gera dificuldades para quem não é de lá.

Finalmente, para muitas pessoas, o Brasil fica longe. Eu moro em Los Angeles. Daqui, Londres fica a 5456 milhas, Tokyo fica a 5451, Moscú a 6078. Rio de Janeiro? Fica a 6294 milhas. O Brasil sim é abençoado por Deus, mas nem Deus pode faze-lo ficar mais perto dos principais mercados alvos. É lógico que a maioria dos voos vão direto a São Paulo: primeira classe vive lotado de executivos. Isso faz o nordeste ficar mais longe ainda.

Tudo acima dito com o maior carinho pelo Brasil! Reconheço que aqui nos Estados Unidos, também temos um monte de problemas.

Um abraço!

Para entendermos a importancia dada ao turismo no pais, é só ver o naipe do nosso ministro do turismo – um sem noção de 80 anos que nos 79 anteriores nunca fez nada na área, que só está lá por ordem do Sarney e que usa dinheiro do governo para pagar motel!

Mas as pousadas e outros tem sua parcela de culpa também… aqui a demanda interna poderia ser muito maior na baixa temporada, mas muitos lugares continuam cobrando caríssimo, então não adianta reclamar.

Para ver como pode melhorar: tinha comprado num site de compras coletivas um fim de semana em Monte Verde pelo custo de 1 diária – fui no meio de Fevereiro (não vejo muita época pior para cidade de montanha)e o hotel estava lotado!
Foi só vender mais barato que lotou o lugar – pena que a maioria prefira cobrar caríssimo, mesmo ficando vazia…

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